quinta-feira, 10 de outubro de 2013

A demagogia da mobilidade


Em 03 de setembro de 2013 comecei uma postagem com a seguinte frase:

 
Ônibus ou automóvel? Da maneira como muitas autoridades colocam o problema da dificuldade para se locomover em grandes centros urbanos parece que essa é a luta do século. Na verdade não é. Entre ônibus e automóvel a resposta correta é: os dois, além de outras modalidades de transporte.

 
Hoje, dia 10 de outubro de 2013 o jornal O Estado de São Paulo publica um editorial com o título desta postagem. Abaixo comparo trechos dos dois, em vermelho o Editorial do Estadão e em azul frases da postagem do dia 03/09:

 
Ao levantar a bandeira (eleitoral) da mobilidade urbana, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, e o secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto, assumiram o papel de defensores dos sem-carro e passaram a combater, sem pensar nas consequências, a multidão dos que se atrevem a sair às ruas em seus automóveis, mesmo tendo de enfrentar grandes congestionamentos todos os dias. Os congestionamentos são cada vez maiores, mas a dupla já começa a acumular resultados "positivos" nessa batalha, mais do que ousada, demagógica... Os donos dos 7 milhões de veículos da capital parecem não ter importância. Eles seriam apenas pessoas egoístas que rejeitam o transporte público. É como se não tivessem compromissos diários, serviços a prestar e nenhuma relevância para a vida econômica e social da cidade.

 
Automóveis: — “Vereador Roberto Tripoli (na CPI da Câmara Municipal de São Paulo sobre as “planilhas” das empresas de ônibus): Eu penso Vereador Eduardo Tuma, que nós temos que inviabilizar o carro particular na cidade de São Paulo. Inviabilizar.” – (Postagem de 22 de agosto deste ano).  Então é isso, vamos inviabilizar o carro particular nos grandes centros.

Quais seriam as consequências imediatas? (a) Pelo menos em São Paulo, sobrecarregar o transporte público, que hoje opera no limite de sua capacidade com vários milhões de passageiros adicionais por dia. E a frota adicional necessária? E a ampliação da área de cobertura geográfica? (b) Se ocorresse aumento da frota e cobertura, aumentaria o déficit operacional do transporte público municipal e estadual em vários bilhões de reais por ano, que seriam cobertos por subsídios públicos; menos recursos para saúde, educação, segurança e tudo o mais que governos devem retornar aos munícipes. Sim, porque num sistema (o de ônibus de São Paulo) em que a prefeitura tira de seu orçamento R$ 0,719 para cada R$ 3,00 vindos dos usuários, apenas 1.000 passageiros a mais por dia implicam na necessidade R$ 719,00 em subsídio por dia, ou R$ 262.435,00 por ano. Quem pagaria a conta dos milhões a mais? O contribuinte, indistintamente, pobres e ricos (pesando mais sobre os pobres), usuários ou não de transportes coletivos.

 

Ela deve melhorar a arrecadação da Prefeitura com o aumento das multas de trânsito e, assim, ajudar a pagar os subsídios às empresas de ônibus, que, com o congelamento da tarifa, devem atingir no próximo ano a impressionante quantia de R$ 1,65 bilhão [em 2013] ... Essa má vontade com o transporte individual prejudica a cidade. Não se discute a necessidade de dar prioridade ao transporte público e, no caso dos ônibus, de aumentar sua velocidade... No lugar de implantar, sem planejamento e a toque de caixa, as faixas exclusivas que servirão de cenários para os próximos programas eleitorais do PT na campanha para o governo do Estado, Haddad e Tatto deveriam adotar um plano capaz de harmonizar a utilização de carros com o transporte público, de acordo com as necessidades das várias regiões da cidade.

  É evidente que muitos carros atravancam o trânsito, eles ocupam demais o espaço das ruas por pessoa transportada. É evidente que o transporte coletivo deve ser priorizado. É evidente que no conflito atual o uso intensivo de carros deve (e pode) ser progressivamente desestimulado. Mas isso não pode ser feito de afogadilho, é preciso planejamento e implantação escalonada de ações corretas e concretas. Por outro lado, é bom não esquecer que no transporte individual é o indivíduo que arca com seus custos (sem considerar investimentos públicos em infraestrutura; esses sim devem se voltar prioritariamente para o transporte público). Custo de investimento em “material rodante”, “motoristas”, combustíveis, pneus, manutenção, seguros, depreciação e, ah, impostos e taxas. Somente sobre combustíveis incidem ICMS (até 25% para gasolina e álcool), Cide-combustíveis..., PIS, Cofins e imposto de importação. Fora IPVA, taxas de licenciamento e impostos sobre produtos (veículos e peças de manutenção). E sem considerar a arrecadação com multas... O transporte individual por automóveis já subsidia muito mais do que o transporte coletivo, “subsidia” boa fração da economia brasileira. Mas tem gente querendo matar a galinha que bota ovos de ouro.

 

Os finais:

É preciso, em suma, mais planejamento e menos demagogia.

 
Então o problema do transporte não tem solução?

Tem. Mais competência e menos populismo por parte dos políticos e administradores públicos.  

Pensando bem, esperar por isso no Brasil, hum... É, é bem possível que não haja solução.

 

Não sou dono da verdade, mas bom senso e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. A série de postagens que coloquei sobre o assunto (com pequena amostra acima) demonstram a meu ver o abismo existente entre o pensamento técnico e isento e as atitudes políticas irresponsáveis que flagelam o Brasil.  

 

 

10 de outubro de 2013

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Faces da tragédia urbana


 


Aconteceu em Mogi das Cruzes neste mês de setembro de 2013, mas poderia ter ocorrido em qualquer cidade do Brasil. Dois motoristas se perseguem numa avenida à noite. Batem. Um dos carros desgovernado invade a calçada, atropela oito jovens, dos quais seis morrem. Esse motorista é preso, o outro foge. Fatalidade? Irresponsabilidade?

Detalhes surgem apenas nesses acidentes com grande impacto emocional. Não culpo a imprensa, pois não é função da mídia reformar o país.

O motorista atropelador é pedreiro e dirigia um Monza. Preconceito meu? Não. Irresponsabilidades desse tipo são mais comuns nas classes mais altas. 

Esse motorista tinha sua CNH vencida há vinte anos. Alguém duvida que durante todos esses anos ele se absteve de dirigir quando teve oportunidade, em função de não estar legalmente habilitado? 

Conheci dezenas de casos semelhantes. Parentes, amigos, conhecidos, nenhum admitiu ter parado de dirigir por estar em condição ilegal. CNH vencida, CNH recolhida por excesso de pontos, documentação do veículo irregular, o que seja. O máximo que fazem é tomar um pouco mais de cuidado, o que geralmente significa evitar pegar estradas onde haja fiscalização com polícia rodoviária.  

Um repórter me pergunta se conheço qual é a fração de motoristas com CNH vencida ou recolhida que continua dirigindo. Minha resposta: sim, conheço, todos. “Mas a porcentagem?” Provavelmente 100%. “Há como comprovar?” Sim, mediante pesquisas de campo. “Elas existem?” Não. “Qual a razão desse comportamento? É a [má] índole do brasileiro?”

Não, absolutamente NÃO. Já disse e repito, o brasileiro não é pior nem melhor do que outros povos. A ÚNICA RAZÃO PARA ESSE DESCALABRO É A TOTAL E COMPLETA FALTA DE POLICIAMENTO DE TRÂNSITO NAS RUAS DAS CIDADES BRASILEIRAS. DISSE POLICIAMENTO E NÃO FISCALIZAÇÃO À DISTÂNCIA.

Em 25 de abril publiquei uma postagem, da qual reproduzo trecho em azul:

 
Como enfatizei diversas vezes, o maior problema de nosso “Sistema Nacional de Trânsito” é a inexistência na prática da verdadeira AUTORIDADE policial fiscalizando permanentemente o transito de modo amplo, contínuo e severo. Nas estradas há algum policiamento, mas muito longe do mínimo necessário para que possa ser realmente eficaz, por falta de efetivo, equipamentos e métodos de ação modernos (fora os entraves legais para uma ação policial mais contundente).

Daí vem a maior parte da sensação de impunidade que aquela fração de motoristas relapsos, displicentes, agressivos, afoitos, delinquentes e os que “não querem passar por trouxas” (agindo, portanto, do mesmo modo que os outros) têm. Na verdade creio que o problema é ainda pior. Sensação de impunidade subentende uma percepção consciente: “posso fazer o que bem entender porque ninguém vai me impedir, portanto faço e continuarei fazendo todas as barbaridades que quiser”. A impunidade no trânsito tem sido tamanha no Brasil, ao longo de tanto tempo, que se estabeleceu no subconsciente das pessoas. O futuro nos cobrará um alto preço por isso.

A outra parte vem do sistema legal - jurídico estupidamente leniente, traço praticamente incurável da cultura brasileira. Quase todas as semanas em algum lugar do Brasil alguém bêbado (às vezes sem habilitação), invade calçadas ou pontos de ônibus, atropelando, ferindo e matando pessoas. Levado à delegacia (onde se comprova a embriagues) paga R$ 1.500,00 de fiança e sai para responder processo por crime culposo em liberdade. No dia seguinte está dirigindo de novo. As autoridades fazem de conta que “com a carteira cassada” o trabalho está feito, o cidadão não vai mais pegar no volante. Pois sim...

 

Só nos resta esperar a próxima tragédia... e a próxima... e a próxima... e a próxima... e a próxima... e a próxima...

 

02 de outubro de 2013