segunda-feira, 15 de julho de 2013


Álcool, Drogas e Rock-And-Roll – na Direção


Acho que nunca apanhei tanto. Principalmente de amigos e parentes.

“Está louco? Qual o problema de tomar uma ou duas latinhas de cerveja e dirigir meia hora depois? Você nunca fez isso? Pra mim é a mesma coisa que tomar água...”.

Um primo chegado me telefona: “Você sabe que há quarenta anos eu bebo e dirijo e nunca me acidentei (não é bem verdade); quanto mais bebo, com mais cuidado dirijo depois, basta ter consciência. Como você pode defender essa história de álcool zero?”.

Minha resposta veio na forma de um trecho de uma canção da MPB:

“Se todos fossem iguais a você,

Que maravilha viver,”

Apesar dessa pancadaria não mudo uma vírgula minha opinião registrada na última postagem: álcool zero no corpo antes de segurar o volante e sair rodando.

 Ninguém duvida que mudar hábitos sociais arraigados é extremamente difícil, principalmente quando a sociedade não está plenamente consciente de que eles são problemáticos e causam severas perdas à própria sociedade.

Já ouvi alguém dizer que beber (sempre no sentido de bebidas alcoólicas, é claro) é mais antigo do que andar ereto. Pode ser verdade. Há vídeos divertidos mostrando animais selvagens ingerindo com evidente prazer frutas caídas que fermentam naturalmente, adquirindo certo teor alcoólico. Os bichos se fartam e saem trançando as pernas. Com drogas é a mesma coisa, acho que todos conhecem a história do pastor de cabras que descobriu como elas alteravam seu comportamento depois de comer frutinhas vermelhas de uma árvore que hoje se chama pé de café. Apreciar um estado mental alterado não é privilégio dos homens, talvez porque ele alivie temporariamente o stress gerado pela incessante luta pela sobrevivência. A arqueologia registra o consumo de álcool produzido pelas sociedades primitivas desde uns 10.000 anos antes de Cristo. Os portugueses se espantaram ao ver os “incivilizados” índios do Brasil alegres após tomar uma bebida fermentada que chamavam de cauim. Era fraquinha, daí os colonizadores passaram a fornecer aos índios uma forte bebida destilada chamada cachaça, o que os ajudou a conquistar o país mais facilmente.    

Álcool e acidentes se confundem há milênios. Nos transportes, marinheiros bêbados costumavam cair do alto das vergas, forçando com o tempo a criação de regras para o consumo, aperfeiçoadas pela disciplina naval das marinhas de guerra. Nas cidades, carroceiros alcoolizados espalhavam o terror.  

As coisas só pioraram quando, na era industrial, monstros de ferro começaram a rodar em velocidades mais altas do que cavalos a galope, conduzidos por pessoas alcoolizadas. As primeiras vítimas foram os trens, depois automóveis, ônibus e caminhões. As fábricas também sofriam, com muitos acidentes nas máquinas e baixa produtividade.

Mais uma vez pedindo desculpas a Thomas Kuhn por continuar banalizando sua famosa frase, já passou da hora de a humanidade “mudar de paradigma” quanto à interação álcool e veículos motorizados. A única saída correta é a tolerância zero, mesmo contra a esmagadora maioria da opinião pública – hoje.

Há poucas décadas não existiam cintos de segurança e as crianças viajavam alegres pulando soltas dentro do carro. Os pais não tinham consciência do perigo. O “paradigma” mudou. A questão da bebida também pode mudar, trata-se nada mais nada menos do que uma adaptação cultural. Difícil, mas tem de ser imposta. A fiscalização preventiva ideal exige a norma álcool zero.

Somente o fator álcool deve matar pelo menos 20.000 brasileiros, a maioria jovem, por ano e fere terrivelmente centenas de milhares. Isso tem de acabar. A individualidade tem de se adaptar ao mundo e não o contrário.

15 de julho de 2013

sábado, 13 de julho de 2013

A Justiça também quer dar sua contribuição à carnificina no trânsito? 2


 

É preciso voltar ao tema da última postagem.

Analisei brevemente decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que absolveu um motorista acusado do crime de dirigir sob a influência de álcool. Resumidamente a decisão do tribunal, como anunciado na imprensa, é: “Beber e dirigir só é crime se há perda de reflexos”. O tribunal se baseou na última modificação do Código de Trânsito Brasileiro introduzida pela lei federal 12.760/12, de dezembro de 2012. Essa interpretação pode se disseminar no Brasil, tornando inexequível a imputação do crime de trânsito “dirigir sob a influência de álcool” a motoristas que sejam autuados por essa qualificação.

Vale repetir a redação dos dois Artigos do CTB que tratam dessa questão, de acordo com a nova lei (por lógica inverti a sequência dos artigos):

Art. 306 [É crime] Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:

§ 1o As condutas previstas no caput serão constatadas por: 

I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou 

II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora. 

§ 2o  A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.  

§ “3o  O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.”

Art. 277 O condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência.  

§ 1o  (Revogado). 

§ 2o  A infração prevista no art. 165 também poderá ser caracterizada mediante imagem, vídeo, constatação de sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora ou produção de quaisquer outras provas em direito admitidas.

 

Tenho criticado nossos legisladores por sua tibieza, tendência a inventar complexidades inúteis e incapacidade de redigir leis objetivas. Em alguns assuntos, como na alcoolemia, objetividade é essencial.

Exemplo de subjetividade: o que significa capacidade psicomotora alterada? Ah, mas o CONTRAN vai definir... Definir o que não pode ser facilmente avaliado de modo objetivo?

Primeiramente vou fazer um contorno: tenho certa experiência pessoal nesse tema. Há milhares de estudos feitos ao redor do mundo, desde os anos 20 do século passado sobre, o efeito em condutores de veículos e operadores de máquinas, do álcool e de outras drogas, mas vou citar apenas algo de que participei: testes de “slalom”. Slalom significa fazer zig-zag entre obstáculos alinhados.

Participei da organização de dois ou três testes de slalom com carros em Interlagos, onde uma amostragem representativa de motoristas por sexo e por idade se submeteram ao procedimento. Todos se achavam excelentes motoristas. Inicialmente depois de uma refeição leve e sem nenhum álcool no corpo, esses motoristas deviam dirigir num percurso em zig-zag, ida e volta, entre cones dispostos em distâncias regulares, no menor tempo possível e sem derrubar nenhum cone. Eles faziam três percursos iniciais para treinamento. Menor o tempo, maior a pontuação, e cada cone derrubado subtraia boa pontuação. Valia mais um tempo menor do que derrubar um cone sequer.

Depois do “treinamento” havia cinco fases. A primeira era uma repetição do treinamento, três percursos ida e volta sem bebida. A partir da segunda, os motoristas bebiam certa quantidade de álcool antes do teste, calculada de acordo com o sexo, idade e peso, embora o objetivo principal do teste não fosse comparar indivíduos. Passado o tempo para a absorção do álcool no sangue eram realizadas as três repetições do percurso. Nenhum resultado não era informado aos participantes até o final dos testes. Ninguém via os testes dos outros.  

Antes de conhecer os resultados, a percepção geral era que na segunda e até na terceira etapa a pontuação havia aumentado em relação à primeira, a sóbria. Para as seguintes, eles admitiam (com exceções) “pequenas perdas” na pontuação.

 Ao serem confrontados com a realidade, porém, o espanto era geral. Já a partir da primeira fase alcoólica, com pequena concentração de etanol no sangue (não guardei registros, portanto não me lembro dos valores estimados) a velocidade aumentava e alguns cones eram derrubados, portanto a pontuação caia. Mas os pilotos tinham a nítida sensação de que haviam executado aquela fase melhor, pois estavam "mais aptos, mais espertos, com reflexos mais rápidos". E os resultados das outras fases eram muito, mas muito mesmo piores do que eles imaginavam ter conseguido realizar.

Evidentemente, alterações na capacidade psicomotora já ocorrem com baixa concentração de álcool no sangue, mas o que esses testes indicam é que, bem mais sério do que a diminuição dos reflexos é a falsa e perigosa percepção de aumento na aptidão e consequente aumento de autoconfiança! O resultado real era uma condução mais veloz e menos segura. O álcool, mesmo em pequenas quantidades, libera os freios mentais. Causa dois efeitos prejudiciais que se potencializam.

Mais um adendo: atualmente testes como esse podem ser executados segura e facilmente em simuladores de direção. Os resultados que citei são invariavelmente confirmados.  

Depois desse desvio, posso retornar à nova lei e afirmar que ela foi um retrocesso.

Nos países desenvolvidos o problema da condução de veículos sob o efeito do álcool vem sendo atacado desde o início da indústria automobilística, notavelmente na Inglaterra. Historicamente, o estado do condutor era estabelecido a partir de sintomas avaliáveis pela autoridade, tais como dificuldade em permanecer parado ereto sem balançar, fala enrolada, incapacidade de caminhar em linha reta, hálito e outros. Como essas avaliações são subjetivas, antes da metade do século iniciou-se uma tendência de substituí-las por testes objetivos, sendo o mais antigo e ainda preciso a dosagem química do teor de álcool no sangue.

Testes em amostras de sangue eram demorados e não se prestavam para efeitos de fiscalizações preventivas em larga escala. O avanço da tecnologia propiciou a invenção de vários métodos quantitativos de avaliação da presença de álcool no ar expirado, havendo certa correlação linear entre essa forma de medida e o teor de álcool no sangue. Esses testes, em conjunto, suplantaram (novamente, nos países desenvolvidos) gradualmente as avaliações subjetivas e depois foram conjugados com limites máximos definidos em lei. Testes preventivos em larga escala, totalmente aleatórios, passaram a ser feitos pela polícia, detectando e punindo (de várias formas) severamente milhões de motoristas alcoolizados. O Japão criou prisões especiais para crimes de trânsito. Nos Estados Unidos até hoje milhões de motoristas são fiscalizados todos os anos. Na Alemanha, a qualquer momento e em qualquer lugar, os motoristas podem se deparar com um posto móvel de fiscalização de alcoolemia, contando com dezenas de bafômetros portáteis e uma Van equipada com instrumentos modernos e precisos para medição de álcool, onde as contraprovas são feitas na hora. A tal questão “ninguém pode ser obrigado a gerar prova contra si próprio”, de alguma forma não é obstáculo onde o problema dirigir alcoolizado é levado a sério. Nesses países a lei e o sistema trânsito preferem tirar motoristas bêbados das ruas e puni-los de forma exemplar a esperar que eles matem para depois tentar processá-los. O exemplo por efeito cascata das punições é impressionante.  

Pelo que descrevi, acho que ficou claro que no Brasil caminhamos no sentido contrário.

Portanto, o que precisa ficar claro é que uma “lei seca” para o trânsito deve ter objetivo primordialmente PREVENTIVO. O que governo e sociedade devem entender é que o mais importante é EVITAR acidentes. Claro, é importante definir claramente responsabilidades em casos de acidentes com vítimas, mas (raciocinando pelos extremos) se não houver acidente não haverá vítima. Estima-se que em 20% a 40% dos acidentes que ocorrem no Brasil algum motorista estava alcoolizado.

Cabe então uma pergunta, num país ainda altamente imaturo em matéria de trânsito (legislação, fiscalização e justiça): o que significa “dirigir alcoolizado”? Creio que para a segurança no trânsito foi um erro monstruoso definir, como o fez a lei 12.760/12, que a “constatação de sinais que indiquem... alteração da capacidade psicomotora” é crime. O que a lei deveria definir como infração e crime é Conduzir veículo automotor após a ingestão de bebida alcoólica”. Ponto.

As vantagens desse critério seriam enormes. Por exemplo, se uma autoridade policial presenciasse alguém bebendo (num restaurante, bar, ou qualquer lugar público) tomando depois a direção de um veículo, poderia solicitar (ou fazer ele mesmo) a interceptação e em seguida autuá-lo baseado em sua fé pública, sem a necessidade de teste algum. A infração / crime estaria caracterizada pelo fato de o condutor estar dirigindo após ter ingerido bebida alcoólica e não por estar dirigindo com capacidade psicomotora alterada. A diferença é enorme e positiva, embora possa não agradar muitos.

Esse critério não é novidade. Em alguns Estados dos EEUU basta um policial encontrar embalagens de bebidas alcoólicas abertas (melhor dizendo, com tampa ou lacre já abertos) dentro do veículo, para que o motorista seja indiciado.

Mas e a caracterização de que, se alguém sendo fiscalizado tomou ou não bebida alcoólica, como fazer isso? Para tanto sinto muito, defendo inapelavelmente o conceito moderno, a prova objetiva, mediante testes químicos. Deve haver, por certo, limites máximos por tipo de teste apenas para o efeito de se evitar falsos positivos, o que deve estar explícito na lei. Todos os testes possuem margem de variação ou erro. No caso da medição do teor de álcool, os bafômetros, especialmente, são sujeitos a uma gama de influências que podem levar ao falso positivo, isto é, acusar certo nível de álcool no ar expelido sem que a pessoa o tenha ingerido (o diabetes é um exemplo). Para isso e somente para isso deve haver limites de erro e não de teor de álcool. Aliás, com o critério de ingestão zero de álcool antes de dirigir, esses limites nem deveriam constar da lei, pois variam amplamente conforme o tipo de teste, instrumento e condições de análise. Esses detalhes seriam relegados ao CONTRAN.

Mas, e a história de não ser legal forçar alguém a executar testes objetivos? Cabe aos legisladores, em conjunto com a justiça, encontrar uma saída. Culturas não estão esculpidas em pedra.

13 de julho de 2013

quinta-feira, 11 de julho de 2013

A Justiça também quer contribuir para a carnificina no trânsito?


 

Está nos jornais de hoje, 11 de julho de 2013:


“Beber e dirigir só é crime se há perda de reflexos”.

Copio parte da reportagem de O Estado de São Paulo, assinada por Luciano Bottini Filho:

“O motorista que bebeu álcool só comete crime de trânsito se há provas de que seus reflexos foram alterados, segundo decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS)”.

Kafka teria se enforcado se soubesse disso. Realmente, não vivemos num país sério. Ou há incompetência total do Congresso em saber como redigir uma lei, o que não seria de se estranhar, uma vez que o país vem paulatinamente abandonando o uso e o entendimento da língua portuguesa, ou deu a louca na Justiça. E olha que não foi um juiz de primeira instância, foi um tribunal que interpretou os termos da nova lei seca.

A primeira lei seca, complementar ao CTB original, diziam os políticos, ficou inviabilizada. Promulgada em 2008, tinha o objetivo de reduzir os acidentes provocados por motoristas embriagados, já que o CTB original era leniente e incompleto quanto ao ato de dirigir bêbado. A lei de 2008 endureceu preceitos e punições. Entretanto, não pegou. Foi dito que ela mudou a definição do que é embriaguez, passando a exigir para se comprovar esse estado que o condutor fosse submetido a exames de bafômetro ou sangue. Daí viria a bagunça, porque há um preceito legal de que ninguém pode ser obrigado produzir provas contra si mesmo. Será que os congressistas não sabiam disso? Se não sabiam como podem ser congressistas? Ou será que tudo não passou de embromação?

Intervalo:

Aliás, o que é “alcoolizado” para os motoristas? Essa é uma das perguntas que incluí em minhas “pesquisas particulares não científicas”. Dirigindo por estradas Brasil à fora encontramos outdoors com os dizeres: “DIRIGIR ALCOOLIZADO  É CRIME”. Foi isso que me motivou a fazer a “pesquisa”. Como será que as pessoas entendem essa mensagem? Perguntei por um bom tempo a centenas de pessoas, homens e mulheres, todos motoristas: para você, o que significa dirigir alcoolizado? Quase todas as respostas foram idênticas, para caracterizar uma infração, dirigir alcoolizado significa que o indivíduo está completamente bêbado, nas últimas, vendo quádruplo, com capacidade quase nula de percepção e reação. Para a grande maioria de meus entrevistados, estar “um pouco alto” não é embriagues e não tem nada de mais. Quanto mais jovem a pessoa mais convicta é essa percepção.

Voltando à vaca fria, o Congresso decidiu promulgar nova lei que em tese eliminaria obstáculos jurídicos que alegadamente impediam a aplicação eficaz da primeira. A lei 12.760/12 foi promulgada no final de 2012, alterando, como a anterior, artigos do CTB. Sua finalidade principal, conforme amplamente divulgado, era admitir provas alternativas de alcoolemia que não ferissem o preceito de “o suspeito não pode ser obrigado a produzir provas contra si mesmo”.

Será que deputados e senadores pisaram no tomate mais uma vez?

Parece que a celeuma está nas alterações do Artigo 277 e 306 do CTB, que pertencem ao capítulo dos crimes de trânsito. Por artigo, mostro a redação antes e o da nova lei, em azul o que foi removido e em vermelho o que foi acrescentado:

Redação do CTB, conforme modificado pela lei de 2008:

Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.

(Redação dada pela Lei nº 11.275, de 2006)

§ 1o Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 11.275, de 2006) – Revogado pela nova lei.

§ 2o A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada, pelo agente de trânsito, mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, apresentados pelo condutor. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 19.06.2008)

 
Redação atual do CTB, conforme modificado pela lei de 2012:

Art. 277 O condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência.  

§ 1o  (Revogado). 

§ 2o  A infração prevista no art. 165 também poderá ser caracterizada mediante imagem, vídeo, constatação de sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora ou produção de quaisquer outras provas em direito admitidas.

 

Para os não juristas isso é um Samba do Crioulo Doido. A lei de 2008, em seu inciso § 2º já previa a possibilidade de obtenção de outras provas em direito admitidas! Por que essa abertura nunca foi explorada? Precisava mesmo outra lei?

Vamos a outras comparações:

Redação 2008: condutor... sob suspeita de dirigir alcoolizado será submetido a testes...

Redação 2012: condutor ... que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste...

Conclusão: passou-se de um critério mais objetivo para outro mais subjetivo. Talvez os congressistas tenham percebido que não há capacidade de fiscalização no país para garantir o será.

Comparação dos § 2o: A alteração mais notável na redação da lei de 2012 em relação à anterior é que a infração descrita no Artigo 165 (dirigir sob a influência de álcool, etc.) também poderá ser caracterizada mediante imagem, vídeo,... que indiquem... alteração da capacidade psicomotora!

Aí está o X da questão. Como se caracteriza alteração da capacidade psicomotora? O que isso quer dizer? Há uma capacidade psicomotora padrão aplicável a qualquer pessoa sóbria ou há variações entre pessoas? E essa alteração tem de ser caracterizada sem que o cidadão seja forçado a realizar testes que produzam provas contra ele mesmo. Como sair desse imbróglio?

Este é um grande problema de nossos legisladores, complicam demasiadamente as coisas, principalmente aquelas que eles pensam que entendem. Para encerrar, mostro mais uma complicação adicionada pela lei 12.760/12. Ela modificou também o Artigo 306 do CTB, que define como crime: Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 19.06.2008)

A modificação manteve a concentração de álcool no sangue, mas acrescentou uma medida equivalente alternativa: concentração máxima de 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar, aplicável a testes com bafômetro. Até aí nada de mais. O problema surgiu quando a lei acrescentou que a conduta criminosa “Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência” é constatada (pelas medidas citadas ou): “II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora”. Novamente surge a tal ALTERAÇÃO DA CAPACIDADE PSICOMOTORA.

Precisava isso? Os legisladores complicam tanto, criam tantas zonas cinza, que parece até proposital. Mais complicações, mais interpretações judiciais, mais ações, mais trabalho para membros do sistema judiciário. Para mim, parece que o TJ-RS está certo. Se a autoridade não comprovar que o condutor fiscalizado estava com suas capacidades psicomotoras alteradas tecnicamente ele não cometeu um crime.  

Resultado final: a lei seca segundo a nova lei pode continuar sem efeito prático. Outras ações judiciais se seguirão em outros estados. Juízes e Tribunais poderão ter visões diferentes. Algum caso pode subir até o STJ, o qual não emite súmula vinculante. Anos, talvez décadas se passarão antes que dirigir com álcool no corpo (não importando a quantidade) seja crime inconteste no Brasil, como parece que os legisladores queriam impor. Mas sem saber como.

11/07/2013

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Festival de CPI(s)


Festival de CPI(s)


De repente a moda é CPI. Por todo o Brasil vereadores têm apresentado requerimentos para a instalação de CPI(s) visando “abrir a caixa preta dos contratos com empresas de ônibus”. Caramba, só agora?

O que pode eventualmente resultar de concreto desse surto de patriotismo desinteressado dos edis brasileiros? Eles que sempre contaram com fartas contribuições legais ou não, voluntárias ou achacadas, para Caixa 1, Caixa 2 e Caixa 3 pessoal e dos partidos? Boa coisa não será. Remember Santo André e Celso Daniel.

Provavelmente aqui e ali margens de lucro serão apertadas (não tenho nada contra o lucro, pelo contrário, desde que honesto). Temporariamente. Ao invés de melhorar, a qualidade do transporte vai piorar ainda mais. Se apertados, os empresários vão economizar onde o retorno é imediato: MANUTENÇÃO. No lugar de peças de segunda linha (como é hoje), peças de terceira ou quarta linha. Sistemas de segurança serão ainda mais comprometidos. Freios, direção, suspensão, iluminação e outros. Renovações de frota serão adiadas. Contem com mais acidentes e mais ônibus quebrando nas ruas...   

Alguns municípios podem vir a estatizar o sistema de transporte sobre pneus, ao exemplo de como era São Paulo com a famigerada CMTC. Quem se importa? Quem se lembra a CMTC tinha uns vinte funcionários (entre ativos e inativos) por ônibus contabilizado na frota – embora metade não rodasse por dia, parados nas garagens sempre “em manutenção” – contra quatro ou cinco funcionários em empresas privadas? Frota velha, remendada, mal conservada, canibalizada pela falta de peças. Todos os carros trafegando bem mais superlotados do que o que se vê atualmente e quebrando a três por dois, atravancando o trânsito de então, que não era tão problemático como o de hoje. A estatização é assim, de início parece funcionar bem, mas depois de alguns anos de inevitáveis gestões políticas...

Estou defendendo os empresários? Não. O que não defendo são os contratos mal elaborados e maliciosos, que propiciam desvios de conduta que resultam em serviços ruins em relação ao que foi teoricamente contratado. E ataco fortemente a conivência das autoridades com os desvios de conduta – espertezas – perfeitamente fiscalizáveis que os empresários cometem a fim de inflar seu faturamento “oculto”.

Provavelmente o órgão gestor do transporte público municipal por ônibus mais bem organizado e competente no país é a SPTRANS, de São Paulo (como o nome indica). Mesmo ele não consegue coibir a maioria dos abusos, apesar das dezenas de milhares de multas que emite por ano contra as empresas e consórcios que operam o transporte na cidade. Por quê? Porque ao empresário compensa mais pagar as multas do que adequar seus processos ao contratado. Essa prática virou norma no Brasil em quase todas as grandes empresas de serviços: telefonia, energia, bancos, o que seja. Multas e indenizações não tiram o sono de executivos e empresários.  

Aguardo com certa ansiedade o resultado dessas CPI(s) pós-movimentos de protesto nas ruas. Elas não vão acabar em pizza não. Acabarão sim em pratos ruins e indigestos. Ao contribuinte restará pagar a conta.  

04/07/2013