É possível baixar significativamente o custo do transporte coletivo por ônibus nas grandes cidades brasileiras e paralelamente melhorar sua qualidade? Bem, possível sempre é, mas há compromissos a serem cuidadosamente estudados.
Nos últimos anos, ao invés de
diminuir, os custos vem aumentando, em função de vários fatores resultantes de
gestão deficiente e fracamente sistêmica dos sistemas operativos, sendo os
principais: (a) diminuição progressiva da velocidade média de circulação nos grandes
centros (trânsito cada vez pior); (b) má gestão das linhas; (c) aumentos de
custos generalizados que têm ocorrido no Brasil, alta inflação; (d) ampliação das gratuidades em
vários centros urbanos (nesse caso eu me limito a registrar o fato, sem
entrar no mérito da questão social das tarifas). Na verdade o fator (d) não
aumenta o custo do transporte, mas leva à necessidade de o poder público
aumentar o volume de subsídios quando a arrecadação tarifária é menor do que os
custos operacionais. Cada um desses fatores pode ser decomposto em vários
outros, que por sua vez podem ser decompostos... O sistema é complexo.
Como expliquei em postagens
anteriores, não creio que o xis do problema do alto preço das passagens perante
a baixa renda dos usuários esteja somente na estrutura de custos das empresas
concessionárias ou permissionários. Acredito principalmente que os sistemas
de arrecadação devam ser cuidadosamente revistos, a fim de verificar a
potencial ocorrência de evasões ou “arrecadação não contabilizada”, o célebre Caixa
Dois, principalmente onde não existe arrecadação eletrônica.
Bem, então a primeira conclusão é
que a fator mais importante para diminuir custos é aumentar a produtividade.
Como?
1) Aumentando
a velocidade média de circulação dos ônibus. Caso a velocidade dobre, em
condições ideais a mesma frota pode transportar o dobro de passageiros (mas de
nada adianta os ônibus chegaram mais rapidamente ao ponto final para ficarem
parados por mais tempo). Simples de falar, mas não tão simples de realizar. Essa
questão depende da gestão sistêmica do trânsito como um todo e de investimentos
pesados em verdadeiros corredores de ônibus (conforme já expliquei, o emprego
descontrolado de faixas exclusivas pode resultar num tiro pela culatra, a menos
de em longas avenidas). Faixa exclusiva não é o único modo de se dar maior
prioridade à circulação de ônibus. Há outros que devem ser explorados, o que
exige mais recursos e competência técnica em gestão de trânsito e planejamento
de transporte por parte das prefeituras.
2) Aperfeiçoando
continuamente a gestão do sistema “transporte coletivo por ônibus”. Quem
deve comandar o processo de cabo a rabo é o poder público e não as empresas
concessionárias ou permissionários. Essa questão é altamente complexa e muitas
prefeituras não têm capacidade de gerir o sistema com eficiência. Nas regiões
metropolitanas os problemas são ainda maiores.
Citando algumas poucas variáveis é necessário se pesquisar e conhecer
muito bem as demandas, fazer projeções futuras precisas, definir linhas para
máxima eficiência, em quantidade e trajetos, especificar veículos de acordo com
as densidades de tráfego e características dos trajetos, executar a integração
entre diversos modais (quando existentes), e vai por aí afora.
3) Aperfeiçoando
continuamente a malha viária por onde circulam ônibus. Parece bobagem, mas não
é. Como os grandes centros cresceram (e continuam crescendo) sem planejamento
adequado de coisa alguma, a circulação eficiente de ônibus fica altamente
prejudicada, principalmente nas periferias. Ruas estreitas, mal pavimentadas,
cheias de interferências, não alinhadas, valetas, lombadas, curvas fechadas (que
veículos longos não conseguem contornar), estacionamento indiscriminado, péssima
conexão entre bairros e pior ainda entre municípios de uma região metropolitana,
etc., etc.
4) Nas
regiões metropolitanas, adotar gestão metropolitana centrada e integrada dos
transportes coletivos. Seria importantíssimo, mas no Brasil isso ainda é
sonho (ou pesadelo), pois os governos municipais não largam o osso de jeito
nenhum. O poder pelo poder é mais importante do que o bem estar da população. Município
é uma questão histórica, quando cidades crescem e se unem que sentido faz em manter
“fronteiras” que não passam de ruas? Em algumas regiões metropolitanas existem
quebra-galhos, pois a verdadeira autoridade metropolitana inexiste em nosso
sistema político. Isso vale para tudo, mas em transporte cito São Paulo como
exemplo, onde cada município da área metropolitana possui sua própria
secretaria de transportes com uma agência ou departamento para gerir o
transporte sobre pneus do município (caso da SPTrans na capital); mas
que dispõe de órgãos estaduais como a EMTU (Empresa Metropolitana de
Transportes Urbanos) para gerir linhas intermunicipais de ônibus nas regiões metropolitanas
do Estado, CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) para gerir as
linhas de trens de passageiros intermunicipais (no que sobrou das antigas vias
férreas) e Companhia do Metropolitano de São Paulo, para gerir as linhas de
Metrô (as quais, por enquanto, abrangem apenas a capital, havendo, porém
planejamento de ligações intermunicipais). Seria preciso integrar perfeitamente
tudo isso, planejar integradamente, operar integradamente, mas o que se sabe é
que as relações entre Estado e Municípios variam ao sabor da política do
momento. As integrações são feitas na base de “convênios”, paridos a fórceps e
que nunca representam o sistema operativo mais eficiente possível.
5) Melhorias
de produtividade nas empresas individualmente. Possível é, mas provavelmente
com alcance limitado em comparação com o que se poderia obter caso os quatro
pontos acima fossem bem aplicados. Modernização da frota aumenta a
produtividade (mais comentários adiante).
Mas além do aumento da
produtividade há outros pontos importantes a serem lembrados. O item (c) é um
deles.
É inacreditável que no Brasil as
três esferas do poder executivo, historicamente, sempre tentaram sugar o máximo
em impostos e taxas, diretos e indiretos, evidentes e dissimulados, sobre
produtos e atividades de altíssima relevância social, seja na cadeia de
produção, seja na distribuição. É o país servindo o aparato oficial, o rabo
abanando o cachorro. Impostos elevadíssimos sobre alimentos básicos, medicamentos,
atividades relativas à saúde, educação e muitas outras sofrem com essa absurda
mentalidade. O transporte coletivo está entre as atividades bem taxadas e só
agora algumas reduções estão sendo concedidas, como a isenção federal do
PIS/COFINS (herança da era dos militares) para algumas empresas de transporte
coletivo (para trens e metrô somente em 2014). A primeira providência a tomar
seria eliminar impostos e taxas incidentes sobre o transporte coletivo. Por
exemplo, o que se esconde dentro da rubrica “custos administrativos” na
contabilidade das empresas de ônibus (que pode variar, conforme o critério, de 5%
a 15%)? Taxa de bombeiros, taxa disso, taxa daquilo, IPTU sobre terreno e áreas
cobertas de garagens, ISS, custos de contabilidade de regras fiscais
paranoicas, o diabo. “Ah, mas não é possível fazer mais desonerações”. O
escambau! Governos podem e devem encontrar o equilíbrio fiscal eliminando
custeios que não deveriam existir!
O item mais importante da lista
são as onerações sobre a mão de obra, pois conforme o modal, custos de mão de
obra contribuem com ~40% até ~70% dos custos totais do transporte
coletivo. Como disse, alguma coisa foi feita às pressas depois das
manifestações, mas há muito mais para se fazer.
Depois vem o custo de rodagem,
cuja parte do leão é o diesel, seguido de pneus e depois por manutenção. Se
você possui um carrão SUV diesel importado de US$ 200 mil paga na bomba o mesmo
preço que paga um humilde caminhoneiro. É correto?
A desoneração do diesel destinado
ao transporte coletivo deveria começar pelos impostos, incluindo o ICMS
estadual. E poderia eventualmente contar com um subsídio REAL sobre o custo de
produção ou importação, a ser concedido não pela Petrobras. Por quem?
Discuta-se. Sei que a coisa é complicada, subsídios podem provocar distorções e
existe sempre um risco de ocorrer desvios para o mercado negro. Apesar desse risco, compensa estudar
alternativas de fornecimento direto quando se trata de abastecer frotas e
consórcios, muitas grandes, contando com tancagem em seus pátios e garagens. Sobre
os pneus deve haver no mínimo uma desoneração de impostos na cadeia produtiva e
vendas. Pneus são caros e não deveriam ser sobreutilizados por
questões de segurança, mas são.
Por último cito os investimentos
em ônibus novos. Se o BNDES emprestou dezenas de bilhões para o Grupo X, não
pode emprestar alguns bilhões por ano para acelerar e manter a renovação da
frota Brasil afora sem visar lucro financeiro? Banco do Brasil e Caixa
Econômica Federal não podem fazer o mesmo, nos moldes em que financiam
programas como “Minha Casa Minha Vida? E, em paralelo, por que não se desonera
os impostos incidentes sobre a cadeia produtiva e vendas de ônibus urbanos? Com
essas medidas os custos de renovação das frotas pode cair significativamente,
desconfio que até em uns 50%. E o tempo máximo de uso pode e deve ser diminuído
para uns seis ou sete anos nos grandes centros. Sabemos que ao fim da vida
contratada os frotistas vendem os ônibus usados para cidades do interior, onde
são usados mais vinte, trinta anos, até mesmo em transporte escolar rural, um
absurdo. Isso tem que acabar por lei. Por que moradores do interior têm
que se sujeitar ao transporte em sucatas ambulantes, inconfortáveis, superlotadas
e perigosas?
Bem, acho que ficou claro que é
possível diminuir os custos do transporte coletivo urbano por ônibus sem
prejudicar a qualidade, pelo contrário. Mas isso não ser fará com retórica e
CPIs políticas.
Na próxima postagem falo sobre o
transporte individual nas cidades.
28/08/2013