quarta-feira, 28 de agosto de 2013

A mobilidade urbana no Brasil: sonho ou pesadelo?


 

 

 

É possível baixar significativamente o custo do transporte coletivo por ônibus nas grandes cidades brasileiras e paralelamente melhorar sua qualidade? Bem, possível sempre é, mas há compromissos a serem cuidadosamente estudados.
Nos últimos anos, ao invés de diminuir, os custos vem aumentando, em função de vários fatores resultantes de gestão deficiente e fracamente sistêmica dos sistemas operativos, sendo os principais: (a) diminuição progressiva da velocidade média de circulação nos grandes centros (trânsito cada vez pior); (b) má gestão das linhas; (c) aumentos de custos generalizados que têm ocorrido no Brasil, alta inflação; (d) ampliação das gratuidades em vários centros urbanos (nesse caso eu me limito a registrar o fato, sem entrar no mérito da questão social das tarifas). Na verdade o fator (d) não aumenta o custo do transporte, mas leva à necessidade de o poder público aumentar o volume de subsídios quando a arrecadação tarifária é menor do que os custos operacionais. Cada um desses fatores pode ser decomposto em vários outros, que por sua vez podem ser decompostos... O sistema é complexo.

Como expliquei em postagens anteriores, não creio que o xis do problema do alto preço das passagens perante a baixa renda dos usuários esteja somente na estrutura de custos das empresas concessionárias ou permissionários. Acredito principalmente que os sistemas de arrecadação devam ser cuidadosamente revistos, a fim de verificar a potencial ocorrência de evasões ou “arrecadação não contabilizada”, o célebre Caixa Dois, principalmente onde não existe arrecadação eletrônica.     

Bem, então a primeira conclusão é que a fator mais importante para diminuir custos é aumentar a produtividade. Como?

1)      Aumentando a velocidade média de circulação dos ônibus. Caso a velocidade dobre, em condições ideais a mesma frota pode transportar o dobro de passageiros (mas de nada adianta os ônibus chegaram mais rapidamente ao ponto final para ficarem parados por mais tempo). Simples de falar, mas não tão simples de realizar. Essa questão depende da gestão sistêmica do trânsito como um todo e de investimentos pesados em verdadeiros corredores de ônibus (conforme já expliquei, o emprego descontrolado de faixas exclusivas pode resultar num tiro pela culatra, a menos de em longas avenidas). Faixa exclusiva não é o único modo de se dar maior prioridade à circulação de ônibus. Há outros que devem ser explorados, o que exige mais recursos e competência técnica em gestão de trânsito e planejamento de transporte por parte das prefeituras.   

2)      Aperfeiçoando continuamente a gestão do sistema “transporte coletivo por ônibus”. Quem deve comandar o processo de cabo a rabo é o poder público e não as empresas concessionárias ou permissionários. Essa questão é altamente complexa e muitas prefeituras não têm capacidade de gerir o sistema com eficiência. Nas regiões metropolitanas os problemas são ainda maiores.  Citando algumas poucas variáveis é necessário se pesquisar e conhecer muito bem as demandas, fazer projeções futuras precisas, definir linhas para máxima eficiência, em quantidade e trajetos, especificar veículos de acordo com as densidades de tráfego e características dos trajetos, executar a integração entre diversos modais (quando existentes), e vai por aí afora.

3)      Aperfeiçoando continuamente a malha viária por onde circulam ônibus. Parece bobagem, mas não é. Como os grandes centros cresceram (e continuam crescendo) sem planejamento adequado de coisa alguma, a circulação eficiente de ônibus fica altamente prejudicada, principalmente nas periferias. Ruas estreitas, mal pavimentadas, cheias de interferências, não alinhadas, valetas, lombadas, curvas fechadas (que veículos longos não conseguem contornar), estacionamento indiscriminado, péssima conexão entre bairros e pior ainda entre municípios de uma região metropolitana, etc., etc.

4)      Nas regiões metropolitanas, adotar gestão metropolitana centrada e integrada dos transportes coletivos. Seria importantíssimo, mas no Brasil isso ainda é sonho (ou pesadelo), pois os governos municipais não largam o osso de jeito nenhum. O poder pelo poder é mais importante do que o bem estar da população. Município é uma questão histórica, quando cidades crescem e se unem que sentido faz em manter “fronteiras” que não passam de ruas? Em algumas regiões metropolitanas existem quebra-galhos, pois a verdadeira autoridade metropolitana inexiste em nosso sistema político. Isso vale para tudo, mas em transporte cito São Paulo como exemplo, onde cada município da área metropolitana possui sua própria secretaria de transportes com uma agência ou departamento para gerir o transporte sobre pneus do município (caso da SPTrans na capital); mas que dispõe de órgãos estaduais como a EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos) para gerir linhas intermunicipais de ônibus nas regiões metropolitanas do Estado, CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) para gerir as linhas de trens de passageiros intermunicipais (no que sobrou das antigas vias férreas) e Companhia do Metropolitano de São Paulo, para gerir as linhas de Metrô (as quais, por enquanto, abrangem apenas a capital, havendo, porém planejamento de ligações intermunicipais). Seria preciso integrar perfeitamente tudo isso, planejar integradamente, operar integradamente, mas o que se sabe é que as relações entre Estado e Municípios variam ao sabor da política do momento. As integrações são feitas na base de “convênios”, paridos a fórceps e que nunca representam o sistema operativo mais eficiente possível.

5)      Melhorias de produtividade nas empresas individualmente. Possível é, mas provavelmente com alcance limitado em comparação com o que se poderia obter caso os quatro pontos acima fossem bem aplicados. Modernização da frota aumenta a produtividade (mais comentários adiante).

 

Mas além do aumento da produtividade há outros pontos importantes a serem lembrados. O item (c) é um deles.

É inacreditável que no Brasil as três esferas do poder executivo, historicamente, sempre tentaram sugar o máximo em impostos e taxas, diretos e indiretos, evidentes e dissimulados, sobre produtos e atividades de altíssima relevância social, seja na cadeia de produção, seja na distribuição. É o país servindo o aparato oficial, o rabo abanando o cachorro. Impostos elevadíssimos sobre alimentos básicos, medicamentos, atividades relativas à saúde, educação e muitas outras sofrem com essa absurda mentalidade. O transporte coletivo está entre as atividades bem taxadas e só agora algumas reduções estão sendo concedidas, como a isenção federal do PIS/COFINS (herança da era dos militares) para algumas empresas de transporte coletivo (para trens e metrô somente em 2014). A primeira providência a tomar seria eliminar impostos e taxas incidentes sobre o transporte coletivo. Por exemplo, o que se esconde dentro da rubrica “custos administrativos” na contabilidade das empresas de ônibus (que pode variar, conforme o critério, de 5% a 15%)? Taxa de bombeiros, taxa disso, taxa daquilo, IPTU sobre terreno e áreas cobertas de garagens, ISS, custos de contabilidade de regras fiscais paranoicas, o diabo. “Ah, mas não é possível fazer mais desonerações”. O escambau! Governos podem e devem encontrar o equilíbrio fiscal eliminando custeios que não deveriam existir!

O item mais importante da lista são as onerações sobre a mão de obra, pois conforme o modal, custos de mão de obra contribuem com ~40% até ~70% dos custos totais do transporte coletivo. Como disse, alguma coisa foi feita às pressas depois das manifestações, mas há muito mais para se fazer.

Depois vem o custo de rodagem, cuja parte do leão é o diesel, seguido de pneus e depois por manutenção. Se você possui um carrão SUV diesel importado de US$ 200 mil paga na bomba o mesmo preço que paga um humilde caminhoneiro. É correto?

A desoneração do diesel destinado ao transporte coletivo deveria começar pelos impostos, incluindo o ICMS estadual. E poderia eventualmente contar com um subsídio REAL sobre o custo de produção ou importação, a ser concedido não pela Petrobras. Por quem? Discuta-se. Sei que a coisa é complicada, subsídios podem provocar distorções e existe sempre um risco de ocorrer desvios para o mercado negro.  Apesar desse risco, compensa estudar alternativas de fornecimento direto quando se trata de abastecer frotas e consórcios, muitas grandes, contando com tancagem em seus pátios e garagens. Sobre os pneus deve haver no mínimo uma desoneração de impostos na cadeia produtiva e vendas. Pneus são caros e não deveriam ser  sobreutilizados por questões de segurança, mas são.

Por último cito os investimentos em ônibus novos. Se o BNDES emprestou dezenas de bilhões para o Grupo X, não pode emprestar alguns bilhões por ano para acelerar e manter a renovação da frota Brasil afora sem visar lucro financeiro? Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal não podem fazer o mesmo, nos moldes em que financiam programas como “Minha Casa Minha Vida? E, em paralelo, por que não se desonera os impostos incidentes sobre a cadeia produtiva e vendas de ônibus urbanos? Com essas medidas os custos de renovação das frotas pode cair significativamente, desconfio que até em uns 50%. E o tempo máximo de uso pode e deve ser diminuído para uns seis ou sete anos nos grandes centros. Sabemos que ao fim da vida contratada os frotistas vendem os ônibus usados para cidades do interior, onde são usados mais vinte, trinta anos, até mesmo em transporte escolar rural, um absurdo. Isso tem que acabar por lei. Por que moradores do interior têm que se sujeitar ao transporte em sucatas ambulantes, inconfortáveis, superlotadas e perigosas?  

Bem, acho que ficou claro que é possível diminuir os custos do transporte coletivo urbano por ônibus sem prejudicar a qualidade, pelo contrário. Mas isso não ser fará com retórica e CPIs políticas.

Na próxima postagem falo sobre o transporte individual nas cidades.

28/08/2013

sábado, 24 de agosto de 2013

A mobilidade urbana no Brasil: sonho ou pesadelo? 2



Na última postagem começamos a ver que ou por que os que sonham que o transporte público (por ônibus) pode ser muito mais barato para a sociedade do que o transporte individual estão enganados. Isso não significa em absoluto que não deva haver oferta adequada desse modal de transporte nas cidades, a preço acessível, seguro, rápido e confortável. Nem que o carro particular deva se sobrepor ao transporte público. Mas isso tudo tem um custo, que de algum modo seria pago pela sociedade. Se por tarifas cheias, apenas pelos usuários. Se subsidiado, será pago também pelos contribuintes, inclusive milhares de pobres que sequer o aproveitam, mas pagam impostos, o que já ocorre hoje.

Os dados de que me valho a seguir são da SPTrans.

Para começar, vejamos como vem evoluindo a demanda. Em 2012 o número de viagens registrado foi de 2.916.954.960 (quase três bilhões). Alguém desavisado pode pensar que multiplicando esse número pelo preço da passagem (R$3,00) se obteria o faturamento das empresas de ônibus, que seria de R$ 8.750.864.880,00. Engano. Analisemos o gráfico:
 


 

 
 
 
 
 
 
 
A demanda subiu de uns 2,5 bilhões de passageiros/viagens em 2005 para uns 3 bilhões nos últimos anos (linha azul). Porém, em função das meias passagens, gratuidades e bilhetes únicos, a quantidade de “passageiros equivalentes”, um número hipotético que indica quantos passageiros pagando tarifa cheia por viagem resultaria na arrecadação efetiva que ocorreu, vemos uma linha vermelha praticamente horizontal, pouco variando em torno de 1,5 bilhão por oito anos seguidos!

Vejamos como foi feito esse transporte. Em 2005 a SPTrans registrava 14.627 ônibus e em 2012 14.959, um aumento de apenas 2,3%. Como foi possível acomodar o aumento de quase 500 milhões de passageiros por ano? Apertando-os cada vez mais? Bem, em parte isso pode ser verdade, mas a composição da frota se alterou nesse intervalo, as empresas passaram a comprar ônibus maiores. Entre 12 tipos de ônibus existentes em 2005, de acordo com a capacidade nominal de cada um seria possível colocar de uma vez na frota (supondo todos os carros na rua) 876.378 pessoas. Na composição de 2012 o número sobe para 1.076.301, um aumento de 23%, teoricamente capaz de acomodar o aumento da demanda, que foi de 16%. Teoricamente.

Agora, ônibus são peças caras. O preço de um biarticulado pode ultrapassar 900 mil reais, um articulado 500 mil reais e um Padron 250 mil reais. Os mini e midi ônibus usados pelos permissionários (antigos perueiros) custam entre 170 e 190 mil reais. A preços de carros novos o investimento na frota está em torno de R$ 3,7 bilhões.

O que ocorreria se, como sugere sua excelência o vereador Roberto Tripoli, carros e motos fossem de repente INVIABILIZADOS na cidade? De início, a rede de ruas servidas por linhas precisaria ser enormemente expandida para que as pessoas possam sair de um ponto e chegar a outro sem enormes percursos a pé. Calculando por outra rota e na ponta do dedão, a demanda por transporte público aumentaria no mínimo em mais de 8 bilhões de viagens por ano, a se somar as 3 bilhões de hoje. (Algo como 5 milhões de veículos, com ocupação media de 1,5 pessoa por veículo e 3 viagens por dia, bem subestimado). O investimento necessário somente em ônibus, sem contar garagens, etc., seria de uns R$ 10 bilhões. Por outro lado, já vimos que a depreciação anual do investimento corresponde a apenas 9% dos custos do transporte nas condições atuais. Haja dinheiro público.

Continuando com a análise econômica:

Segundo a SPTrans, o custo total (incluindo margem de 7%) do sistema ônibus em 2012 foi de R$ 5.591.366.640,00. A arrecadação dos 1,5 bilhão de passageiros equivalentes foi de R$ 4.510.743.933. Portanto, faltaram R$ 1.080.622.707 para fechar a conta. A prefeitura diz que transferiu R$ 953 milhões em subsídio. Será que as empresas pagaram o mico com 130 milhões de Reais? Não, as diferenças para mais ou menos são compensadas no orçamento do ano seguinte. Bem, a se acreditar nesses números percebe-se que o custo por passageiro transportado foi de (5.591.366.640) dividido por (2.916.954.960). Isso dá R$ 1,917. Se todos os transportados pagassem por viagem uma tarifa de R$ 2,00 a arrecadação cobriria os custos com sobras. Mas a tarifa é (e não nego que deva ser, a menos de distorções, que existem) social. Assim, o custo de fato por passageiro equivalente foi de R$ 3,719.  O subsídio por passageiro transportado foi de R$ 0,33 em 2012 e será bem maior em 2013.

Se o sistema está saturado colocar mais gente em ônibus não significa aumentar o faturamento mantendo-se os custos atuais.

Agora a grande pergunta: os dados da arrecadação versus passageiros transportados são confiáveis? É exatamente esse aspecto que pode concentrar as maiores distorções na contabilidade dos transportes coletivos. Diferentemente de trens e metrôs, nos ônibus (com exceção de verdadeiros corredores, como alguns de Curitiba) não se ingressa em plataformas de embarque somente com a posse de bilhetes controlados eletronicamente. As coisas dependem também do que os contratos estipulam, por exemplo, pode-se remunerar por viagem, por quilômetro rodado, por giro de catraca...

Para essa pergunta não tenho resposta. Mas posso afirmar que esse é o ponto que deveria receber a máxima atenção na fiscalização pelos contratantes, sejam agências como a SPTrans e TCM(s). As próprias empresas temem que motoristas e cobradores burlem a arrecadação em proveito próprio e fazem sua própria fiscalização. Fato é que a progressiva informatização dos sistemas de arrecadação tem facilitado as auditorias, mas...

Como então diminuir o custo do transporte coletivo? Sem dúvida essa questão é do interesse de todos, usuários ou não. Já dei algumas dicas, mas amplio o tema na próxima postagem.

 

24/08/2013

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Mobilidade urbana no Brasil, sonho ou pesadelo?


Continuo nos mitos urbanos. Qual é o nível do debate? Julguem por si mesmos, perante este pequeno excerto da Ata da primeira reunião ordinária da CPI da Câmara Municipal de São Paulo (01/08/2103):

— Vereador Roberto Tripoli: Eu penso Vereador Eduardo Tuma, que nós temos que inviabilizar o carro particular na cidade de São Paulo. Inviabilizar. Eu acho que o Governo Federal, reduzindo IPI, tem prejudicado a Cidade. Todo mundo tem carro. Não adianta rodízio. Não adianta falar de rodízio.

Vereador Milton Leite: Carro, moto, né, Vereador.

Vereador Roberto Trípoli: Moto também Sr. Vereador. Eu paro de andar com a minha moto, se é o caso de V.Exa. ter interesse.

 

Todos têm direito a suas opiniões. Mas algumas pessoas pensam que é possível e desejável proibir, como só a Coreia do Norte poderia fazer (nem Cuba chegaria a esse extremo) o emprego de transporte individual. O transporte coletivo poderia e deveria dar conta de tudo. De preferência grátis. É o mesmo que pensar que é possível desgrudar do chão puxando os próprios cabelos.

Esse mito está baseado em outro: a tal boca livre é possível, existe o almoço grátis, sem custo para a sociedade, pelo menos no que diz respeito ao transporte coletivo. Qualquer pessoa possuindo um mínimo de bom senso e boa intenção sabe que não. Por outro lado, um fato triste ajuda a alimentar o mito. Por que os contratos celebrados pela prefeitura (ou pelas prefeituras, estendendo a questão para todo o Brasil) com as empresas sob concessão ou permissão (depois explico a diferença) não são de domínio público? Por que não estão disponíveis na Internet, nos sites das empresas gestoras, como a SPTrans? Inexplicável e injustificável.

Afinal, o custo de um serviço depende basicamente dos custos operacionais e do que é contratado, supondo que o contratante obedeça aos termos do contrato. É como a construção de uma casa em regime de empreitada, vai custar o que o dono projetou/especificou, mais a taxa de administração do empreiteiro. A sociedade tem o direito de saber e como não sabe surgem especulações de toda ordem. 

Então, os custos podem ser divididos em duas partes:

Primeira parte: custos impositivos em razão do que está contratado:

A prefeitura sabe (ou deveria saber) qual é a demanda de passageiros entre regiões, bairros, ruas, etc. Ela define (ou deveria definir) as linhas a fim de maximizar a eficiência e a qualidade. Ela define (ou deveria definir) os tipos de veículos adequados para cada linha (de modo geral, sem precisar entrar em detalhes como fabricantes). Ela define (ou deveria definir) a frequência das viagens por linha e por horário, de onde resulta a quantidade de veículos que deve estar em operação. Ela define (ou deveria definir) a utilização máxima em passageiros por metro quadrado. Ela define (ou deveria definir) os padrões de conforto e segurança: ônibus comum, ônibus Padron, piso baixo, piso alto, motor dianteiro, motor traseiro, transmissão manual ou automática, ventilação natural ou ar condicionado, que porcentagem ou se todos devem ter elevadores para acessibilidade, bem como outros detalhes.  Ela define (ou deveria definir) normas operacionais padronizadas para todas as empresas, como as de manutenção. Ela define (ou deveria definir) a vida máxima de utilização dos veículos (a qual pode variar conforme a utilização, mas que em geral tem sido estabelecida em 10 anos); com isso, ela define qual tem de ser o investimento em bens de capital (ônibus são bens de capital), de onde sai o valor a ser amortizado anualmente. Deixando mais alguns “ela define” de lado, a prefeitura tem o dever de fiscalizar de perto o cumprimento dos contratos empresa por empresa, linha por linha, garagem por garagem. Deve auditar os balancetes de custos. Deve impor multas e outras penalidades por cláusulas não obedecidas (viagens canceladas, por exemplo). Por sua vez, é responsabilidade dos Tribunais de Contas Municipais fiscalizarem as atividades da empresa/repartição gestora dos serviços por concessão e aprovar ou não sua atuação. Em outras palavras, mediante contratos as prefeituras definem o que querem para suas cidades, em qualidade e área de atuação.

 

Segunda parte: custos operacionais:

Grosso modo eles não devem estar longe, percentualmente, do mostrado na tabela abaixo:

Pessoal                                                                                                      45%

Rodagem (diesel, lubrificantes, pneus)                                               21%

Depreciação do investimento                                                                  9%

Manutenção (peças, etc.)                                                                         8%

Margem                                                                                                       7%

Custos administrativos                                                                             6%

Outros impostos e taxas                                                                          4%

(Fonte SPTrans – 2012)

 

Não é preciso lembrar o tanto que a mão de obra formal é cara no Brasil. Apesar das pequenas desonerações que o governo federal aprovou recentemente para alguns setores, incluindo transporte coletivo, o fato é que para cada Real que um empregado recebe, a empresa gasta no mínimo mais um em encargos legais fixos ou eventuais, fora os gastos com o esquizofrênico sistema fiscal. A “métrica” usada normalmente para esse parâmetro é o número de empregados por ônibus da frota. Nas empresas privadas esse número varia entre cinco e sete (lembrar que a função de cobrador é imposta pelo poder concedente, como fruto de pressões sindicais e políticas). Nas empresas estatizadas o número de pessoas por veículo é pelo menos o dobro, com o agravante de haver alta concentração em bem pagos cargos administrativos inúteis, além de diretorias também políticas e, portanto, incompetentes, em função do habitual toma lá da cá da política brasileira.

Quanto ao diesel, ele é caro no Brasil, caríssimo, mesmo com o eufemístico “subsídio” que o governo lhe confere. Eufemístico porque não é o custo final de produção e distribuição  que está sendo subsidiado e sim a carga de impostos, a qual é um pouco menor em relação aos outros combustíveis. Dizer que uma menor carga de impostos é subsídio é debochar da inteligência do cidadão, não é nem mesmo renúncia fiscal. Hoje, grande parte do diesel consumido no Brasil é importada refinada, principalmente o diesel de baixo enxofre usado nas regiões metropolitanas (há vários “dieseis” no mercado, o tema é complexo e não há como resumi-lo aqui), a preços internacionais. A atual taxa de câmbio vem agravando o problema de caixa da Petrobras e o governo não terá como segurar os preços para tentar controlar a inflação sob o risco de quebrar definitivamente as pernas da empresa. O que já é caro vai ficar mais caro ainda.  

Além do diesel, pneus, lubrificantes, peças de reposição, tudo é absurdamente caro no Brasil. Creio que não é preciso abrir esse assunto.

A depreciação do investimento pesa muito no custo. Em São Paulo, hoje, deve responder por uns 30 centavos do valor da passagem e isso para uma vida máxima de 10 anos, o que prejudica eficiência, conforto e segurança. Ônibus em fim de vida quebram mais, atravancando o trânsito, poluem mais, gastam mais, são inconfortáveis e por aí vai.  O ideal seria uma frota com vida média de três anos, ou seis de vida máxima. Mas quem paga a conta?

Quanto à margem de lucro, supondo as contas em ordem, 7% não é nenhum absurdo.

Resumindo essa parte, perceba-se que os custos operacionais não são difíceis de serem auditados. Qualquer técnico sabe o preço de uma peça. Não há muito espaço para superfaturamento em notas fiscais. Não é aqui que os senhores das CPIs vão encontrar grandes gorduras para cortar, mas é aqui que eles vão procurar, como o bêbado que perdeu a chave de casa e a procura apenas debaixo de postes com iluminação.   

Das receitas:

Ah, aqui sim.  As receitas... 

Mas isso fica para a próxima postagem.

 

22/08/2013

terça-feira, 20 de agosto de 2013

A mobilidade urbana no Brasil, sonho e pesadelo


Volto ao tema que pré-ensaiei em 24 de junho de 2013.

São bem-vindas as discussões sobre mobilidade urbana que os protestos de junho detonaram, independentemente do que possa vir a acontecer – provavelmente pouco de concreto e positivo na maioria das grandes concentrações urbanas do país. Com as discussões e a prova do tempo, porém, alguns mitos poderão ser desacreditados. Um deles, muito explorado por prefeitos e vereadores é que eles (quando candidatos ou em tempos de alta pressão popular como agora) vão imprimir melhorias dramáticas, sem aumento, ou mesmo com diminuição de custo já em sua primeira gestão, fazendo tudo diferente do que vinha sendo feito por seus antecessores.

Em primeiro lugar, gostaria de lembrar que os conceitos de “mobilidade”, “mobilidade urbana” e “transporte sustentável”, como hoje empregados, são relativamente recentes e começaram a ser divulgados a partir de sua crescente aparição de uns trinta anos para cá em importantes congressos de Engenharia, ITS (Inteligent Trasnportation Systems) e Urbanismo nos países adiantados. Num dos sistemas mais complexos da civilização moderna, o transporte, não há como gerar estudos confiáveis sem uma enorme dose de competência técnica em várias especialidades.

 Mas as “soluções” dos políticos são tiradas do bolso do colete, sem bases sólidas. Político no Brasil age por impulso e por instinto. Os resultados, em geral, costumam não passar de estelionato eleitoral.

Tomando a CPI de São Paulo como exemplo – CPI PARA AVERIGUAR PLANILHAS DE CUSTOS DO TRANSPORTE COLETIVO NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO – (ver postagem de 4/07/2013, Festival de CPIs) percebe-se primeiro que é chapa branca e foi instalada apenas para o poder legislativo do município, com sua imagem altamente (e mais do que merecidamente) desgastada fingir para a população “protestante” que “fez alguma coisa”, quando deveria “estar fazendo” todos os dias, ano após ano. Os nobres Edis instalaram às pressas uma CPI sem ter em mãos qualquer indício concreto de ilícitos resultantes de investigações, auditorias ou denuncias documentadas (não que eles não existam, mas se existem dificilmente virão à tona nesse fórum).  Investigar “planilhas de custos”? Não duvido que as conclusões e recomendações finais da tal CPI serão verdadeiros monstrengos políticos, sem qualquer relação com “investigar planilhas de custos”, algo em si absolutamente inócuo. Talvez eles tentem realimentar o mito da “caixa preta” dos contratos com empresas de ônibus. Como disse, pago para ver. 

Claro, a população protestou e vai continuar protestando: sua percepção é que o transporte (ainda falo dos ônibus) é caro contra a qualidade exibida. Por má qualidade entenda-se, mais ou menos pela ordem: longos tempos de percurso (baixa velocidade), tempo médio excessivo de espera nos pontos, excesso de lotação (principalmente nos horários de pico; ônibus lotados que não param no ponto), má distribuição das linhas e pontos (caminha-se muito até os pontos), falta de conforto (ruidoso, quente, mal ventilado, etc.), dificuldade de acesso, habitáculo sujo e/ou mal conservado, motoristas e cobradores agressivos, etc., etc.

O poder executivo, por sua vez, não está se saindo melhor. Igualmente às pressas e sem base em estudos técnicos profundos começou a pintar “faixas exclusivas” a torto e a direito no asfalto de avenidas, ruas e vielas da cidade. “A prioridade é dos ônibus”, alardeiam estufando o peito. Só agora? E quem disse ao prefeito que isso vai resultar em melhorias capazes de satisfazer o povo? Se não der, o que é mais do que provável, em São Paulo e em outras cidades, há tempo mais do que suficiente para que as besteiras que estão sendo jogadas para o alto caiam em cima das cabeças dos senhores prefeitos antes da próxima eleição. Não vai ser fácil encontrar bodes expiatórios.

Vale a pena repetir (em itálico abaixo) dois parágrafos da postagem de 24 de junho:

O principal fator da pequena produtividade do transporte por ônibus, mais do que conhecido é a baixa velocidade média do trânsito, em corredores ou não, nos horários de pico (que já se emendam durante o dia). Por sinal, dizer que São Paulo possui verdadeiros corredores de ônibus é caridade, na verdade existem faixas exclusivas e olhe lá. E muito mal aproveitadas.

A velocidade média nos “corredores” e faixas atuais está limitada pelos fatores: trânsito congestionado, quantidade de cruzamentos com faróis e restrições nos tempos de abertura destes... os tempos não podem ser exageradamente aumentados sem que o congestionamento que se espalha pelas ruas vizinhas envenene de volta o corredor.

De fato, denominar os atuais “corredores de ônibus” de São Paulo com esse nome é caridade. O corredor ideal deve operar mais como uma linha férrea de superfície (em pistas realmente exclusivas) do que como uma simples linha de ônibus, mesmo operando do lado esquerdo da via; devem existir plataformas para embarque rápido e não pontos de ônibus no nível da rua; deve haver uma linha operando entre grandes terminais de distribuição, com a frequência de carros ditada pela demanda do momento, a fim de eliminar esperas ou necessidade de ultrapassagens em pontos; as passagens têm que ser adquiridas antes do embarque; as interferências de trânsito têm de ser eliminadas de um jeito ou de outro (o que se torna caríssimo de fazer em áreas urbanas densas e consolidadas); e outras.  No máximo pode-se dizer que os corredores e ônibus de São Paulo são modelos híbridos.

Quanto às faixas exclusivas à direita das vias, suas virtudes são limitadas. Até concordo que devam existir, mas não se pode esperar milagres delas. Um famoso urbanista americano disse há tempos que “as pistas de alta velocidade são o caminho mais rápido entre dois congestionamentos” e faixas exclusivas de ônibus, de certo modo, não passam disso, acesso rápido até o próximo trecho de trânsito lento. Quando há excesso de interferências (principalmente cruzamentos) não há como aumentar significativamente a velocidade média. As exceções estão em longas vias expressas isoladas, como nas marginais, poucas em São Paulo.

Enfim, a baixíssima produtividade dos ônibus, fruto principalmente do urbanismo precário de nossas cidades e do trânsito pessimamente gerenciado é uma das duas principais causas do elevado CUSTO de operação dos sistemas de ônibus. A outra, nenhuma novidade, é o custo Brasil, que como um câncer jamais diminui. Impostos, taxas, legislação e problemas trabalhistas, práticas fiscais paranoicas, juros reais elevadíssimos, excesso de burocracia, dirigismo estatal, caixinhas obrigatórias... Políticos já falam em aumentar os impostos sobre combustíveis, dos mais taxados do mundo, para “subsidiar” o transporte coletivo, como se isso já não fosse feito. Finalmente, tentativas tímidas de diminuir alguns custos estão sendo colocadas em prática, mas contra protestos veementes das autoridades monetárias... Se der com uma mão tem de tirar com a outra...

Na próxima postagem vou mostrar por que os custos do transporte coletivo por ônibus nas condições atuais não pode ser muito mais baixo. Não há boca livre.

20/08/2013

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Em tempos de protestos


Há um mês não coloco postagens. Em tempos de protestos parece que estamos num novo mundo. Nada similar à revolução francesa, mas o país parece estar diferente. Será que está mesmo?  

A visita do Papa desviou um pouco a atenção das pessoas para valores mais elevados, porém, assim que ele decolou de volta a Roma percebi que continuamos na mesma, vivendo “no melhor dos brasis possíveis” como diria Pangloss a Cândido ou para a menina Cunegundes. A sátira de Voltaire ao otimismo pelo otimismo se aplica como uma luva aos problemas do trânsito brasileiro (e a outros problemas); as coisas não vão se consertar por si.

Nesse meio tempo, na edição de 7 de agosto de 2013, a revista Veja publicou reportagem de capa com o título: “Pesquisa exclusiva – ASSASSINOS AO VOLANTE – Novas estatísticas mostram que a violência no trânsito é a segunda maior causa de morte no país [na verdade de mortes violentas], à frente até de homicídios, um efeito do desrespeito às leis e da má qualidade dos motoristas”.

Foi ótimo ver um órgão da expressão de Veja entrar nesse tema, ainda mais num momento como o atual, embora eu não concorde com parte do diagnóstico da manchete. Por outro lado, alguém que tenha lido minhas postagens não ficaria nem um pouco surpreso com o conteúdo da reportagem. De fato não há nada de exclusivo nela, quase tudo está aqui, em postagens anteriores.

Tudo isso é muito bonito – diria Cândido – mas o que é preciso é cultivar nosso jardim. Todavia, como cultivar um belo jardim? É o que procurei mostrar ao longo dessas postagens, mediante análises, diagnósticos e propondo soluções, as quais dificilmente virão tão cedo. Mesmo assim, é preciso continuar cultivando o jardim.

Por isso estou preparando uma resenha dessas quase 120 postagens para um (eventual) livro. Como expliquei anteriormente, este blog nasceu por encomenda de certa entidade exatamente com esse propósito, publicação de um livro baseado nas postagens do blog. A entidade tirou o time de campo ao perceber o foco das análises: as incompetências e desleixos de entidades públicas em todos os níveis para com a incivilidade no trânsito, mas não posso culpá-la. Até mesmo entidades independentes, sem fins lucrativos, podem sofrer sérias retaliações caso apontem o dedo para autoridades de plantão. Desse modo, resta-me a alternativa de tentar publicar um livro eu mesmo. O que está tomando esforço e tempo.

Não vou abandonar o blog. Pretendo comentar outros assuntos ligados à infraestrutura de transportes, mobilidade e, certamente, segurança no trânsito quando pontos específicos se fizerem notáveis. Mas a frequência das postagens vai diminuir um pouco.

 

16 de agosto de 2013