sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Mobilidade urbana no Brasil, sonho ou pesadelo?


Continuo nos mitos urbanos. Qual é o nível do debate? Julguem por si mesmos, perante este pequeno excerto da Ata da primeira reunião ordinária da CPI da Câmara Municipal de São Paulo (01/08/2103):

— Vereador Roberto Tripoli: Eu penso Vereador Eduardo Tuma, que nós temos que inviabilizar o carro particular na cidade de São Paulo. Inviabilizar. Eu acho que o Governo Federal, reduzindo IPI, tem prejudicado a Cidade. Todo mundo tem carro. Não adianta rodízio. Não adianta falar de rodízio.

Vereador Milton Leite: Carro, moto, né, Vereador.

Vereador Roberto Trípoli: Moto também Sr. Vereador. Eu paro de andar com a minha moto, se é o caso de V.Exa. ter interesse.

 

Todos têm direito a suas opiniões. Mas algumas pessoas pensam que é possível e desejável proibir, como só a Coreia do Norte poderia fazer (nem Cuba chegaria a esse extremo) o emprego de transporte individual. O transporte coletivo poderia e deveria dar conta de tudo. De preferência grátis. É o mesmo que pensar que é possível desgrudar do chão puxando os próprios cabelos.

Esse mito está baseado em outro: a tal boca livre é possível, existe o almoço grátis, sem custo para a sociedade, pelo menos no que diz respeito ao transporte coletivo. Qualquer pessoa possuindo um mínimo de bom senso e boa intenção sabe que não. Por outro lado, um fato triste ajuda a alimentar o mito. Por que os contratos celebrados pela prefeitura (ou pelas prefeituras, estendendo a questão para todo o Brasil) com as empresas sob concessão ou permissão (depois explico a diferença) não são de domínio público? Por que não estão disponíveis na Internet, nos sites das empresas gestoras, como a SPTrans? Inexplicável e injustificável.

Afinal, o custo de um serviço depende basicamente dos custos operacionais e do que é contratado, supondo que o contratante obedeça aos termos do contrato. É como a construção de uma casa em regime de empreitada, vai custar o que o dono projetou/especificou, mais a taxa de administração do empreiteiro. A sociedade tem o direito de saber e como não sabe surgem especulações de toda ordem. 

Então, os custos podem ser divididos em duas partes:

Primeira parte: custos impositivos em razão do que está contratado:

A prefeitura sabe (ou deveria saber) qual é a demanda de passageiros entre regiões, bairros, ruas, etc. Ela define (ou deveria definir) as linhas a fim de maximizar a eficiência e a qualidade. Ela define (ou deveria definir) os tipos de veículos adequados para cada linha (de modo geral, sem precisar entrar em detalhes como fabricantes). Ela define (ou deveria definir) a frequência das viagens por linha e por horário, de onde resulta a quantidade de veículos que deve estar em operação. Ela define (ou deveria definir) a utilização máxima em passageiros por metro quadrado. Ela define (ou deveria definir) os padrões de conforto e segurança: ônibus comum, ônibus Padron, piso baixo, piso alto, motor dianteiro, motor traseiro, transmissão manual ou automática, ventilação natural ou ar condicionado, que porcentagem ou se todos devem ter elevadores para acessibilidade, bem como outros detalhes.  Ela define (ou deveria definir) normas operacionais padronizadas para todas as empresas, como as de manutenção. Ela define (ou deveria definir) a vida máxima de utilização dos veículos (a qual pode variar conforme a utilização, mas que em geral tem sido estabelecida em 10 anos); com isso, ela define qual tem de ser o investimento em bens de capital (ônibus são bens de capital), de onde sai o valor a ser amortizado anualmente. Deixando mais alguns “ela define” de lado, a prefeitura tem o dever de fiscalizar de perto o cumprimento dos contratos empresa por empresa, linha por linha, garagem por garagem. Deve auditar os balancetes de custos. Deve impor multas e outras penalidades por cláusulas não obedecidas (viagens canceladas, por exemplo). Por sua vez, é responsabilidade dos Tribunais de Contas Municipais fiscalizarem as atividades da empresa/repartição gestora dos serviços por concessão e aprovar ou não sua atuação. Em outras palavras, mediante contratos as prefeituras definem o que querem para suas cidades, em qualidade e área de atuação.

 

Segunda parte: custos operacionais:

Grosso modo eles não devem estar longe, percentualmente, do mostrado na tabela abaixo:

Pessoal                                                                                                      45%

Rodagem (diesel, lubrificantes, pneus)                                               21%

Depreciação do investimento                                                                  9%

Manutenção (peças, etc.)                                                                         8%

Margem                                                                                                       7%

Custos administrativos                                                                             6%

Outros impostos e taxas                                                                          4%

(Fonte SPTrans – 2012)

 

Não é preciso lembrar o tanto que a mão de obra formal é cara no Brasil. Apesar das pequenas desonerações que o governo federal aprovou recentemente para alguns setores, incluindo transporte coletivo, o fato é que para cada Real que um empregado recebe, a empresa gasta no mínimo mais um em encargos legais fixos ou eventuais, fora os gastos com o esquizofrênico sistema fiscal. A “métrica” usada normalmente para esse parâmetro é o número de empregados por ônibus da frota. Nas empresas privadas esse número varia entre cinco e sete (lembrar que a função de cobrador é imposta pelo poder concedente, como fruto de pressões sindicais e políticas). Nas empresas estatizadas o número de pessoas por veículo é pelo menos o dobro, com o agravante de haver alta concentração em bem pagos cargos administrativos inúteis, além de diretorias também políticas e, portanto, incompetentes, em função do habitual toma lá da cá da política brasileira.

Quanto ao diesel, ele é caro no Brasil, caríssimo, mesmo com o eufemístico “subsídio” que o governo lhe confere. Eufemístico porque não é o custo final de produção e distribuição  que está sendo subsidiado e sim a carga de impostos, a qual é um pouco menor em relação aos outros combustíveis. Dizer que uma menor carga de impostos é subsídio é debochar da inteligência do cidadão, não é nem mesmo renúncia fiscal. Hoje, grande parte do diesel consumido no Brasil é importada refinada, principalmente o diesel de baixo enxofre usado nas regiões metropolitanas (há vários “dieseis” no mercado, o tema é complexo e não há como resumi-lo aqui), a preços internacionais. A atual taxa de câmbio vem agravando o problema de caixa da Petrobras e o governo não terá como segurar os preços para tentar controlar a inflação sob o risco de quebrar definitivamente as pernas da empresa. O que já é caro vai ficar mais caro ainda.  

Além do diesel, pneus, lubrificantes, peças de reposição, tudo é absurdamente caro no Brasil. Creio que não é preciso abrir esse assunto.

A depreciação do investimento pesa muito no custo. Em São Paulo, hoje, deve responder por uns 30 centavos do valor da passagem e isso para uma vida máxima de 10 anos, o que prejudica eficiência, conforto e segurança. Ônibus em fim de vida quebram mais, atravancando o trânsito, poluem mais, gastam mais, são inconfortáveis e por aí vai.  O ideal seria uma frota com vida média de três anos, ou seis de vida máxima. Mas quem paga a conta?

Quanto à margem de lucro, supondo as contas em ordem, 7% não é nenhum absurdo.

Resumindo essa parte, perceba-se que os custos operacionais não são difíceis de serem auditados. Qualquer técnico sabe o preço de uma peça. Não há muito espaço para superfaturamento em notas fiscais. Não é aqui que os senhores das CPIs vão encontrar grandes gorduras para cortar, mas é aqui que eles vão procurar, como o bêbado que perdeu a chave de casa e a procura apenas debaixo de postes com iluminação.   

Das receitas:

Ah, aqui sim.  As receitas... 

Mas isso fica para a próxima postagem.

 

22/08/2013

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