Continuo nos
mitos urbanos. Qual é o nível do debate? Julguem por si mesmos, perante este
pequeno excerto da Ata da primeira reunião ordinária da CPI da Câmara Municipal
de São Paulo (01/08/2103):
— Vereador Roberto Tripoli: Eu penso Vereador Eduardo Tuma, que nós temos que inviabilizar o carro particular
na cidade de São Paulo. Inviabilizar.
Eu acho que o Governo Federal, reduzindo IPI, tem prejudicado a Cidade. Todo
mundo tem carro. Não adianta rodízio. Não adianta falar de rodízio.
— Vereador Milton Leite: Carro, moto, né, Vereador.
— Vereador Roberto Trípoli: Moto também Sr. Vereador. Eu paro de andar
com a minha moto, se é o caso de V.Exa. ter interesse.
Todos têm
direito a suas opiniões. Mas algumas pessoas pensam que é possível e desejável
proibir, como só a Coreia do Norte poderia fazer (nem Cuba chegaria a esse
extremo) o emprego de transporte individual. O transporte coletivo poderia e
deveria dar conta de tudo. De preferência grátis. É o mesmo que pensar que é
possível desgrudar do chão puxando os próprios cabelos.
Esse mito
está baseado em outro: a tal boca livre é possível, existe o almoço
grátis, sem custo para a sociedade, pelo menos no que diz respeito ao
transporte coletivo. Qualquer pessoa possuindo um mínimo de bom senso e boa
intenção sabe que não. Por outro lado, um fato triste ajuda a alimentar o mito.
Por que os contratos celebrados pela prefeitura (ou pelas prefeituras, estendendo
a questão para todo o Brasil) com as empresas sob concessão ou permissão
(depois explico a diferença) não são de domínio público? Por que não estão
disponíveis na Internet, nos sites das empresas gestoras, como a SPTrans?
Inexplicável e injustificável.
Afinal, o
custo de um serviço depende basicamente dos custos operacionais e do que é
contratado, supondo que o contratante obedeça aos termos do contrato. É como a
construção de uma casa em regime de empreitada, vai custar o que o dono
projetou/especificou, mais a taxa de administração do empreiteiro. A sociedade
tem o direito de saber e como não sabe surgem especulações de toda ordem.
Então, os
custos podem ser divididos em duas partes:
Primeira
parte: custos impositivos em razão do que está contratado:
A prefeitura
sabe (ou deveria saber) qual é a demanda de passageiros entre regiões, bairros,
ruas, etc. Ela define (ou deveria definir) as linhas a fim de maximizar a
eficiência e a qualidade. Ela define (ou deveria definir) os tipos de veículos
adequados para cada linha (de modo geral, sem precisar entrar em detalhes como fabricantes).
Ela define (ou deveria definir) a frequência das viagens por linha e por
horário, de onde resulta a quantidade de veículos que deve estar em operação.
Ela define (ou deveria definir) a utilização máxima em passageiros por metro
quadrado. Ela define (ou deveria definir) os padrões de conforto e segurança:
ônibus comum, ônibus Padron, piso baixo, piso alto, motor dianteiro, motor
traseiro, transmissão manual ou automática, ventilação natural ou ar
condicionado, que porcentagem ou se todos devem ter elevadores para
acessibilidade, bem como outros detalhes. Ela define (ou deveria definir) normas
operacionais padronizadas para todas as empresas, como as de manutenção. Ela define
(ou deveria definir) a vida máxima de utilização dos veículos (a qual pode
variar conforme a utilização, mas que em geral tem sido estabelecida em 10
anos); com isso, ela define qual tem de ser o investimento em bens de capital
(ônibus são bens de capital), de onde sai o valor a ser amortizado anualmente.
Deixando mais alguns “ela define” de lado, a prefeitura tem o dever de
fiscalizar de perto o cumprimento dos contratos empresa por empresa, linha por
linha, garagem por garagem. Deve auditar os balancetes de custos. Deve impor
multas e outras penalidades por cláusulas não obedecidas (viagens canceladas,
por exemplo). Por sua vez, é responsabilidade dos Tribunais de Contas
Municipais fiscalizarem as atividades da empresa/repartição gestora dos serviços
por concessão e aprovar ou não sua atuação. Em outras palavras, mediante
contratos as prefeituras definem o que querem para suas cidades, em
qualidade e área de atuação.
Segunda
parte: custos operacionais:
Grosso modo eles
não devem estar longe, percentualmente, do mostrado na tabela abaixo:
Pessoal 45%
Rodagem (diesel, lubrificantes, pneus) 21%
Depreciação do investimento 9%
Manutenção (peças, etc.) 8%
Margem 7%
Custos administrativos 6%
Outros impostos e taxas 4%
(Fonte SPTrans – 2012)
Não é preciso
lembrar o tanto que a mão de obra formal é cara no Brasil. Apesar das pequenas
desonerações que o governo federal aprovou recentemente para alguns setores,
incluindo transporte coletivo, o fato é que para cada Real que um empregado
recebe, a empresa gasta no mínimo mais um em encargos legais fixos ou
eventuais, fora os gastos com o esquizofrênico sistema fiscal. A
“métrica” usada normalmente para esse parâmetro é o número de empregados por
ônibus da frota. Nas empresas privadas esse número varia entre cinco e sete
(lembrar que a função de cobrador é imposta pelo poder concedente, como fruto
de pressões sindicais e políticas). Nas empresas estatizadas o número de
pessoas por veículo é pelo menos o dobro, com o agravante de haver alta
concentração em bem pagos cargos administrativos inúteis, além de diretorias
também políticas e, portanto, incompetentes, em função do habitual toma lá da
cá da política brasileira.
Quanto ao
diesel, ele é caro no Brasil, caríssimo, mesmo com o eufemístico “subsídio” que
o governo lhe confere. Eufemístico porque não é o custo final de produção e distribuição
que está sendo subsidiado e sim a carga
de impostos, a qual é um pouco menor em relação aos outros combustíveis. Dizer
que uma menor carga de impostos é subsídio é debochar da inteligência do
cidadão, não é nem mesmo renúncia fiscal. Hoje, grande parte do diesel
consumido no Brasil é importada refinada, principalmente o diesel de baixo
enxofre usado nas regiões metropolitanas (há vários “dieseis” no mercado, o
tema é complexo e não há como resumi-lo aqui), a preços internacionais. A atual
taxa de câmbio vem agravando o problema de caixa da Petrobras e o governo não
terá como segurar os preços para tentar controlar a inflação sob o risco de quebrar
definitivamente as pernas da empresa. O que já é caro vai ficar mais caro
ainda.
Além do
diesel, pneus, lubrificantes, peças de reposição, tudo é absurdamente caro no
Brasil. Creio que não é preciso abrir esse assunto.
A depreciação
do investimento pesa muito no custo. Em São Paulo, hoje, deve responder por uns
30 centavos do valor da passagem e isso para uma vida máxima de 10 anos, o que prejudica
eficiência, conforto e segurança. Ônibus em fim de vida quebram mais, atravancando
o trânsito, poluem mais, gastam mais, são inconfortáveis e por aí vai. O ideal seria uma frota com vida média de
três anos, ou seis de vida máxima. Mas quem paga a conta?
Quanto à
margem de lucro, supondo as contas em ordem, 7% não é nenhum absurdo.
Resumindo
essa parte, perceba-se que os custos operacionais não são difíceis de serem
auditados. Qualquer técnico sabe o preço de uma peça. Não há muito espaço para
superfaturamento em notas fiscais. Não é aqui que os senhores das CPIs vão
encontrar grandes gorduras para cortar, mas é aqui que eles vão procurar, como
o bêbado que perdeu a chave de casa e a procura apenas debaixo de postes com
iluminação.
Das
receitas:
Ah, aqui sim.
As receitas...
Mas isso fica
para a próxima postagem.
22/08/2013
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