sábado, 24 de agosto de 2013

A mobilidade urbana no Brasil: sonho ou pesadelo? 2



Na última postagem começamos a ver que ou por que os que sonham que o transporte público (por ônibus) pode ser muito mais barato para a sociedade do que o transporte individual estão enganados. Isso não significa em absoluto que não deva haver oferta adequada desse modal de transporte nas cidades, a preço acessível, seguro, rápido e confortável. Nem que o carro particular deva se sobrepor ao transporte público. Mas isso tudo tem um custo, que de algum modo seria pago pela sociedade. Se por tarifas cheias, apenas pelos usuários. Se subsidiado, será pago também pelos contribuintes, inclusive milhares de pobres que sequer o aproveitam, mas pagam impostos, o que já ocorre hoje.

Os dados de que me valho a seguir são da SPTrans.

Para começar, vejamos como vem evoluindo a demanda. Em 2012 o número de viagens registrado foi de 2.916.954.960 (quase três bilhões). Alguém desavisado pode pensar que multiplicando esse número pelo preço da passagem (R$3,00) se obteria o faturamento das empresas de ônibus, que seria de R$ 8.750.864.880,00. Engano. Analisemos o gráfico:
 


 

 
 
 
 
 
 
 
A demanda subiu de uns 2,5 bilhões de passageiros/viagens em 2005 para uns 3 bilhões nos últimos anos (linha azul). Porém, em função das meias passagens, gratuidades e bilhetes únicos, a quantidade de “passageiros equivalentes”, um número hipotético que indica quantos passageiros pagando tarifa cheia por viagem resultaria na arrecadação efetiva que ocorreu, vemos uma linha vermelha praticamente horizontal, pouco variando em torno de 1,5 bilhão por oito anos seguidos!

Vejamos como foi feito esse transporte. Em 2005 a SPTrans registrava 14.627 ônibus e em 2012 14.959, um aumento de apenas 2,3%. Como foi possível acomodar o aumento de quase 500 milhões de passageiros por ano? Apertando-os cada vez mais? Bem, em parte isso pode ser verdade, mas a composição da frota se alterou nesse intervalo, as empresas passaram a comprar ônibus maiores. Entre 12 tipos de ônibus existentes em 2005, de acordo com a capacidade nominal de cada um seria possível colocar de uma vez na frota (supondo todos os carros na rua) 876.378 pessoas. Na composição de 2012 o número sobe para 1.076.301, um aumento de 23%, teoricamente capaz de acomodar o aumento da demanda, que foi de 16%. Teoricamente.

Agora, ônibus são peças caras. O preço de um biarticulado pode ultrapassar 900 mil reais, um articulado 500 mil reais e um Padron 250 mil reais. Os mini e midi ônibus usados pelos permissionários (antigos perueiros) custam entre 170 e 190 mil reais. A preços de carros novos o investimento na frota está em torno de R$ 3,7 bilhões.

O que ocorreria se, como sugere sua excelência o vereador Roberto Tripoli, carros e motos fossem de repente INVIABILIZADOS na cidade? De início, a rede de ruas servidas por linhas precisaria ser enormemente expandida para que as pessoas possam sair de um ponto e chegar a outro sem enormes percursos a pé. Calculando por outra rota e na ponta do dedão, a demanda por transporte público aumentaria no mínimo em mais de 8 bilhões de viagens por ano, a se somar as 3 bilhões de hoje. (Algo como 5 milhões de veículos, com ocupação media de 1,5 pessoa por veículo e 3 viagens por dia, bem subestimado). O investimento necessário somente em ônibus, sem contar garagens, etc., seria de uns R$ 10 bilhões. Por outro lado, já vimos que a depreciação anual do investimento corresponde a apenas 9% dos custos do transporte nas condições atuais. Haja dinheiro público.

Continuando com a análise econômica:

Segundo a SPTrans, o custo total (incluindo margem de 7%) do sistema ônibus em 2012 foi de R$ 5.591.366.640,00. A arrecadação dos 1,5 bilhão de passageiros equivalentes foi de R$ 4.510.743.933. Portanto, faltaram R$ 1.080.622.707 para fechar a conta. A prefeitura diz que transferiu R$ 953 milhões em subsídio. Será que as empresas pagaram o mico com 130 milhões de Reais? Não, as diferenças para mais ou menos são compensadas no orçamento do ano seguinte. Bem, a se acreditar nesses números percebe-se que o custo por passageiro transportado foi de (5.591.366.640) dividido por (2.916.954.960). Isso dá R$ 1,917. Se todos os transportados pagassem por viagem uma tarifa de R$ 2,00 a arrecadação cobriria os custos com sobras. Mas a tarifa é (e não nego que deva ser, a menos de distorções, que existem) social. Assim, o custo de fato por passageiro equivalente foi de R$ 3,719.  O subsídio por passageiro transportado foi de R$ 0,33 em 2012 e será bem maior em 2013.

Se o sistema está saturado colocar mais gente em ônibus não significa aumentar o faturamento mantendo-se os custos atuais.

Agora a grande pergunta: os dados da arrecadação versus passageiros transportados são confiáveis? É exatamente esse aspecto que pode concentrar as maiores distorções na contabilidade dos transportes coletivos. Diferentemente de trens e metrôs, nos ônibus (com exceção de verdadeiros corredores, como alguns de Curitiba) não se ingressa em plataformas de embarque somente com a posse de bilhetes controlados eletronicamente. As coisas dependem também do que os contratos estipulam, por exemplo, pode-se remunerar por viagem, por quilômetro rodado, por giro de catraca...

Para essa pergunta não tenho resposta. Mas posso afirmar que esse é o ponto que deveria receber a máxima atenção na fiscalização pelos contratantes, sejam agências como a SPTrans e TCM(s). As próprias empresas temem que motoristas e cobradores burlem a arrecadação em proveito próprio e fazem sua própria fiscalização. Fato é que a progressiva informatização dos sistemas de arrecadação tem facilitado as auditorias, mas...

Como então diminuir o custo do transporte coletivo? Sem dúvida essa questão é do interesse de todos, usuários ou não. Já dei algumas dicas, mas amplio o tema na próxima postagem.

 

24/08/2013

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