segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A inutilidade das CPI(s)



Continuo acompanhando meio por alto os “trabalhos” da CPI da Câmara Municipal de São Paulo sobre as “Planilhas de Custos” do transporte coletivo municipal. Digo isso porque é inócuo acompanhar longas reuniões ordinárias ou ler intermináveis transcrições dessas sessões. Uma breve leitura dinâmica consegue captar perfeitamente o explícito e o implícito dessas sessões. Creio que o caso de São Paulo pode perfeitamente ser estendido a outras cidades que resolveram enveredar pelo mesmo caminho político.

Após seis sessões ordinárias de audiências que duram praticamente um dia, os nobres vereadores continuam tentando entender por alto como funciona o sistema de transporte coletivo sobre pneus na cidade. Continuam focando a atenção em “amendoins” enquanto os elefantes que realmente pesam na composição dos custos continuam tranquilamente vivendo suas atividades diárias, aparentemente despercebidos.

Ao contrário do que esperavam, não encontraram nenhum grande monstrengo administrativo capaz de elevar o custo de operação em qualquer nível significante. Perceberam que a remuneração das empresas concessionárias tem sido inferior ao contratado (recentemente uma quebrou). Perceberam, principalmente, que a remuneração dos consórcios de permissionários (antigos perueiros) é insuficiente para que estes consigam trabalhar dentro da lei, registrando e cumprindo os gravames trabalhistas com os motoristas e cobradores que eles utilizam para rodar os miniônibus em mais de um turno, pois a prefeitura não subsidia esse tipo de transporte. Por outro lado, são exatamente os permissionários que cumprem o importante papel de fazer a captação e distribuição capilar de passageiros nas periferias, conectando-os com os terminais de ônibus, trens ou metrô.

No momento, os nobres vereadores concentram suas baterias nos sistemas de bilhetagem eletrônica, suspeitando a partir do nada que devem existir grandes maracutaias entre as empresas de tecnologia que desenvolvem, vendem e fazem a manutenção desses produtos (hardware e software) e os grandes clientes, SPTrans, CPTM e Metrô. Qualquer redução de custo nesses sistemas não passará de uma gota d’água no oceano.

Nenhum dos itens que apontei anteriormente como possíveis fontes de grandes economias foi sequer cogitado pela CPI. Resumindo, eles estão relacionados com a produtividade da operação das frotas, integração metropolitana, desonerações de impostos, incluindo gravames trabalhistas, financiamento de bens de capital, simplificações fiscais e administrativas e mais alguns.

CPI, muita agitação por nada.

23 de setembro de 2013

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Semana Nacional do Trânsito... Incivilizado


Estamos em meio a Semana Nacional do Trânsito. Esta é a única ocasião no ano em que o governo federal finge demonstrar alguma preocupação com a segurança no trânsito. Promove alguns pequenos eventos que passam desapercebido, uma campanha singela na TV e mais nada. Lembro mais uma vez que o governo federal recebe 5% do valor de todas as multas de trânsito lavradas no Brasil e essa montanha de dinheiro deve por lei ser destinada a melhorias no trânsito, com a devida ênfase à segurança.

Venho tentando descobrir quanto vem sendo repassado anualmente para a União, sem sucesso.

Para demonstrar como o que muda no sistema trânsito brasileiro é sempre para pior, reproduzo abaixo em azul postagem anterior sobre o ridículo PARADA, que é tudo que o governo federal está fazendo em matéria de segurança no transito:

 
Postado em março de 2013

A PNT (Política Nacional de Trânsito)... Parada


Alguém já ouviu falar do “Parada”? Sim, é do Parada mesmo e não da Parada.

“Parada” é, ou alguns NO GOVERNO acham que é, “um pacto”. Como seguidor de assuntos de transporte e trânsito eu mesmo só ouvi falar desse tal “pacto” quando foi lançado em Brasília, sem muita pompa, e em uma ou duas ocasiões posteriormente.

Ah sim, então o governo federal atual deixou de lado a Política Nacional de Trânsito que, como disse, jamais foi revogada ou substituída, por um pacto! Pacto com quem? Sobre o que? (como não foi com a população, hoje acho que foi com o diabo, afinal as coisas estão como ele gosta, 61.000 mortes por ano e subindo...)

Vejam o press release:

“A presidenta (sic) da República, Dilma Rousseff, e o ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, lançam nesta sexta-feira (21/09/2012), às 11h, no Palácio do Planalto, uma campanha permanente [reparem no permanente] de conscientização no trânsito para reduzir o número de mortes nas estradas e ruas do país. A iniciativa faz parte das ações da Semana Nacional de Trânsito de 2012, que tem como tema “Não exceda a Velocidade. Preserve a Vida”.

As ações de trânsito coordenadas pelo Ministério das Cidades integram o Pacto Nacional pela Redução de Acidentes (Parada- Um Pacto pela Vida) que está sendo ativado, após o seu lançamento, em maio de 2011. Durante este período, foram realizadas campanhas sazonais de utilidade pública que, aliadas à fiscalização e à educação no trânsito, conseguiram reduzir o número de óbitos nas rodovias. [mentira gravíssima]

Bem temos aqui um “Pacto” (?) sendo ativado (?) um ano depois de seu lançamento (?). “Foram realizadas campanhas sazonais (?) de utilidade pública (??) que, aliadas à fiscalização e à educação no trânsito (???), conseguiram reduzir o número de óbitos nas rodovias (??????)!

Então é isso. No lugar de campanhas sazonais vamos realizar campanhas permanentes (?) [que continuam sazonais, durante uma semana por ano e em feriados] e tudo se resolverá. Fazemos um pacto com a sociedade e depois compete a ela cumprir o pacto, reduzindo espontaneamente o número de óbitos no trânsito. Como é gostoso viver no mundo da fantasia.

Mas e a Política Nacional de Trânsito? Esqueça. E os objetivos concretos as PNT? Esqueça. E as Metas da PNT? Esqueça. Vamos fazer campanhas. Campanhas que nem de longe são tão abrangentes como, por exemplo, a que vem sendo executada contra a dengue. Para quê? Afinal, em 2012, só morreram 61.000 pessoas em acidentes de trânsito e apenas 350.000 ficaram seriamente feridas. Já a dengue...

“Contudo, os técnicos do Ministério das Cidades observaram a necessidade de desenvolver uma campanha permanente de mobilização para que os números de vítimas fatais no trânsito não caiam apenas durante as iniciativas sazonais – férias, feriados e datas comemorativas. Os números mais recentes de acidentes no trânsito são do Ministério da Saúde e mostram que, em 2010, 42.844 pessoas morreram nas estradas e ruas do país.” [eles continuam utilizando os números do Ministério da Saúde, bem mais favoráveis].

 Conforme mostrei em postagem anterior esses números estão enormemente subestimados.

Além das estatísticas subestimadas, Campanhas. Nada de Planos abrangentes, nada de ações sistêmicas e contínuas. Campanhas. Mas haja contradição. O Ministério das Cidades, estranhamente “dono” do sistema trânsito no Brasil, cita como bom exemplo a ser seguido a Espanha, que teria caído da 17a posição para a 9a no ranking europeu de menor mortalidade no trânsito entre 2003 e 2009. Todavia, a própria Espanha diz como fez isso: “investindo principalmente em educação, legislação e infraestrutura. Com o aumento da fiscalização e número de guardas nas ruas, rigor da legislação, mudanças na formação de condutores, o país reduziu significativamente as mortes no trânsito”.

Então o Ministério das Cidades criou o Parada: “O Brasil pretende seguir o exemplo da Espanha com as ações do Parada. O pacto é uma resposta do Brasil à Resolução A/64/L44 da Organização das Nações Unidas (ONU), publicada no dia 02 de março de 2010, que instituiu o período de 2011 a 2020, como a “Década de Ações de Segurança no Trânsito”. (nota: como a divulgação do Relatório WRRTIP de 2004 não surtiu efeitos práticos a ONU decidiu, baseada no mesmo, elaborar uma “binding resolution” sobre segurança no trânsito, a ser votada em Assembleia Geral, onde foi aprovada).

Um “pacto” como resposta à Resolução das Nações Unidas, uma “Binding Resolution”, significando que os países que a assinaram se comprometeram a cumprir suas METAS. Que meta? Reduzir o índice de acidentes fatais pela metade em 10 anos. No Brasil não sabemos nem por onde começar, metade de que?

Se o governo se esqueceu do PNT, se o trocou por um tal de Parada, eu não me esqueci. Vou continuar mostrando o que não está sendo feito.

 

Em setembro de 2013 repete-se a pantomima de 2012.

20 de setembro de 2013

terça-feira, 17 de setembro de 2013

A mobilidade urbana no Brasil 6 - Sonho ou pesadelo


 


A prefeitura de São Paulo descobriu em excelente meio de promoção; a cada duas semanas anuncia a implantação de mais 10 ou 20 quilômetros de faixas exclusivas de ônibus, mantendo a atenção da mídia. Pesquisas vêm sendo publicadas sobre o tema: como os passageiros estão percebendo a iniciativa? E os motoristas de carros particulares? Já está ocorrendo migração do transporte particular para o coletivo?

É cedo para avaliar resultados.

Recentemente fui entrevistado por uma emissora de TV sobre o assunto. O que penso sobre as faixas exclusivas de ônibus? Que resultados podem ser esperados?

Embora já tenha externado minhas opiniões em postagens anteriores, resumo aqui o que penso:

a)      É dever absoluto dos poderes públicos priorizar os modais de transportes coletivos, mesmo com prejuízos ao tesouro.

b)      Nem sempre essa priorização precisa ser feita em detrimento do transporte individual, mas em casos de evidentes conflitos sim.

c)       A mobilidade urbana precisa ser desenvolvida sistemicamente. O transporte sobre pneus, infraestrutura em corredores e faixas exclusivas de ônibus são elementos (importantes) do sistema, mas de modo algum se pode negligenciar o planejamento sistêmico com integração de todos os modais, inclusive o andar a pé , que depende de boas calçadas e travessias seguras de ruas.

d)      Vejo a implantação de faixas exclusivas de ônibus como um aspecto positivo em grandes metrópoles. Elas estão sendo implantadas ou ampliadas tarde demais até. Mas não se pode esperar por resultados fantásticos. Faixas exclusivas são muito eficazes em longas vias expressas, mas não tanto em trechos mal urbanizados e plenos de obstáculos e interferências. Em certos casos pioras no trânsito podem reduzir ainda mais a velocidade de circulação de ônibus em faixas.

e)      Acredito que uma migração em massa do transporte individual para o coletivo é algo que não ocorrerá tão cedo. Nossas grandes cidades, São Paulo inclusive, estão longe de reunir as condições mínimas necessárias para o início de um círculo virtuoso nesse sentido. Será preciso muita competência técnica (em falta), investimentos (em falta), menos política (em excesso) e tempo para a readaptação das cidades e ocorrência de mudanças culturais.    

f)       Não se deve esquecer que em sistemas deficitários aumentar a utilização significa aumentar o déficit absoluto e, portanto, os subsídios. Mais subsídio ao transporte público significa menos e/ou piores serviços públicos em outras áreas importantes. Já o transporte individual é custeado pelos indivíduos (a menos da infraestrutura) os quais, em cima de seus custos operacionais (veículos, seguros, manutenção, depreciação, combustíveis, etc.), pagam ainda pesados impostos e taxas que o poder público utiliza ao seu bel prazer.    

Existem dezenas de considerações outras que poderiam ser colocadas, mas um breve resumo é um breve resumo, portanto paro por aqui.

Quanto às reduções nos custos do transporte público, possíveis conforme expliquei, por enquanto vejo as CPIs municipais mirando em formigas enquanto elefantes passam ao largo. Domar elefantes não é para qualquer um, política e oratória não surtem efeito. Nada vai mudar tão cedo.

Esperar o que então? Muita propaganda enganosa nas próximas eleições.  

 
17 de setembro de 2013

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

A mobilidade urbana no Brasil, sonho ou pesadelo? 5


 


Tentei demonstrar nas últimas postagens que o problema da (ou falta de) mobilidade urbana no Brasil está um tanto quanto desfocado. A pressão das manifestações de junho desviou demais o foco do problema para a má qualidade e PREÇO (para os que pagam) do transporte coletivo por ônibus nos grandes centros.

Em postagem de 20 de agosto, entretanto, enfatizei que as discussões que ocorreriam eram bem-vindas “independentemente do que possa vir a acontecer – provavelmente pouco de concreto”.  

As CPIs municipais continuam suas atividades por aí. Como disse, espero muito pouco, quase nada delas. Os nobres vereadores participantes de CPIs estão até hoje tentando entender COMO FUNCIONA o sistema “transporte coletivo” de suas cidades, uma vez que no passado nunca fizeram isso. Para tanto estão convocando Deus e todo o mundo para audiências intermináveis na vã esperança de que, por milagre, pincem alguma falha monstruosa nos SEUS sistemas (de preferência criada por outros que não o município ou o partido na situação) capazes de reduzir os custos do transporte em 50% ou mais. Prefeitos também estão perdidinhos. Em São Paulo, finalmente, pode-se encontrar na Internet os contratos de Concessão vigentes. Mas eles são tão complexos, tão cheios de aditivos, se baseiam em conceitos tão arcaicos que o próprio prefeito Fernando Haddad jogou a toalha afirmando que precisa contratar uma Consultoria Internacional (a que custo?) para simplesmente “digerir” o que os contratos estipulam. Será que ele se esqueceu que é o chefe do Secretário dos Transportes, que é o chefe da SPTrans? Em paralelo, a Câmara dos Vereadores apelou para o TMC e pelo que parece, mesmo assim, não vai conseguir tirar leite dessas pedras. A visão é sempre muito estreita e muito política. O mesmo vale para as agora célebres “Planilhas de Custos”.

 Em postagem de 28 de agosto mostrei alguns pontos que, se atacados com seriedade podem gerar economias significativas. Separei os temas em dois grupos: melhorias de produtividade (que dependem muitíssimo dos municípios) e ações de política econômica (desonerações e financiamentos). As últimas podem trazer resultados rapidamente.

Vou repetir a tabela com a composição aproximada (muito aproximada) dos custos do transporte por ônibus urbanos:

 

Pessoal                                                                                           45%

Rodagem (diesel, lubrificantes, pneus)                                    21%

Depreciação do investimento                                                    9%

Manutenção (peças, etc.)                                                           8%

Margem                                                                                         7%

Custos administrativos                                                               6%

Outros impostos e taxas                                                            4%

 

Qualquer administrador de empresa privada iria seguir a sequência de cima para baixo da tabela na busca de oportunidades de reduções de custos. Mas no setor público isso não é tão fácil de realizar, pois normalmente há interferências entre vários níveis administrativos e legislativos. O que fazer perante essa mixórdia? O mais lógico seria instituir Câmaras Setoriais. Mais do que três seria demais:

a)      Da desoneração dos custos de pessoal.

b)      Da desoneração dos combustíveis e peças.

c)       Dos financiamentos e outras desonerações federais, estaduais e municipais, incluindo questões fiscais.

O governo federal já desonerou PIS e Cofins sobre a mão de obra de empresas de ônibus, mas com certeza há outras oportunidades de redução. Qualquer economia sobre 45% dos custos será altamente significativa.

Alguns governos estaduais já desoneraram o ICMS que incide sobre o diesel destinado ao transporte coletivo, como o Paraná. Outros não querem seguir o exemplo; Tarso Genro, por exemplo, declarou que o benefício seria muito pequeno em seu estado. Pequeno? No estado de São Paulo se o diesel para ônibus urbanos fosse isentado do ICMS a desoneração seria de 12%. O combustível responde por  aproximadamente 20% do custo de operação total, portanto somente essa desoneração poderia redundar em economia superior a R$ 130 milhões por ano para a frota da cidade de São Paulo (não calculei para o estado como um todo). Com os célebres 20 centavos de aumento o sistema iria arrecadar um adicional de R$ 300 milhões por ano, portanto somente a desoneração do ICMS pode contribuir com 43% dessa arrecadação que não veio. Os estados perdem? Perdem, mas o que é isso perante o que eles arrecadam em ICMS sobre gasolina e álcool (normalmente 25%), diesel para transporte de carga (de 12% a 25%), IPVA e outras taxas sobre veículos?

Esse seria um bom começo.  

09 de setembro de 2013

terça-feira, 3 de setembro de 2013

A mobilidade urbana no Brasil:sonho ou pesadelo? 4


 


 

Ônibus ou automóvel? Da maneira como muitas autoridades colocam o problema da dificuldade para se locomover em grandes centros urbanos parece que essa é a luta do século. Na verdade não é. Entre ônibus e automóvel a resposta correta é: os dois, além de outras modalidades de transporte.

Automóvel, nesse contexto, é apenas um símbolo, pois a pergunta correta a se fazer é: transporte coletivo ou transporte individual? A resposta é a mesma, os dois.

Afinal, o que caracteriza um e outro? Vejamos, começando com o transporte individual, pois durante milênios não houve outro meio.

Andar a pé: é o mais natural “meio de transporte” desde que o mundo é mundo. Faz bem à saúde, não polui, não congestiona cidades... Mas parece que no Brasil as autoridades desconhecem esse “modal” de transporte. Se assim não fosse, as calçadas de nossas cidades não seriam a vergonha de todas as vergonhas que são e nem seria tão difícil e perigoso como é atravessar ruas. Quantas vezes não ouvi de estrangeiros a pergunta: por que no Brasil as pessoas andam pelas ruas e não nas calçadas? Eu engolia em seco e tentava mudar de assunto. Mães empurrando carrinhos de bebês, crianças, idosos e deficientes são os que mais sofrem com a cultura oficial e leis estúpidas que conduzem a essa situação vexatória. É impossível empurrar carrinhos de bebê por mais de 50 metros em 90% das calçadas de São Paulo. Mas a resposta ao problema é extremamente simples. Por comodismo e “economia” os municípios jogam aos munícipes a responsabilidade total pela construção e manutenção de calçadas, imitando canhestramente o que se faz em alguns países onde leis são levadas a sério, onde o padrão de vida é elevado, e onde existe competência técnica para criar e forçar a aplicação de boas normas de construção. Ora, em assim sendo os proprietários de terrenos “lindeiros” (linda palavra, não?) adotam a mais óbvia das interpretações: se eu pago pela construção da calçada (onde, em função do péssimo urbanismo de nossas cidades, é possível se construir calçadas que mereçam esse nome) e sua conservação (?) ela não é um espaço exclusivamente público, portanto eu tenho o direito de construí-la do modo mais conveniente e econômico para mim. Não consigo criticar essa linha de raciocínio, a qual é absolutamente lógica para nossa cultura. O resultado inevitável é o que se conhece, legal ou não.

Bicicleta: parece ser aos olhos de muitos políticos a panaceia universal contra todos os males do trânsito. Sem dúvida as bicicletas deveriam receber cem vezes mais atenção do que recebem dos poderes municipais, mas têm certas limitações que precisam ser levadas em conta. Não se prestam ao transporte individual em grandes distâncias, estão fora da possibilidade de muitas pessoas (idosos, deficientes...) e o uso é penoso em clima ruim e topografia acidentada. O último ponto não é um problema final, pois o emprego de motorização de baixa potência, de preferência elétrica, pode resolvê-lo muito bem. Seja lá como for o caminho correto é: primeiro as cidades devem se preparar/adaptar para as bicicletas e não o contrário. A foto abaixo é típica de uma boa integração entre modais (recomendo passeios pelo Google street view em algumas cidades da Europa, como Copenhague e Amsterdam, ambas nota 10 no quesito cidade amigável às bicicletas). Vê-se faixas para bicicletas, existentes em praticamente todas as ruas, ônibus, linhas de bondes e transporte fluvial. Todos são utilizados, em conjunto com trens e metrô, porém as bicicletas imperam nessas cidades (quase perfeitamente planas).







 

Triciclos/quadriciclos motorizados; pequenos “scooters”: Muitas cidades europeias permitem tais veículos nas faixas de bicicletas e em calçadas largas, desde que a velocidade seja no máximo igual à das bicicletas (ou pedestres). Pessoas idosas e deficientes utilizam muito esses veículos. Para evitar abusos em regiões onde respeitar regras não é habito espraiado da população, a tecnologia moderna permite que veículos licenciados para trafegar nessas faixas possam ser equipados com limitadores de velocidade. Sendo concessão municipal, o uso de limitadores pode perfeitamente ser obrigatório. Quero deixar claro que não sou favorável ao emprego em larga escala de scooters como se vê em muitas cidades da Ásia, do modo como se usam motocicletas no Brasil, isso é extremamente perigoso.

Motocicletas: é o meio de transporte individual que mais cresce no Brasil, principalmente nas regiões mais pobres, e não pode ser evitado. Mas poderia ser mais bem disciplinado em prol da segurança, como já coloquei em n postagens; não há locomoção mais indisciplinada no Brasil do que a feita em motocicletas, pois a fiscalização de percurso é nula. O grande problema é que elas disputam espaço nas ruas e avenidas com carros, caminhões e ônibus em enorme desigualdade de condições, em lutas tipo peso pesado contra peso mosca; e ainda persistem os malditos e legais “corredores da morte” que já comentei.

Automóveis: — “Vereador Roberto Tripoli (na CPI da Câmara Municipal de São Paulo sobre as “planilhas” das empresas de ônibus): Eu penso Vereador Eduardo Tuma, que nós temos que inviabilizar o carro particular na cidade de São Paulo. Inviabilizar.” – Postagem de 22 de agosto deste ano.  Então é isso, vamos inviabilizar o carro particular nos grandes centros.

Quais seriam as consequências imediatas? (a) Pelo menos em São Paulo, sobrecarregar o transporte público, que hoje opera no limite de sua capacidade com vários milhões de passageiros adicionais por dia. E a frota adicional necessária? E a ampliação da área de cobertura geográfica? (b) Se ocorresse aumento da frota e cobertura, aumentaria o déficit operacional do transporte público municipal e estadual em vários bilhões de reais por ano, que seriam cobertos por subsídios públicos; menos recursos para saúde, educação, segurança e tudo o mais que governos devem retornar aos munícipes. Sim, porque num sistema deficitário como o de ônibus de São Paulo, em que a prefeitura tirou de seu orçamento em 2012 R$ 0,33 para cada passageiro transportado, um milhão de passageiros a mais significaria um subsídio extra de R$ 326.710,00 no ano (supondo a mesma porcentagem de gratuidades). Quem pagaria a conta? O contribuinte, indistintamente, pobres e ricos (pesando mais sobre os pobres), usuários ou não de transportes coletivos.

É evidente que muitos carros atravancam o trânsito, eles ocupam demais o espaço das ruas por pessoa transportada. É evidente que o transporte coletivo deve ser priorizado. É evidente que no conflito atual o uso intensivo de carros deve (e pode) ser progressivamente desestimulado. Mas isso não pode ser feito de afogadilho, é preciso planejamento e implantação escalonada de ações corretas e concretas. Por outro lado, é bom não esquecer que no transporte individual é o indivíduo que arca com seus custos (sem considerar investimentos públicos em infraestrutura; esses sim devem se voltar prioritariamente para o transporte público). Custo de investimento em “material rodante”, “motoristas”, combustíveis, pneus, manutenção, seguros, depreciação e, ah, impostos e taxas. Somente sobre combustíveis incidem ICMS (até 25% para gasolina e álcool), Cide-combustíveis (hoje zerada em função da macropolítica econômico-financeira do governo federal), PIS, Cofins e imposto de importação. Fora IPVA, taxas de licenciamento e impostos sobre produtos (veículos e peças de manutenção). E sem considerar a arrecadação com multas... O transporte individual por automóveis já subsidia muito mais do que o transporte coletivo, “subsidia” boa fração da economia brasileira. Mas tem gente querendo matar a galinha que bota ovos de ouro.

Então o problema do transporte não tem solução?

Tem. Mais competência e menos populismo por parte dos políticos e administradores públicos.  

Pensando bem, esperar por isso no Brasil, hum... É, é bem possível que não haja solução.

03 de setembro de 2013