Ônibus ou automóvel? Da maneira
como muitas autoridades colocam o problema da dificuldade para se locomover em
grandes centros urbanos parece que essa é a luta do século. Na verdade não é.
Entre ônibus e automóvel a resposta correta é: os dois, além de outras
modalidades de transporte.
Automóvel, nesse contexto, é
apenas um símbolo, pois a pergunta correta a se fazer é: transporte coletivo ou
transporte individual? A resposta é a mesma, os dois.
Afinal, o que caracteriza um e
outro? Vejamos, começando com o transporte individual, pois durante milênios
não houve outro meio.
Andar a pé: é o mais
natural “meio de transporte” desde que o mundo é mundo. Faz bem à saúde, não
polui, não congestiona cidades... Mas parece que no Brasil as autoridades desconhecem
esse “modal” de transporte. Se assim não fosse, as calçadas de nossas cidades
não seriam a vergonha de todas as vergonhas que são e nem seria tão difícil e
perigoso como é atravessar ruas. Quantas vezes não ouvi de estrangeiros a
pergunta: por que no Brasil as pessoas andam pelas ruas e não nas calçadas? Eu
engolia em seco e tentava mudar de assunto. Mães empurrando carrinhos de bebês,
crianças, idosos e deficientes são os que mais sofrem com a cultura oficial e
leis estúpidas que conduzem a essa situação vexatória. É impossível empurrar
carrinhos de bebê por mais de 50 metros em 90% das calçadas de São Paulo. Mas a
resposta ao problema é extremamente simples. Por comodismo e “economia” os
municípios jogam aos munícipes a responsabilidade total pela construção e
manutenção de calçadas, imitando canhestramente o que se faz em alguns países
onde leis são levadas a sério, onde o padrão de vida é elevado, e onde existe
competência técnica para criar e forçar a aplicação de boas normas de
construção. Ora, em assim sendo os proprietários de terrenos “lindeiros” (linda
palavra, não?) adotam a mais óbvia das interpretações: se eu pago pela
construção da calçada (onde, em função do péssimo urbanismo de nossas cidades, é possível se construir calçadas que
mereçam esse nome) e sua conservação (?) ela não é um espaço exclusivamente público,
portanto eu tenho o direito de construí-la do modo mais conveniente e econômico
para mim. Não consigo criticar
essa linha de raciocínio, a qual é absolutamente lógica para nossa cultura. O
resultado inevitável é o que se conhece, legal ou não.
Bicicleta: parece ser aos
olhos de muitos políticos a panaceia universal contra todos os males do
trânsito. Sem dúvida as bicicletas deveriam receber cem vezes mais atenção do
que recebem dos poderes municipais, mas têm certas limitações que precisam ser
levadas em conta. Não se prestam ao transporte individual em grandes
distâncias, estão fora da possibilidade de muitas pessoas (idosos,
deficientes...) e o uso é penoso em clima ruim e topografia acidentada. O último
ponto não é um problema final, pois o emprego de motorização de baixa potência,
de preferência elétrica, pode resolvê-lo muito bem. Seja lá como for o caminho
correto é: primeiro as cidades devem se preparar/adaptar para as bicicletas e
não o contrário. A foto abaixo é típica de uma boa integração entre modais
(recomendo passeios pelo Google street view em algumas cidades da Europa, como
Copenhague e Amsterdam, ambas nota 10 no quesito cidade amigável às bicicletas).
Vê-se faixas para bicicletas, existentes em praticamente todas as ruas, ônibus,
linhas de bondes e transporte fluvial. Todos são utilizados, em conjunto com
trens e metrô, porém as bicicletas imperam nessas cidades (quase perfeitamente
planas).
Triciclos/quadriciclos
motorizados; pequenos “scooters”: Muitas cidades europeias permitem tais veículos
nas faixas de bicicletas e em calçadas largas, desde que a velocidade seja no
máximo igual à das bicicletas (ou pedestres). Pessoas idosas e deficientes
utilizam muito esses veículos. Para evitar abusos em regiões onde respeitar
regras não é habito espraiado da população, a tecnologia moderna permite que
veículos licenciados para trafegar nessas faixas possam ser equipados com
limitadores de velocidade. Sendo concessão municipal, o uso de limitadores pode
perfeitamente ser obrigatório. Quero deixar claro que não sou favorável ao emprego
em larga escala de scooters como se vê em muitas cidades da Ásia, do modo como se
usam motocicletas no Brasil, isso é extremamente perigoso.
Motocicletas: é o meio de
transporte individual que mais cresce no Brasil, principalmente nas regiões
mais pobres, e não pode ser evitado. Mas poderia ser mais bem disciplinado em
prol da segurança, como já coloquei em n postagens; não há locomoção
mais indisciplinada no Brasil do que a feita em motocicletas, pois a fiscalização
de percurso é nula. O grande problema é que elas disputam espaço nas ruas e
avenidas com carros, caminhões e ônibus em enorme desigualdade de
condições, em lutas tipo peso pesado contra peso mosca; e ainda persistem os
malditos e legais “corredores da morte” que já comentei.
Automóveis: — “Vereador Roberto Tripoli (na CPI da Câmara Municipal de São Paulo sobre as “planilhas”
das empresas de ônibus): Eu penso Vereador Eduardo Tuma,
que nós temos que inviabilizar
o carro particular na cidade de São Paulo. Inviabilizar.” – Postagem de 22 de agosto deste
ano. Então é isso, vamos
inviabilizar o carro particular nos grandes centros.
Quais seriam as consequências
imediatas? (a) Pelo menos em São Paulo, sobrecarregar o transporte público, que
hoje opera no limite de sua capacidade com vários milhões de passageiros adicionais
por dia. E a frota adicional necessária? E a ampliação da área de cobertura
geográfica? (b) Se ocorresse aumento da frota e cobertura, aumentaria o déficit
operacional do transporte público municipal e estadual em vários bilhões de
reais por ano, que seriam cobertos por subsídios públicos; menos recursos para
saúde, educação, segurança e tudo o mais que governos devem retornar aos
munícipes. Sim, porque num sistema deficitário como o de ônibus de São Paulo, em que a
prefeitura tirou de seu orçamento em 2012 R$ 0,33 para cada passageiro transportado, um milhão de passageiros a mais significaria um subsídio extra de R$ 326.710,00 no ano (supondo a mesma porcentagem de gratuidades). Quem pagaria a conta? O contribuinte, indistintamente, pobres e ricos (pesando mais sobre os pobres),
usuários ou não de transportes coletivos.
É evidente que muitos carros
atravancam o trânsito, eles ocupam demais o espaço das ruas por pessoa
transportada. É evidente que o transporte coletivo deve ser priorizado. É
evidente que no conflito atual o uso intensivo de carros deve (e pode) ser progressivamente
desestimulado. Mas isso não pode ser feito de afogadilho, é preciso
planejamento e implantação escalonada de ações corretas e concretas. Por outro
lado, é bom não esquecer que no transporte individual é o indivíduo que arca
com seus custos (sem considerar investimentos públicos em infraestrutura; esses
sim devem se voltar prioritariamente para o transporte público). Custo de
investimento em “material rodante”, “motoristas”, combustíveis, pneus,
manutenção, seguros, depreciação e, ah, impostos e taxas. Somente sobre
combustíveis incidem ICMS (até 25% para gasolina e álcool), Cide-combustíveis (hoje
zerada em função da macropolítica econômico-financeira do governo federal), PIS,
Cofins e imposto de importação. Fora IPVA, taxas de licenciamento e impostos sobre
produtos (veículos e peças de manutenção). E sem considerar a arrecadação com multas...
O transporte individual por automóveis já subsidia muito mais do que o transporte
coletivo, “subsidia” boa fração da economia brasileira. Mas tem gente querendo matar
a galinha que bota ovos de ouro.
Então o problema do transporte não
tem solução?
Tem. Mais competência e menos populismo
por parte dos políticos e administradores públicos.
Pensando bem, esperar por isso no
Brasil, hum... É, é bem possível que não haja solução.
03 de setembro de 2013
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