terça-feira, 3 de setembro de 2013

A mobilidade urbana no Brasil:sonho ou pesadelo? 4


 


 

Ônibus ou automóvel? Da maneira como muitas autoridades colocam o problema da dificuldade para se locomover em grandes centros urbanos parece que essa é a luta do século. Na verdade não é. Entre ônibus e automóvel a resposta correta é: os dois, além de outras modalidades de transporte.

Automóvel, nesse contexto, é apenas um símbolo, pois a pergunta correta a se fazer é: transporte coletivo ou transporte individual? A resposta é a mesma, os dois.

Afinal, o que caracteriza um e outro? Vejamos, começando com o transporte individual, pois durante milênios não houve outro meio.

Andar a pé: é o mais natural “meio de transporte” desde que o mundo é mundo. Faz bem à saúde, não polui, não congestiona cidades... Mas parece que no Brasil as autoridades desconhecem esse “modal” de transporte. Se assim não fosse, as calçadas de nossas cidades não seriam a vergonha de todas as vergonhas que são e nem seria tão difícil e perigoso como é atravessar ruas. Quantas vezes não ouvi de estrangeiros a pergunta: por que no Brasil as pessoas andam pelas ruas e não nas calçadas? Eu engolia em seco e tentava mudar de assunto. Mães empurrando carrinhos de bebês, crianças, idosos e deficientes são os que mais sofrem com a cultura oficial e leis estúpidas que conduzem a essa situação vexatória. É impossível empurrar carrinhos de bebê por mais de 50 metros em 90% das calçadas de São Paulo. Mas a resposta ao problema é extremamente simples. Por comodismo e “economia” os municípios jogam aos munícipes a responsabilidade total pela construção e manutenção de calçadas, imitando canhestramente o que se faz em alguns países onde leis são levadas a sério, onde o padrão de vida é elevado, e onde existe competência técnica para criar e forçar a aplicação de boas normas de construção. Ora, em assim sendo os proprietários de terrenos “lindeiros” (linda palavra, não?) adotam a mais óbvia das interpretações: se eu pago pela construção da calçada (onde, em função do péssimo urbanismo de nossas cidades, é possível se construir calçadas que mereçam esse nome) e sua conservação (?) ela não é um espaço exclusivamente público, portanto eu tenho o direito de construí-la do modo mais conveniente e econômico para mim. Não consigo criticar essa linha de raciocínio, a qual é absolutamente lógica para nossa cultura. O resultado inevitável é o que se conhece, legal ou não.

Bicicleta: parece ser aos olhos de muitos políticos a panaceia universal contra todos os males do trânsito. Sem dúvida as bicicletas deveriam receber cem vezes mais atenção do que recebem dos poderes municipais, mas têm certas limitações que precisam ser levadas em conta. Não se prestam ao transporte individual em grandes distâncias, estão fora da possibilidade de muitas pessoas (idosos, deficientes...) e o uso é penoso em clima ruim e topografia acidentada. O último ponto não é um problema final, pois o emprego de motorização de baixa potência, de preferência elétrica, pode resolvê-lo muito bem. Seja lá como for o caminho correto é: primeiro as cidades devem se preparar/adaptar para as bicicletas e não o contrário. A foto abaixo é típica de uma boa integração entre modais (recomendo passeios pelo Google street view em algumas cidades da Europa, como Copenhague e Amsterdam, ambas nota 10 no quesito cidade amigável às bicicletas). Vê-se faixas para bicicletas, existentes em praticamente todas as ruas, ônibus, linhas de bondes e transporte fluvial. Todos são utilizados, em conjunto com trens e metrô, porém as bicicletas imperam nessas cidades (quase perfeitamente planas).







 

Triciclos/quadriciclos motorizados; pequenos “scooters”: Muitas cidades europeias permitem tais veículos nas faixas de bicicletas e em calçadas largas, desde que a velocidade seja no máximo igual à das bicicletas (ou pedestres). Pessoas idosas e deficientes utilizam muito esses veículos. Para evitar abusos em regiões onde respeitar regras não é habito espraiado da população, a tecnologia moderna permite que veículos licenciados para trafegar nessas faixas possam ser equipados com limitadores de velocidade. Sendo concessão municipal, o uso de limitadores pode perfeitamente ser obrigatório. Quero deixar claro que não sou favorável ao emprego em larga escala de scooters como se vê em muitas cidades da Ásia, do modo como se usam motocicletas no Brasil, isso é extremamente perigoso.

Motocicletas: é o meio de transporte individual que mais cresce no Brasil, principalmente nas regiões mais pobres, e não pode ser evitado. Mas poderia ser mais bem disciplinado em prol da segurança, como já coloquei em n postagens; não há locomoção mais indisciplinada no Brasil do que a feita em motocicletas, pois a fiscalização de percurso é nula. O grande problema é que elas disputam espaço nas ruas e avenidas com carros, caminhões e ônibus em enorme desigualdade de condições, em lutas tipo peso pesado contra peso mosca; e ainda persistem os malditos e legais “corredores da morte” que já comentei.

Automóveis: — “Vereador Roberto Tripoli (na CPI da Câmara Municipal de São Paulo sobre as “planilhas” das empresas de ônibus): Eu penso Vereador Eduardo Tuma, que nós temos que inviabilizar o carro particular na cidade de São Paulo. Inviabilizar.” – Postagem de 22 de agosto deste ano.  Então é isso, vamos inviabilizar o carro particular nos grandes centros.

Quais seriam as consequências imediatas? (a) Pelo menos em São Paulo, sobrecarregar o transporte público, que hoje opera no limite de sua capacidade com vários milhões de passageiros adicionais por dia. E a frota adicional necessária? E a ampliação da área de cobertura geográfica? (b) Se ocorresse aumento da frota e cobertura, aumentaria o déficit operacional do transporte público municipal e estadual em vários bilhões de reais por ano, que seriam cobertos por subsídios públicos; menos recursos para saúde, educação, segurança e tudo o mais que governos devem retornar aos munícipes. Sim, porque num sistema deficitário como o de ônibus de São Paulo, em que a prefeitura tirou de seu orçamento em 2012 R$ 0,33 para cada passageiro transportado, um milhão de passageiros a mais significaria um subsídio extra de R$ 326.710,00 no ano (supondo a mesma porcentagem de gratuidades). Quem pagaria a conta? O contribuinte, indistintamente, pobres e ricos (pesando mais sobre os pobres), usuários ou não de transportes coletivos.

É evidente que muitos carros atravancam o trânsito, eles ocupam demais o espaço das ruas por pessoa transportada. É evidente que o transporte coletivo deve ser priorizado. É evidente que no conflito atual o uso intensivo de carros deve (e pode) ser progressivamente desestimulado. Mas isso não pode ser feito de afogadilho, é preciso planejamento e implantação escalonada de ações corretas e concretas. Por outro lado, é bom não esquecer que no transporte individual é o indivíduo que arca com seus custos (sem considerar investimentos públicos em infraestrutura; esses sim devem se voltar prioritariamente para o transporte público). Custo de investimento em “material rodante”, “motoristas”, combustíveis, pneus, manutenção, seguros, depreciação e, ah, impostos e taxas. Somente sobre combustíveis incidem ICMS (até 25% para gasolina e álcool), Cide-combustíveis (hoje zerada em função da macropolítica econômico-financeira do governo federal), PIS, Cofins e imposto de importação. Fora IPVA, taxas de licenciamento e impostos sobre produtos (veículos e peças de manutenção). E sem considerar a arrecadação com multas... O transporte individual por automóveis já subsidia muito mais do que o transporte coletivo, “subsidia” boa fração da economia brasileira. Mas tem gente querendo matar a galinha que bota ovos de ouro.

Então o problema do transporte não tem solução?

Tem. Mais competência e menos populismo por parte dos políticos e administradores públicos.  

Pensando bem, esperar por isso no Brasil, hum... É, é bem possível que não haja solução.

03 de setembro de 2013

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