segunda-feira, 24 de junho de 2013

Duas semanas que abalaram o Brasil


Difícil manter as postagens na situação que se instaurou no país. Decidi parar por uns dias, agora volto.
É grande a tentação de “entrar no clima” e escrever sobre o que está acontecendo, mas não farei isso. Escolhi uma temática para este blog e vou me ater a ela. Mas há paralelos.
Escrevo, basicamente, sobre desleixos generalizados dos poderes constituídos que eternizam a matança (evitável) de dezenas de milhares de brasileiros no trânsito todos os anos. Esse item não está nas listas de reivindicações populares contra desleixos de políticos sobre quase tudo, conforme tem sido visto em cartazes nas ruas, mas poderia estar, pois o estopim das manifestações estava ligado com o transporte coletivo, passagens caras para transporte ruim... Há clara conexão.
 
Falo sobre a necessidade de segurança nos transportes, individual e coletivo.
Transporte caro, ruim e... perigoso. Dois gravíssimos acidentes com ônibus no país na semana passada e nenhuma repercussão. Se fossem de aviões...
Deixando de lado outras preocupações, fico com a insatisfação do povo (com ou sem manifestações) com o transporte coletivo por ônibus. Para variar uso São Paulo como exemplo.
O sistema de transporte por ônibus na cidade é péssimo ou o urbanismo da cidade é péssimo para comportar um bom sistema de transporte por ônibus?
Ambos são verdadeiros e isso é valido para todas as regiões metropolitanas do Brasil. Pois nossa cultura política permanece no tempo dos burgos do século 17 (já escrevi sobre isso). Não temos a cultura do planejamento urbano metropolitano e muito menos estrutura legislativa de administração metropolitana.
O problema não é só das cidades, mas é também delas. Vi na última semana o prefeito Fernando Haddad anunciar muito constrangido a revogação do aumento de vinte centavos no preço da passagem de ônibus. Os investimentos da prefeitura serão prejudicados, alertou. Serão 200 milhões de reais a mais em subsídios ao transporte somente este ano, somando-se aos 1,25 bilhão previstos no orçamento, os quais serão abatidos de investimentos a serem escolhidos ainda...
Interessante a cultura política brasileira. Contra compromissos financeiros crescentes as receitas são sempre ou aumento de impostos ou cortes em investimentos públicos, que já são baixíssimos perante o que se arrecada. A última coisa que se ouve (aliás, acho que nunca ouvi) é governos anunciarem estudos sérios para cortar despesas em atividades MEIO, aquelas puramente burocráticas, que em tese servem para organizar e manter as atividades fim importantes – custeio direto da educação, da saúde, de segurança pública e todas as outras.  Há várias que nem para isso servem, como as de autopromoção publicitária.
Mas Haddad disse algo correto em si, o custo do sistema de transporte pode ser diminuído se sua produtividade aumentar. Ele prometeu aumentos de produtividade. Não vai conseguir.
O principal fator da pequena produtividade do transporte por ônibus, mais do que conhecido é a baixa velocidade média do trânsito em corredores ou não nos horários de pico (que já se emendam durante o dia). Por sinal, dizer que São Paulo possui verdadeiros corredores de ônibus é caridade, na verdade existem faixas exclusivas e olhe lá. E mal aproveitadas, devido ao excesso de linhas diferentes.
A velocidade média nos “corredores” e faixas atuais está limitada pelos fatores trânsito congestionado e restrições nos tempos de abertura dos faróis. Além de pontos de cruzamento entre faixas (vou chamá-las assim), os tempos não podem ser exageradamente aumentados sem que o congestionamento que se espalha pelas ruas vizinhas envenene de volta a faixa.
Para melhorar a eficiência será necessário investir muito e o que o prefeito anunciou é que investimentos em geral diminuirão (a menos que o governo federal ofereça às prefeituras um pacote de bondades pouco provável, perante a presente deterioração dos fundamentos econômicos do país). Como exemplo, cito a modernização do sistema de semáforos – que comentei em postagem de 05 de abril de 2013: o prefeito anunciou investimentos de 500 milhões de reais, com os quais a modernização dos 6 mil e tantos semáforos de Sampa custaria por unidade quatro vezes mais do que custou a modernização já efetuada dos 12 mil e tanto de Nova Iorque.  A esse custo é até bom que o projeto seja cancelado.
 
Os trabalhos do governo estadual em andamento de ampliação e modernização do transporte sobre trilhos demorarão a fazer efeito. Enquanto isso mais gente opta por motocicletas para ter uma opção de transporte e fugir dos congestionamentos. E os acidentes só aumentam.
24 de junho de 2013

segunda-feira, 17 de junho de 2013


Ação ou omissão parlamentar?


O Congresso brasileiro criou uma “Frente Parlamentar em Defesa do Trânsito Seguro”. Magnífico!

Quando?

Numa primeira fase isso ocorreu em 2003, mas permaneceu dormente. A partir de 2011 as coisas começaram a se mover um pouco mais.

O link abaixo vai diretamente à Câmara dos Deputados, noticiando a instalação da mencionada Frente:


Pelo press release, há mais de 200 parlamentares das duas casas do Congresso em tese compromissados com a Frente e, consequentemente, com seu objetivo:

O Congresso Nacional, como legítimo representante desta sociedade, assumirá seu papel diante do desafio, mediante a ação da FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DO TRÂNSITO SEGURO, estabelecendo como missão exclusiva para essa 54ª legislatura garantir as condições legislativas para a plena execução das propostas da DÉCADA”.

Já discorri sobre a Resolução da ONU, a que o Brasil aderiu, denominada Década Mundial de Ação pela Segurança no Trânsito. Vejamos de novo alguns detalhes, conforme o press release da Câmara:

“A Assembléia (sic) Geral da Organização das Nações Unidas no dia 02 de março de 2010 proclamou oficialmente o período de 2011 a 2020 como a Década Mundial de Ação pela Segurança no Trânsito para estimular esforços em todo o mundo para conter e reverter a tendência crescente de fatalidades e ferimentos graves em acidentes no trânsito no planeta.

A proposta de adoção de uma campanha decenal mundial teve origem em vários encontros internacionais e consagrou-se no I Congresso Mundial Ministerial de Segurança Viária, realizado em novembro de 2009 em Moscou, onde o Brasil se fez representar por uma delegação chefiada pelo Deputado Hugo Leal e composta por dirigentes do Ministério da Saude e representantes de associações de vitimas.

A resolução editada pela ONU, que representa a vontade e decisão dos 192 países membros da organização. Capitaneada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o conjunto de agências da ONU, além de outros organismos internacionais, terão a missão de reduzir pela metade o número de fatalidades no trânsito mundial, cujas projeções apontam para 2 milhões de mortes em 2020”.

O objetivo está explícito no último parágrafo. Cada país cuida de seu quintal. Em postagem de 29 de março de 2013 escrevi sobre a “resposta” do executivo federal, composta por um “pacto” denominado Parada.

Devo reconhecer que o parlamentar mais ativo no Congresso Nacional sobre assuntos de segurança no trânsito é o deputado Hugo Leal. Ele é o presidente da Frente Parlamentar de que estou falando.

Instalada oficialmente, a Frente Parlamentar criou um Portal na Internet (iniciativa louvável). O link é o que se segue:


Um breve passeio pelo Portal, entretanto, me leva a imaginar que no país das promessas tudo continua como antes no quartel de Abrantes. E que deverá continuar assim, apesar do esforço de um ou outro abnegado.

Primeiro exemplo: não há citação no Portal a respeito da iniciativa sobre a qual dediquei algumas postagens recentemente: a PEC 55. De onde imagino que essa PEC vai mofar em gavetas por décadas.

Segundo exemplo, encontro no Portal a seguinte notícia:

Parlamentares realizam primeira reunião preparatória para a Comissão Geral de Segurança Pública e violência no Trânsito


07 mar 2013
A Comissão de Legislação Participativa realizou, nesta terça-feira (5), a primeira reunião preparatória para a Comissão Geral de Segurança Pública e Violência no Trânsito, que será realizada no dia 19 de março pela Câmara dos Deputados. A reunião teve a participação de parlamentares, de autoridades do Governo Federal e de representantes de órgãos federais do setor.
Estiveram presentes os deputados Lincoln Portela (PR-MG) e Hugo Leal (PSC-RJ); além de representantes da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República; do Ministério da Justiça; da Secretaria Nacional de Segurança Pública; da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal.

Mais uma Comissão? Esta fala não só da violência no trânsito, mas da segurança pública em geral! Tá bom, era uma reunião preparatória, e contou com a presença enorme de... dois deputados (um deles Hugo Leal, parabéns deputado). Procuro notícias sobre a tal reunião que teria sido realizada no dia 19 de março e nada encontro! As “notícias” existentes no Portal são de menor importância e a agenda trata principalmente de... 2012.  

Então, onde ficamos?

Há uma agenda parlamentar no Congresso para tratar de temas que realmente podem causar grande impacto na diminuição de nossa incivilidade no trânsito? Por exemplo, atuar para que órgãos do Sistema Nacional de Trânsito obedeçam às leis? Rever profundamente o Código de Trânsito Brasileiro, principalmente face à nova realidade que a explosão da frota de motocicletas tem criado no Brasil?

Aparentemente teremos um pouco mais do mesmo.

Desculpem meu pessimismo, mas para onde olho não vejo como o Brasil poderá conseguir civilizar seu trânsito tão cedo.

17 de junho de 2013

quarta-feira, 12 de junho de 2013


Corredor da morte


Interrompo (ma non troppo) a análise da legislação do trânsito brasileiro para discorrer sobre um tema específico. No Brasil existem corredores da morte. Milhares. Eles foram criados pela legislação. 
Na cidade de São Paulo algumas rádios dão bom espaço ao trânsito e milhões de motoristas seguem as notícias com atenção, enquanto se arrastam em seu congestionadíssimo trânsito. Pelo menos uma rádio tem sua programação dedicada totalmente ao trânsito. Elas são muito uteis.
Não há dia em que estando no trânsito com o radio sintonizado numa dessas estações, que não ouço no espaço de menos de uma hora pelo menos um caso de rua ou avenida total ou parcialmente bloqueada em função de acidente carro-moto, ônibus-moto, caminhão-moto, moto-moto ou atropelamento por moto. Procuro na Internet estatísticas diárias de algum órgão oficial, como o Resgate (Corpo de Bombeiros), ou CET, ou seja lá de que for, e não encontro. Sabemos que em acidentes de trânsito com vítimas é obrigatória e emissão de um BO policial, mas... Pela amostragem do que se ouve nas rádios dezenas de casos devem estar ocorrendo todos os dias. 
Mesmo sem estatísticas, sabemos qual é a causa principal dessa tragédia programada: os CORREDORES DA MORTE.
Comentei parcialmente este fato em postagem do dia 16 de maio de 2013, a qual versava sobre a segurança passiva de veículos em geral. Pela importância do assunto vou repetir parte dessa postagem (em azul) no que se refere às motos:
É importante aqui frisar que a proibição do tráfego ‘”no corredor” estava prevista na proposta original do CTB, [em seu artigo 56, dentro do Capítulo III – Das normas gerais de circulação e conduta] tendo sido vetada em função das seguintes ALEGAÇÕES:
“Razões do veto: “Ao proibir o condutor de motocicletas e motonetas a passagem entre veículos de filas adjacentes, o dispositivo restringe sobre maneira a utilização desse tipo de veículo que, em todo o mundo, é largamente utilizado como forma de garantir maior agilidade de deslocamento. Ademais, a segurança dos motoristas está, em maior escala, relacionada aos quesitos de velocidade, de prudência e de utilização dos equipamentos de segurança obrigatórios, os quais encontram no Código limitações e padrões rígidos para todos os tipos de veículos motorizados.”
Esse veto foi ativado por fortes “lobbies”. O trecho sublinhado acima É EM GRANDE PARTE FALSO: em países adiantados motocicletas devem obedecer as mesmas regras de circulação aplicáveis aos outros veículos; é proibida a passagem em corredores ou pela direita entre veículos e calçadas ou acostamentos. Quanto aos “demais quesitos de velocidade e prudência”, sabemos que não há fiscalização a respeito, a qual, embora não sendo de implantação simples não é, por outro lado, impossível. “Equipamentos de segurança obrigatórios” pouco protegem na maioria dos acidentes, o air bag do motociclista é ele mesmo. Os resultados dessa legislação e da (não) prática de fiscalização tem sido catastróficos, como todos sabem, e vêm piorando a cada dia. Pior é o fato de que essa prática estar consolidada como “direito adquirido” na mente de muitos, tornando quase impossível ser alterada no futuro. O Brasil se acostumou com as mortes em volumes de campos de extermínio de ocupantes de motocicletas”.
 
Confirmando o dito na postagem de 16/05, raros países adiantados permitem tráfego de motocicletas no corredor e quando permitem o fazem com restrições. A Bélgica, por exemplo, permite, mas o diferencial de velocidade é limitado em 20%. Portanto, quando as filas estão se deslocando rapidamente (próximas da velocidade máxima permitida) as motos não podem permanecer no corredor e os pilotos obedecem.
Os perigos de se transitar pelo corredor são muitos, difíceis até de explicitar. Um dos principais é o diferencial de velocidade, agravante para qualquer tipo de ocorrência imprevista; outro, evidentemente, é o excesso de velocidade das motos. Quem dirige pelas marginais de São Paulo sabe, mesmo a 90 km/h em horários de trânsito livre as motos (todas) passam zunindo pelos corredores. A palavra prudência parece não constar do dicionário de grande parte dos jovens pilotos de motocicleta, profissionais ou não, exatamente os que mais morrem ou ficam incapacitados nos milhares de acidentes pelo Brasil afora por ano. Não há a mínima possibilidade de haver trânsito seguro nessas condições. Quinze anos de prática depois da entrada em vigor do CTB comprovam essa afirmação.
O que fazer para diminuir a carnificina? O correto seria reinstituir o Artigo 56 do CTB e exercer fiscalização, mas qual é o político que aceitaria o desafio de tentar?
E por que não discutir alternativas, como na Bélgica? Por exemplo, poderia ser permitido às motos, quando o trânsito para completamente em congestionamentos ou sinais, e somente nessas circunstâncias, avançar cuidadosamente (a fim de evitar atropelamentos) a no máximo 20 km/h, até que o trânsito volte a andar ou elas atinjam o ponto de parada em frente ao semáforo. Com isso elas manteriam grande parte de sua “agilidade no trânsito”.
Mas o mais provável é que as coisas continuem como estão por mais vinte anos, pelo menos.
12 de junho de 2013

terça-feira, 11 de junho de 2013


Proposta de Emenda à Constituição (PEC 55) 3


Em função de sua importância, creio ser necessário aprofundar mais um pouco a discussão dessa proposta de emenda à constituição. Já disse que do jeito como está redigida me parece altamente inadequada e propensa a criar confusões.

O Capítulo III de nossa Constituição trata da Segurança Pública. É onde deve se encaixar a segurança no trânsito. Contém apenas um Artigo, o de número 144. Vejamos seu parágrafo inicial:

Capítulo III - Da Segurança Pública

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

São cinco órgãos policiais, estando um deles (o terceiro) hoje obsoleto. Segue-se no artigo 144:

§ 1o – Define as atribuições da polícia federal;

 § 2o – Define as atribuições da polícia rodoviária federal;

§ 3o – Define as atribuições da polícia ferroviária federal;

§ 4o – Define as atribuições das polícias civis [dos estados e distrito federal];

§ 5o – Define as atribuições das polícias militares e dos corpos de bombeiros [dos estados e distrito federal];

§ 6o – Estipula que as polícias militares (e bombeiros) são forças auxiliares e reserva do exército e que respondem aos governadores;

§ 7o – Estipula que a lei disciplinará a organização e funcionamento dos órgãos de segurança públicos acima listados;

§ 8o – Permite que Municípios possam criar guardas municipais (e não forças policiais) para proteção de seu patrimônio, como visto em postagens anteriores. Fim do capítulo.

Um exemplo: § 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.

Não sou jurista ou advogado, mas creio estar claro que uma emenda ao § 8o não criará uma sexta força policial em adição às cinco listadas no início do Artigo 144.

Não consigo entender que tipo de autoridade a PEC 55 está propondo (ou inventando). Tenho repetido ad nauseam nestas postagens que no mundo inteiro policiamento de trânsito é feito com policiais, pertencendo eventualmente a brigadas especiais, treinadas para essa finalidade. Agentes de trânsito, quando existem, são elementos auxiliares.

Vejamos o que vai sair das discussões que virão.

11/06/2013

segunda-feira, 10 de junho de 2013


Proposta de Emenda à Constituição (PEC 55) 2


Será que essa PEC, do modo como está redigida, terá o condão de facilitar a resolução de nosso maior problema de trânsito?

Tenho cá minhas dúvidas. A primeira vista parece que sim. Repito aqui parte de uma das justificativas:

... a presente Proposta de Emenda à Constituição pretende inserir no § 8º, do art. 144, da Constituição Federal, a previsão da existência de órgão municipal de fiscalização e controle de trânsito, estruturado em carreira, ao qual é atribuída a competência para exercer as funções de policiamento de trânsito...”

Mas...

Mas primeiro é preciso saber se a intenção do legislador é realmente entregar aos Municípios, (pelo menos àqueles integrados no Sistema Nacional de Trânsito) real poder de polícia a fim de que eles possam efetivamente passar a exercer POLICIAMENTO de trânsito.

Se assim for a razão do inciso II na PEC não faz sentido: “II A lei regulamentará o piso remuneratório dos guardas municipais e dos agentes de fiscalização e controle de trânsito".

É totalmente descabido chegar ao extremo de detalhar em uma Constituição Federal que determinadas categorias terão pisos salariais regulamentados. Por não o de todas as categorias profissionais, então, lembrando que elas são mutáveis no tempo e no espaço?

Quero deixar claro que nada tenho contra a regulamentação de planos de carreira e pisos salariais de seja lá quem for, especialmente a dos agentes de trânsito. Em mais de uma postagem elogiei a atuação desses agentes com seus limitados poderes, incompreendidos pela população e trabalhando em geral em condições dificílimas. Mas daí a haver norma constitucional exigindo piso remuneratório...

Não é de se estranhar, portanto, que as associações representativas dos agentes de trânsito municipais de todo o Brasil têm exercido forte pressão no Congresso pela rápida tramitação dessa PEC. É direito deles, mas por outro lado, a carona que esse inciso pegou no texto principal da PEC me leva a desconfiar de forte motivação política para sua submissão. A Constituição não deve ser prestar a conveniências políticas ocasionais.

Creio também que a inserção proposta no § 8º do Artigo 144 está longe de ser clara. Ela diz que os Municípios, além de poderem constituir guardas municipais, passarão a poder constituir “órgãos municipais de fiscalização e controle de operações de trânsito conforme dispuser a lei”. Ora, órgãos municipais de fiscalização e controle de operações de trânsito já existem. Sem dispor de um deles, operacional, um Município não pode se integrar ao SNT, conforme o CTB. Prestem atenção, não é uma guarda municipal, que sugere polícia, mas sim um “órgão municipal de trânsito”. Para que essa redundância? Por que as próprias guardas municipais não podem assumir essa responsabilidade? Na verdade é porque esses órgãos já existem (em muitos municípios).

Então o inciso II tenta esclarecer: “II o órgão municipal de fiscalização e controle de trânsito, organizado e mantido pelo município e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao exercício das funções de policiamento de trânsito, no âmbito da circunscrição municipal”. Aqui surge a palavra policiamento no lugar de fiscalização e controle. Haja confusão, parece até que é proposital.  

Muito estranho. Vejo um novo dispositivo constitucional permitindo a criação de órgãos municipais, destinados ao policiamento de trânsito, sugerindo que eles devem ser independentes dos órgãos de gestão do trânsito, mas não vejo nada explicitando que será conferido PODER DE POLÍCIA a alguém dentro desses órgãos. Nem definindo quais e quantos poderes. Poder de polícia de trânsito significa no mínimo AUTORIDADE POLICIAL para abordar veículos e cidadãos, a fim de exigir, por exemplo, vistoria de documentos e veículos, retenção ou apreensão dos mesmos quando irregulares, e até mesmo dar voz de prisão quando da ocorrência de flagrantes de crimes de trânsito, coisas que hoje os agentes de trânsito municipais não podem fazer. As palavras “funções de policiamento de trânsito” são vagas demais; o que isso significa? O poder de polícia (ou quem possui esse poder) está definido na própria Constituição e sem uma manifestação explícita de que outros agentes claramente especificados em tipo e formação, além daqueles que a Constituição hoje reconhece, passarão a exercer esse poder (pelo menos em certos campos de atuação) haverá evidente conflito entre normas constitucionais distintas.

“Na forma da lei” pode-se definir quem dentro de um órgão municipal de fiscalização e controle de trânsito exercerá o policiamento de trânsito nos municípios. Informei no passado que em Nova Iorque, por exemplo, Agentes Nível 4 (funcionários do Departamento de Polícia da cidade) tem certo poder de polícia. Mas no Brasil será necessário que os poderes desses agentes sejam claramente definidos na Constituição.  Não será um órgão municipal, mas sim pessoas que efetivamente exercerão o patrulhamento ostensivo de trânsito. Um órgão municipal possui de contínuos a faxineiros, ascensoristas e administradores. Quem dentro deles terá autoridade policial?

A PEC 55 precisará ser profundamente discutida antes de ser levada a plenário. Como está ela poderá causar ainda mais confusão em nosso caótico e fragmentado sistema trânsito. 

10/06/2013

sábado, 8 de junho de 2013


Proposta de Emenda à Constituição PEC 55


Em postagem anterior informei que tramita no Congresso uma PEC visando reparar séria lacuna criada pelo Código de Trânsito Brasileiro. Há prós e contras na proposta e é difícil julgar a priori se o copo está meio cheio o meio vazio.

Um problema fundamental do sistema trânsito brasileiro, que critiquei em inúmeras postagens é: a fiscalização policial desapareceu das cidades. (ver, por exemplo, as postagens de 13/7, 18/7, 19/7, 12/08, 19/08, 20/08, 25/08, todas de 2011; e 25/04, 26/04, 29/04, 02/05, todas de 2013).

  Antes de informar o que essa PEC pretende mudar, vale a pena repetir parte de suas justificativas:

“Com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), aprovado pela Lei Federal nº 9.503/97, o município, e não mais o Estado, passou a ser o grande e principal gestor do trânsito.” [nos municípios].

 “De forma expressa, em seu art. 24, o CTB estabelece que compete aos municípios, [nas competências dos municípios] por meio de seu órgãos e entidades executivos de trânsito, entre outras competências: I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;... VI - executar a fiscalização de trânsito...”.

 “Por sua vez, a Resolução No 106 do CONTRAN, de 21 de dezembro de 1999, que dispõe sobre a integração dos órgãos e entidades executivos municipais rodoviários e de trânsito ao Sistema Nacional de Trânsito, fixou, em seu art. 1º, como requisitos para que o Município venha a integrar tal sistema, que os Municípios disponham de mecanismos legais para o exercício das atividades de engenharia de tráfego, fiscalização de trânsito, ...”

 “Assim, tendo em vista as exigências constantes do citado dispositivo, a presente Proposta de Emenda à Constituição pretende inserir no § 8º, do art. 144, da Constituição Federal, a previsão da existência de órgão municipal de fiscalização e controle de trânsito, estruturado em carreira, ao qual é atribuída a competência para exercer as funções de policiamento de trânsito...”

So far so good, como dizem os americanos. Antes de prosseguir vou lembrar artigo do CTB que “deveria” ter possibilitado aos Municípios executar o policiamento (e não simples fiscalização) de trânsito

“CTB, Art. 23. Compete às Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal:

III - executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio firmado, como agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou executivos rodoviários, concomitantemente com os demais agentes credenciados;”

Então, aparentemente, se aprovada, esta PEC pode permitir finalmente que o problema número um do trânsito no Brasil, a falta de autoridade policial fiscalizando o trânsito nas ruas das cidades brasileiras seja resolvido. Espero que sim, mas como brasileiro tenho o couro grosso, já vi (acho que todos já vimos) inúmeras promessas de resolução de problemas por legislação clara e eficaz caíram no vazio exatamente por não serem claras e eficazes.
Vejamos a redação da PEC 55, conforme submetida pelo Deputado Hugo Motta em meados de 2011:

Constituição Federal
"Art. 144. ...................................................................
§ 8º. Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens,
serviços e instalações e órgãos municipais de fiscalização e controle de operações de trânsito,
conforme dispuser a lei.
I o órgão municipal de fiscalização e controle de trânsito, organizado e mantido pelos município e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao exercício das funções de policiamento de trânsito, no âmbito da circunscrição municipal.
II A lei regulamentará o piso remuneratório dos guardas municipais e dos agentes de fiscalização e controle de trânsito.".”

Os trechos em negrito são os acréscimos que a PEC coloca no Artigo 144 da Constituição Federal.
Será que essa PEC, se aprovada, pode finalmente solucionar a lacuna do POLICIMENTO de trânsito nas cidades? Comento em próximas postagens.  

08/06/2013

quarta-feira, 5 de junho de 2013


O sistema é ruim

Estive ausente deste site por alguns dias em função de viagem. 

Em postagem de 23 de maio de 2013 disse que “A esperança morreu”.  Para mim essa frase não é força de expressão, creio sinceramente que não teremos um trânsito realmente civilizado em décadas. Os vieses de nossa cultura e sistema político dificilmente permitirão que se faça aqui, em alguns anos, o que se faz na gestão do trânsito em países civilizados, o que os leva a atingir índices de fatalidade inferiores a 5 por 100.000 habitantes. Esses valores não foram atingidos por mero acaso, ou porque as pessoas por lá possuem cultura superior, há “sistemas” de gestão pública em ação contínua. E não são secretos. Como mostrei em postagens anteriores, nosso índice deve estar acima de 30 por 100.000 habitantes e crescendo; seis vezes, portanto, acima do que poderia estar. E não é preciso ser um país rico para ter trânsito civilizado.  

Deveríamos (todos) reconhecer a realidade: NOSSO SISTEMA TRÂNSITO É RUIM. É suficiente para nos manter onde estamos, ou seja, num nível horrível e piorando de modo previsível.

Mas como? O Código de Trânsito Brasileiro não é um dos melhores do mundo?

Disse e repito, não é dos piores, mas o problema vai muito além do CTB.

·         Não há consciência generalizada do problema [incivilidade no trânsito], tanto na sociedade civil quanto nos governos;

·         Não há prioridade política para com a civilidade e segurança no trânsito;

·         Há, ao contrário, grande complacência das autoridades eleitas ou não para com nosso “magnífico sistema”. “O problema são os motoristas” é a desculpa de sempre;

·         Continuamos acreditando que basta emitir novas leis e tudo se resolve;

·         O Sistema Nacional de Trânsito (SNT) não é adequado para nos levar à civilidade no trânsito POR CONCEPÇÃO. Entretanto, pior do que suas lacunas é o fato de órgãos do SNT serem os primeiros a não obedecer LEIS  e Políticas Oficiais que norteiam suas atividades. E, pior ainda, nenhum órgão ou pessoa (Hierarquia Oficial; Congresso; Ministério Público;...) dá atenção a essas permanentes violações;

·         Sociedades não se auto-educam.

O Sistema Nacional de Trânsito precisa ser revisto em profundidade, mas poucos acreditam nisso e os que acreditam não querem se queimar com temas polêmicos.

Por que o SNT e o CTB não estão dando conta do recado?

Defendo um amplo debate a respeito, mas creio que já escrevi o suficiente a respeito. Para os que dizem que minhas críticas são questões de opinião, rebato repetindo que tenho comparado nossas práticas com as dos países que estão obtendo bons resultados, bem como com as recomendações de organizações internacionais que muitos países vêm adotando: Relatórios da WHO/WB e mais recentemente da ONU, referências para a Década Mundial para a Segurança no Trânsito.

Vejamos alguns pontos, como ilustração, deixando de lado por enquanto a questão da falta de prioridade política para com a segurança no trânsito:

·         O SNT é altamente fragmentado;

·         Não há uma AGÊNCIA FEDERAL independente, como máxima entidade responsável pela segurança no trânsito;

·         Órgãos colegiados, como o CONTRAN, são ineficientes e não se responsabilizam por resultados negativos. Além disso, o CONTRAN se dedica demais ao microgerenciamento. O CONTRAN trata do “trânsito” em geral, com pouca ênfase em sua segurança e civilidade;

·         O DENATRAN, como entidade máxima executiva é também ineficiente para esse propósito. Uma prova singela é que em 15 anos do CTB não conseguiu instituir um sistema unificado e funcional de coleta de dados sobre acidentes de trânsito abrangendo todo o país. O DENATRAN é um simples departamento, com recursos limitados, designado a um Ministério sem vocação e interesse para coordenar a gestão do trânsito brasileiro e principalmente sua segurança;

·         O SNT reconhece uma profusão de “Conselhos Estaduais” que nada fazem pela segurança no trânsito;

·         Os órgãos estaduais “máximos” executivos, os DETRAN(s), se preocupam basicamente com a burocracia do sistema trânsito: licenciamento de veículos, CNH e outros. São serviços importantes, mas que pouco contribuem para diminuir a incivilidade no trânsito;

·         Os governos estaduais abandonaram definitivamente a fiscalização e segurança do trânsito nas cidades;

·         Com raras exceções, o problema “insegurança no trânsito” não repercute entre os parlamentares do Congresso Nacional. Existe uma “Comissão Parlamentar para a Segurança no Trânsito”, existem projetos de lei e até uma PEC (PEC 55, sobre a qual escreverei em breve) em tramitação (como sempre em andamento lento e sem prioridade), mas os resultados (em redução das quantidades de acidentes, mortes e feridos) têm sido pífios. O CBT requer ampla revisão. O SNT deve ser reformulado. Isso é tarefa para o Congresso;

·         A Justiça e os Ministérios Públicos (Federal e Estadual) precisam se concentrar nas violações das leis perpetradas continuamente por órgãos oficiais que afetam negativamente nossa civilidade no trânsito. Exemplo típico é o Ministério da Educação, que procrastina eternamente a introdução da educação para o trânsito no sistema escolar;

·         O CTB no Sistema Nacional de Trânsito “municipalizou” em grande parte a gestão do trânsito – com a consequente responsabilidade por sua civilidade e segurança. Deu responsabilidade aos municípios, mas não lhes deu recursos (com o que eles se aferram às receitas advindas de multas), facilidades operacionais nem AUTORIDADE suficientes para poderem cumprir suas novas obrigações (a PCE 55, acima citada, trata da questão da autoridade para fiscalização).

Enquanto essas e outras falhas sistêmicas permanecem sem visibilidade, cerca de 160 pessoas morrem por dia em consequência de acidentes de trânsito e 1.000 sofrem ferimentos graves, que os incapacitarão total ou parcialmente pelo resto de suas vidas. Se tivéssemos um trânsito civilizado esses números cairiam para menos de 40 e 250, respectivamente (e continuariam a cair). Nas condições atuais, por ano, 45.000 pessoas não morreriam estupidamente, nem 260.000 ficariam seriamente feridas.

E daí? Quem se importa?

 

Escrito por Paulo R. Lozano em 04 de maio de 2013