O sistema é ruim
Estive ausente deste site por alguns dias em função de
viagem.
Em postagem de 23 de maio de 2013 disse que “A
esperança morreu”. Para mim essa frase
não é força de expressão, creio sinceramente que não teremos um trânsito
realmente civilizado em décadas. Os vieses de nossa cultura e sistema político
dificilmente permitirão que se faça aqui, em alguns anos, o que se faz na
gestão do trânsito em países civilizados, o que os leva a atingir índices de
fatalidade inferiores a 5 por 100.000 habitantes. Esses valores não foram
atingidos por mero acaso, ou porque as pessoas por lá possuem cultura superior,
há “sistemas” de gestão pública em ação contínua. E não são secretos. Como
mostrei em postagens anteriores, nosso índice deve estar acima de 30 por
100.000 habitantes e crescendo; seis vezes, portanto, acima do que poderia
estar. E não é preciso ser um país rico para ter trânsito civilizado.
Deveríamos (todos) reconhecer a realidade: NOSSO
SISTEMA TRÂNSITO É RUIM. É suficiente para nos manter onde estamos, ou seja, num
nível horrível e piorando de modo previsível.
Mas como? O Código de Trânsito Brasileiro não é um dos melhores
do mundo?
Disse e repito, não é dos piores, mas o problema vai muito
além do CTB.
·
Não há consciência generalizada do problema
[incivilidade no trânsito], tanto na sociedade civil quanto nos governos;
·
Não há prioridade política para com a civilidade e
segurança no trânsito;
·
Há, ao contrário, grande complacência das autoridades
eleitas ou não para com nosso “magnífico sistema”. “O problema são os
motoristas” é a desculpa de sempre;
·
Continuamos acreditando que basta emitir novas leis e
tudo se resolve;
·
O Sistema Nacional de Trânsito (SNT) não é adequado
para nos levar à civilidade no trânsito POR CONCEPÇÃO. Entretanto, pior do que
suas lacunas é o fato de órgãos do SNT serem os primeiros a não obedecer LEIS
e Políticas Oficiais que norteiam
suas atividades. E, pior ainda, nenhum órgão ou pessoa (Hierarquia Oficial; Congresso;
Ministério Público;...) dá atenção a essas permanentes violações;
·
Sociedades não se auto-educam.
O Sistema Nacional de Trânsito precisa ser revisto em
profundidade, mas poucos acreditam nisso e os que acreditam não querem se queimar
com temas polêmicos.
Por que o SNT e o CTB não estão dando conta do recado?
Defendo um amplo debate a respeito, mas creio que já escrevi
o suficiente a respeito. Para os que dizem que minhas críticas são questões de
opinião, rebato repetindo que tenho comparado nossas práticas com as dos países
que estão obtendo bons resultados, bem como com as recomendações de
organizações internacionais que muitos países vêm adotando: Relatórios da
WHO/WB e mais recentemente da ONU, referências para a Década Mundial para a
Segurança no Trânsito.
Vejamos alguns pontos, como ilustração, deixando de
lado por enquanto a questão da falta de prioridade política para com a
segurança no trânsito:
·
O SNT é altamente fragmentado;
·
Não há uma AGÊNCIA FEDERAL independente, como máxima
entidade responsável pela segurança no trânsito;
·
Órgãos colegiados, como o CONTRAN, são ineficientes e não
se responsabilizam por resultados negativos. Além disso, o CONTRAN se dedica
demais ao microgerenciamento. O CONTRAN trata do “trânsito” em geral, com pouca
ênfase em sua segurança e civilidade;
·
O DENATRAN, como entidade máxima executiva é também
ineficiente para esse propósito. Uma prova singela é que em 15 anos do CTB não
conseguiu instituir um sistema unificado e funcional de coleta de dados sobre acidentes
de trânsito abrangendo todo o país. O DENATRAN é um simples departamento, com
recursos limitados, designado a um Ministério sem vocação e interesse para
coordenar a gestão do trânsito brasileiro e principalmente sua segurança;
·
O SNT reconhece uma profusão de “Conselhos Estaduais”
que nada fazem pela segurança no trânsito;
·
Os órgãos estaduais “máximos” executivos, os DETRAN(s),
se preocupam basicamente com a burocracia do sistema trânsito: licenciamento de
veículos, CNH e outros. São serviços importantes, mas que pouco contribuem para
diminuir a incivilidade no trânsito;
·
Os governos estaduais abandonaram definitivamente a
fiscalização e segurança do trânsito nas cidades;
·
Com raras exceções, o problema “insegurança no
trânsito” não repercute entre os parlamentares do Congresso Nacional. Existe
uma “Comissão Parlamentar para a Segurança no Trânsito”, existem projetos de
lei e até uma PEC (PEC 55, sobre a qual escreverei em breve) em tramitação (como
sempre em andamento lento e sem prioridade), mas os resultados (em redução das
quantidades de acidentes, mortes e feridos) têm sido pífios. O CBT requer ampla
revisão. O SNT deve ser reformulado. Isso é tarefa para o Congresso;
·
A Justiça e os Ministérios Públicos (Federal e Estadual)
precisam se concentrar nas violações das leis perpetradas continuamente por
órgãos oficiais que afetam negativamente nossa civilidade no trânsito. Exemplo
típico é o Ministério da Educação, que procrastina eternamente a introdução da
educação para o trânsito no sistema escolar;
·
O CTB no Sistema Nacional de Trânsito “municipalizou”
em grande parte a gestão do trânsito – com a consequente responsabilidade por
sua civilidade e segurança. Deu responsabilidade aos municípios, mas não
lhes deu recursos (com o que eles se aferram às receitas advindas de multas),
facilidades operacionais nem AUTORIDADE suficientes para poderem cumprir
suas novas obrigações (a PCE 55, acima citada, trata da questão da autoridade
para fiscalização).
Enquanto essas e outras falhas sistêmicas permanecem
sem visibilidade, cerca de 160 pessoas morrem por dia em consequência de
acidentes de trânsito e 1.000 sofrem ferimentos graves, que os incapacitarão
total ou parcialmente pelo resto de suas vidas. Se tivéssemos um trânsito
civilizado esses números cairiam para menos de 40 e 250, respectivamente (e continuariam
a cair). Nas condições atuais, por ano, 45.000 pessoas não morreriam estupidamente,
nem 260.000 ficariam seriamente feridas.
E daí? Quem se importa?
Escrito por Paulo R. Lozano em 04 de maio de 2013
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