quarta-feira, 5 de junho de 2013


O sistema é ruim

Estive ausente deste site por alguns dias em função de viagem. 

Em postagem de 23 de maio de 2013 disse que “A esperança morreu”.  Para mim essa frase não é força de expressão, creio sinceramente que não teremos um trânsito realmente civilizado em décadas. Os vieses de nossa cultura e sistema político dificilmente permitirão que se faça aqui, em alguns anos, o que se faz na gestão do trânsito em países civilizados, o que os leva a atingir índices de fatalidade inferiores a 5 por 100.000 habitantes. Esses valores não foram atingidos por mero acaso, ou porque as pessoas por lá possuem cultura superior, há “sistemas” de gestão pública em ação contínua. E não são secretos. Como mostrei em postagens anteriores, nosso índice deve estar acima de 30 por 100.000 habitantes e crescendo; seis vezes, portanto, acima do que poderia estar. E não é preciso ser um país rico para ter trânsito civilizado.  

Deveríamos (todos) reconhecer a realidade: NOSSO SISTEMA TRÂNSITO É RUIM. É suficiente para nos manter onde estamos, ou seja, num nível horrível e piorando de modo previsível.

Mas como? O Código de Trânsito Brasileiro não é um dos melhores do mundo?

Disse e repito, não é dos piores, mas o problema vai muito além do CTB.

·         Não há consciência generalizada do problema [incivilidade no trânsito], tanto na sociedade civil quanto nos governos;

·         Não há prioridade política para com a civilidade e segurança no trânsito;

·         Há, ao contrário, grande complacência das autoridades eleitas ou não para com nosso “magnífico sistema”. “O problema são os motoristas” é a desculpa de sempre;

·         Continuamos acreditando que basta emitir novas leis e tudo se resolve;

·         O Sistema Nacional de Trânsito (SNT) não é adequado para nos levar à civilidade no trânsito POR CONCEPÇÃO. Entretanto, pior do que suas lacunas é o fato de órgãos do SNT serem os primeiros a não obedecer LEIS  e Políticas Oficiais que norteiam suas atividades. E, pior ainda, nenhum órgão ou pessoa (Hierarquia Oficial; Congresso; Ministério Público;...) dá atenção a essas permanentes violações;

·         Sociedades não se auto-educam.

O Sistema Nacional de Trânsito precisa ser revisto em profundidade, mas poucos acreditam nisso e os que acreditam não querem se queimar com temas polêmicos.

Por que o SNT e o CTB não estão dando conta do recado?

Defendo um amplo debate a respeito, mas creio que já escrevi o suficiente a respeito. Para os que dizem que minhas críticas são questões de opinião, rebato repetindo que tenho comparado nossas práticas com as dos países que estão obtendo bons resultados, bem como com as recomendações de organizações internacionais que muitos países vêm adotando: Relatórios da WHO/WB e mais recentemente da ONU, referências para a Década Mundial para a Segurança no Trânsito.

Vejamos alguns pontos, como ilustração, deixando de lado por enquanto a questão da falta de prioridade política para com a segurança no trânsito:

·         O SNT é altamente fragmentado;

·         Não há uma AGÊNCIA FEDERAL independente, como máxima entidade responsável pela segurança no trânsito;

·         Órgãos colegiados, como o CONTRAN, são ineficientes e não se responsabilizam por resultados negativos. Além disso, o CONTRAN se dedica demais ao microgerenciamento. O CONTRAN trata do “trânsito” em geral, com pouca ênfase em sua segurança e civilidade;

·         O DENATRAN, como entidade máxima executiva é também ineficiente para esse propósito. Uma prova singela é que em 15 anos do CTB não conseguiu instituir um sistema unificado e funcional de coleta de dados sobre acidentes de trânsito abrangendo todo o país. O DENATRAN é um simples departamento, com recursos limitados, designado a um Ministério sem vocação e interesse para coordenar a gestão do trânsito brasileiro e principalmente sua segurança;

·         O SNT reconhece uma profusão de “Conselhos Estaduais” que nada fazem pela segurança no trânsito;

·         Os órgãos estaduais “máximos” executivos, os DETRAN(s), se preocupam basicamente com a burocracia do sistema trânsito: licenciamento de veículos, CNH e outros. São serviços importantes, mas que pouco contribuem para diminuir a incivilidade no trânsito;

·         Os governos estaduais abandonaram definitivamente a fiscalização e segurança do trânsito nas cidades;

·         Com raras exceções, o problema “insegurança no trânsito” não repercute entre os parlamentares do Congresso Nacional. Existe uma “Comissão Parlamentar para a Segurança no Trânsito”, existem projetos de lei e até uma PEC (PEC 55, sobre a qual escreverei em breve) em tramitação (como sempre em andamento lento e sem prioridade), mas os resultados (em redução das quantidades de acidentes, mortes e feridos) têm sido pífios. O CBT requer ampla revisão. O SNT deve ser reformulado. Isso é tarefa para o Congresso;

·         A Justiça e os Ministérios Públicos (Federal e Estadual) precisam se concentrar nas violações das leis perpetradas continuamente por órgãos oficiais que afetam negativamente nossa civilidade no trânsito. Exemplo típico é o Ministério da Educação, que procrastina eternamente a introdução da educação para o trânsito no sistema escolar;

·         O CTB no Sistema Nacional de Trânsito “municipalizou” em grande parte a gestão do trânsito – com a consequente responsabilidade por sua civilidade e segurança. Deu responsabilidade aos municípios, mas não lhes deu recursos (com o que eles se aferram às receitas advindas de multas), facilidades operacionais nem AUTORIDADE suficientes para poderem cumprir suas novas obrigações (a PCE 55, acima citada, trata da questão da autoridade para fiscalização).

Enquanto essas e outras falhas sistêmicas permanecem sem visibilidade, cerca de 160 pessoas morrem por dia em consequência de acidentes de trânsito e 1.000 sofrem ferimentos graves, que os incapacitarão total ou parcialmente pelo resto de suas vidas. Se tivéssemos um trânsito civilizado esses números cairiam para menos de 40 e 250, respectivamente (e continuariam a cair). Nas condições atuais, por ano, 45.000 pessoas não morreriam estupidamente, nem 260.000 ficariam seriamente feridas.

E daí? Quem se importa?

 

Escrito por Paulo R. Lozano em 04 de maio de 2013

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