segunda-feira, 10 de junho de 2013


Proposta de Emenda à Constituição (PEC 55) 2


Será que essa PEC, do modo como está redigida, terá o condão de facilitar a resolução de nosso maior problema de trânsito?

Tenho cá minhas dúvidas. A primeira vista parece que sim. Repito aqui parte de uma das justificativas:

... a presente Proposta de Emenda à Constituição pretende inserir no § 8º, do art. 144, da Constituição Federal, a previsão da existência de órgão municipal de fiscalização e controle de trânsito, estruturado em carreira, ao qual é atribuída a competência para exercer as funções de policiamento de trânsito...”

Mas...

Mas primeiro é preciso saber se a intenção do legislador é realmente entregar aos Municípios, (pelo menos àqueles integrados no Sistema Nacional de Trânsito) real poder de polícia a fim de que eles possam efetivamente passar a exercer POLICIAMENTO de trânsito.

Se assim for a razão do inciso II na PEC não faz sentido: “II A lei regulamentará o piso remuneratório dos guardas municipais e dos agentes de fiscalização e controle de trânsito".

É totalmente descabido chegar ao extremo de detalhar em uma Constituição Federal que determinadas categorias terão pisos salariais regulamentados. Por não o de todas as categorias profissionais, então, lembrando que elas são mutáveis no tempo e no espaço?

Quero deixar claro que nada tenho contra a regulamentação de planos de carreira e pisos salariais de seja lá quem for, especialmente a dos agentes de trânsito. Em mais de uma postagem elogiei a atuação desses agentes com seus limitados poderes, incompreendidos pela população e trabalhando em geral em condições dificílimas. Mas daí a haver norma constitucional exigindo piso remuneratório...

Não é de se estranhar, portanto, que as associações representativas dos agentes de trânsito municipais de todo o Brasil têm exercido forte pressão no Congresso pela rápida tramitação dessa PEC. É direito deles, mas por outro lado, a carona que esse inciso pegou no texto principal da PEC me leva a desconfiar de forte motivação política para sua submissão. A Constituição não deve ser prestar a conveniências políticas ocasionais.

Creio também que a inserção proposta no § 8º do Artigo 144 está longe de ser clara. Ela diz que os Municípios, além de poderem constituir guardas municipais, passarão a poder constituir “órgãos municipais de fiscalização e controle de operações de trânsito conforme dispuser a lei”. Ora, órgãos municipais de fiscalização e controle de operações de trânsito já existem. Sem dispor de um deles, operacional, um Município não pode se integrar ao SNT, conforme o CTB. Prestem atenção, não é uma guarda municipal, que sugere polícia, mas sim um “órgão municipal de trânsito”. Para que essa redundância? Por que as próprias guardas municipais não podem assumir essa responsabilidade? Na verdade é porque esses órgãos já existem (em muitos municípios).

Então o inciso II tenta esclarecer: “II o órgão municipal de fiscalização e controle de trânsito, organizado e mantido pelo município e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao exercício das funções de policiamento de trânsito, no âmbito da circunscrição municipal”. Aqui surge a palavra policiamento no lugar de fiscalização e controle. Haja confusão, parece até que é proposital.  

Muito estranho. Vejo um novo dispositivo constitucional permitindo a criação de órgãos municipais, destinados ao policiamento de trânsito, sugerindo que eles devem ser independentes dos órgãos de gestão do trânsito, mas não vejo nada explicitando que será conferido PODER DE POLÍCIA a alguém dentro desses órgãos. Nem definindo quais e quantos poderes. Poder de polícia de trânsito significa no mínimo AUTORIDADE POLICIAL para abordar veículos e cidadãos, a fim de exigir, por exemplo, vistoria de documentos e veículos, retenção ou apreensão dos mesmos quando irregulares, e até mesmo dar voz de prisão quando da ocorrência de flagrantes de crimes de trânsito, coisas que hoje os agentes de trânsito municipais não podem fazer. As palavras “funções de policiamento de trânsito” são vagas demais; o que isso significa? O poder de polícia (ou quem possui esse poder) está definido na própria Constituição e sem uma manifestação explícita de que outros agentes claramente especificados em tipo e formação, além daqueles que a Constituição hoje reconhece, passarão a exercer esse poder (pelo menos em certos campos de atuação) haverá evidente conflito entre normas constitucionais distintas.

“Na forma da lei” pode-se definir quem dentro de um órgão municipal de fiscalização e controle de trânsito exercerá o policiamento de trânsito nos municípios. Informei no passado que em Nova Iorque, por exemplo, Agentes Nível 4 (funcionários do Departamento de Polícia da cidade) tem certo poder de polícia. Mas no Brasil será necessário que os poderes desses agentes sejam claramente definidos na Constituição.  Não será um órgão municipal, mas sim pessoas que efetivamente exercerão o patrulhamento ostensivo de trânsito. Um órgão municipal possui de contínuos a faxineiros, ascensoristas e administradores. Quem dentro deles terá autoridade policial?

A PEC 55 precisará ser profundamente discutida antes de ser levada a plenário. Como está ela poderá causar ainda mais confusão em nosso caótico e fragmentado sistema trânsito. 

10/06/2013

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