quarta-feira, 12 de junho de 2013


Corredor da morte


Interrompo (ma non troppo) a análise da legislação do trânsito brasileiro para discorrer sobre um tema específico. No Brasil existem corredores da morte. Milhares. Eles foram criados pela legislação. 
Na cidade de São Paulo algumas rádios dão bom espaço ao trânsito e milhões de motoristas seguem as notícias com atenção, enquanto se arrastam em seu congestionadíssimo trânsito. Pelo menos uma rádio tem sua programação dedicada totalmente ao trânsito. Elas são muito uteis.
Não há dia em que estando no trânsito com o radio sintonizado numa dessas estações, que não ouço no espaço de menos de uma hora pelo menos um caso de rua ou avenida total ou parcialmente bloqueada em função de acidente carro-moto, ônibus-moto, caminhão-moto, moto-moto ou atropelamento por moto. Procuro na Internet estatísticas diárias de algum órgão oficial, como o Resgate (Corpo de Bombeiros), ou CET, ou seja lá de que for, e não encontro. Sabemos que em acidentes de trânsito com vítimas é obrigatória e emissão de um BO policial, mas... Pela amostragem do que se ouve nas rádios dezenas de casos devem estar ocorrendo todos os dias. 
Mesmo sem estatísticas, sabemos qual é a causa principal dessa tragédia programada: os CORREDORES DA MORTE.
Comentei parcialmente este fato em postagem do dia 16 de maio de 2013, a qual versava sobre a segurança passiva de veículos em geral. Pela importância do assunto vou repetir parte dessa postagem (em azul) no que se refere às motos:
É importante aqui frisar que a proibição do tráfego ‘”no corredor” estava prevista na proposta original do CTB, [em seu artigo 56, dentro do Capítulo III – Das normas gerais de circulação e conduta] tendo sido vetada em função das seguintes ALEGAÇÕES:
“Razões do veto: “Ao proibir o condutor de motocicletas e motonetas a passagem entre veículos de filas adjacentes, o dispositivo restringe sobre maneira a utilização desse tipo de veículo que, em todo o mundo, é largamente utilizado como forma de garantir maior agilidade de deslocamento. Ademais, a segurança dos motoristas está, em maior escala, relacionada aos quesitos de velocidade, de prudência e de utilização dos equipamentos de segurança obrigatórios, os quais encontram no Código limitações e padrões rígidos para todos os tipos de veículos motorizados.”
Esse veto foi ativado por fortes “lobbies”. O trecho sublinhado acima É EM GRANDE PARTE FALSO: em países adiantados motocicletas devem obedecer as mesmas regras de circulação aplicáveis aos outros veículos; é proibida a passagem em corredores ou pela direita entre veículos e calçadas ou acostamentos. Quanto aos “demais quesitos de velocidade e prudência”, sabemos que não há fiscalização a respeito, a qual, embora não sendo de implantação simples não é, por outro lado, impossível. “Equipamentos de segurança obrigatórios” pouco protegem na maioria dos acidentes, o air bag do motociclista é ele mesmo. Os resultados dessa legislação e da (não) prática de fiscalização tem sido catastróficos, como todos sabem, e vêm piorando a cada dia. Pior é o fato de que essa prática estar consolidada como “direito adquirido” na mente de muitos, tornando quase impossível ser alterada no futuro. O Brasil se acostumou com as mortes em volumes de campos de extermínio de ocupantes de motocicletas”.
 
Confirmando o dito na postagem de 16/05, raros países adiantados permitem tráfego de motocicletas no corredor e quando permitem o fazem com restrições. A Bélgica, por exemplo, permite, mas o diferencial de velocidade é limitado em 20%. Portanto, quando as filas estão se deslocando rapidamente (próximas da velocidade máxima permitida) as motos não podem permanecer no corredor e os pilotos obedecem.
Os perigos de se transitar pelo corredor são muitos, difíceis até de explicitar. Um dos principais é o diferencial de velocidade, agravante para qualquer tipo de ocorrência imprevista; outro, evidentemente, é o excesso de velocidade das motos. Quem dirige pelas marginais de São Paulo sabe, mesmo a 90 km/h em horários de trânsito livre as motos (todas) passam zunindo pelos corredores. A palavra prudência parece não constar do dicionário de grande parte dos jovens pilotos de motocicleta, profissionais ou não, exatamente os que mais morrem ou ficam incapacitados nos milhares de acidentes pelo Brasil afora por ano. Não há a mínima possibilidade de haver trânsito seguro nessas condições. Quinze anos de prática depois da entrada em vigor do CTB comprovam essa afirmação.
O que fazer para diminuir a carnificina? O correto seria reinstituir o Artigo 56 do CTB e exercer fiscalização, mas qual é o político que aceitaria o desafio de tentar?
E por que não discutir alternativas, como na Bélgica? Por exemplo, poderia ser permitido às motos, quando o trânsito para completamente em congestionamentos ou sinais, e somente nessas circunstâncias, avançar cuidadosamente (a fim de evitar atropelamentos) a no máximo 20 km/h, até que o trânsito volte a andar ou elas atinjam o ponto de parada em frente ao semáforo. Com isso elas manteriam grande parte de sua “agilidade no trânsito”.
Mas o mais provável é que as coisas continuem como estão por mais vinte anos, pelo menos.
12 de junho de 2013

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