quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Leis para obrigar o governo a cumprir leis?


 


Acabou de passar pela Comissão de Constituição de Justiça do Senado o Projeto de Lei 329/2012, proposto pelo Senador Vital do Rego Filho que propõe:

 

Ementa: Acrescenta art. 320-A ao Código Brasileiro de Trânsito (Lei n. 9.503/97) para configurar como ato de improbidade administrativa a aplicação de receita arrecadada com multas de trânsito em outra atividade que não sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito. Estabelece para tal ato a pena prevista no art. 12, II da Lei n. 8.429/92 (Lei de improbidade administrativa, ou seja, ressarcimento integral de dano,...), perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e cinco a oito anos, pagamento de multa, etc., etc.

 
Lei para o aparato oficial cumprir lei? Vamos supor que essa lei passe por todos os tramites oficiais no Senado e na Câmara e seja sancionada sem vetos pela Presidência da República. Alguém acredita que algo vai mudar no trânsito brasileiro? Tenho a mais absoluta certeza que essa lei será mais uma natimorta no gigantesco cemitério de leis ignoradas no Brasil PELOS SETORES PÚBLICOS!

Dos 125 artigos e mais de 91.000 palavras que já publiquei neste Blog grande parte estava focada exatamente nessa questão. A calamidade do trânsito brasileiro, que só faz piorar ano a ano, se deve PRINCIPALMENTE ao absoluto descaso com que as autoridades em todos os níveis consideram as leis de trânsito no que lhes competem, enquanto viciosamente colocam a culpa por tudo nos motoristas. Sobre a questão do uso indevido do dinheiro das multas, escrevi alguns artigos: “Dinheiro das multas de trânsito serve até para o café da CET” e “Ilegal: arrecadação de multas financia 100% das atividades (fins e meios) de gestão do trânsito em muitos municípios”, de 16 e 17 de abril de 2013, respectivamente.

Cansei de escrever sobre o descaso paralelo dos pretensos órgão fiscalizadores de nossa imatura República, que ignorando solenemente a tragédia anual dos mais de 60.000 mortos e talvez 500.000 feridos, fora o stress da incivilidade, não investigam e punem a prevaricação das autoridade e órgãos (in)competentes pelo não cumprimento de inúmeros artigos do CTB. Procuradorias da República e dos Estados, Procuradores, Tribunais de Contas em todos os níveis, e até mesmo importantes Associações de Classe como a OAB são imunes a esses problemas. A omissão nos legislativos é total, com raros espasmos que geram novas leis nem sempre apropriadas. As leis secas são um exemplo, até hoje envoltas em imbróglios jurídicos.   

Com o título “Ignorando a responsabilidade legal” escrevi cinco artigos entre 18 e 21 de julho de 2011.

A Política Nacional de Trânsito foi simplesmente esquecida, apesar de ter sido criada mediante direcionamento do CONTRAN, órgão máximo normativo do Sistema Brasileiro de Trânsito, conforme EXIGE O CTB EM ARTIGO DA LEI.

O Ministério da Educação ignora desde antes no novo CTB todas as suas OBRIGAÇÕES LEGAIS de instituir educação para o trânsito nas grades curriculares. Sobre isso escrevi dois artigos em 25 e 28 de maio de 2013. Problema é ainda mais vergonhoso porque o próprio Ministério da Educação e o CNE (Conselho Nacional de Educação) prepararam uma Resolução, a qual foi formalmente aprovada em julho de 2010. Essa Resolução traz o seguinte inciso: 1° Outras leis específicas que complementam a Lei nº 9.394/96 [LDB]  determinam que sejam ainda incluídos temas relativos à ... e à educação para o trânsito (Lei nº 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro).  O MEC não segue nem mesmo suas diretrizes e tudo fica como está.

 
Ora, pergunto, por que todos os responsáveis por ignorar suas responsabilidades legais não são incluídos na Lei sobre improbidade administrativa, neste sistema trânsito que causa enormes prejuízos emocionais e materiais ao país, além de nos colocar em posição vergonhosa no mundo?

 
Se olharmos um por um os artigos do CTB encontramos dezenas de obrigações legais para as quais as autoridades fecham os olhos. Escrevi sobre várias. Gostaria de dar mais um exemplo, segundo trecho de uma postagem de 03 de abril de 2013:

 
Será que a ‘dura lex sed lex” se aplica somente aos cidadãos? Quando uma lei maior estabelece que determinados órgãos oficiais devem fazer isso ou aquilo, podem eles simplesmente ignorar a lei? Já fiz e respondo essa pergunta, na prática podem e fazem, como veremos mais uma vez.

Vejamos o que o CTB – Código de Trânsito Brasileiro, de 1998, estabeleceu:

Art. 19. Compete ao órgão máximo executivo de trânsito da União:

X - organizar a estatística geral de trânsito no território nacional, definindo os dados a serem fornecidos pelos demais órgãos e promover sua divulgação;

Esse órgão é o DENATRAN. Repito mais uma parte da postagem de 03 de abril de 2013 sobre esse tema:

Parecia que desta vez um objetivo seria transformado em realidade, pois o CONTRAN, Conselho Nacional de Trânsito liberou em 26 de outubro de 2006 (dois anos depois da PNT) a Resolução 208, com o propósito de estabelecer um sistema estatístico nacional. Resoluções CONTRAN têm força de lei. O “considerando” no início desta postagem aparece na introdução dessa resolução. Vejamos apenas seu primeiro artigo:

“Art. 1º Fica instituído o Registro Nacional de Acidentes e Estatísticas de Trânsito - RENAEST, sob a coordenação do Departamento Nacional de Trânsito - DENATRAN, integrado pelos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito – SNT.”

 O RENAEST substituiria o tal SINET, que nunca funcionou direito.

Em obediência a essa ordem do CONTRAN, o DENATRAN, Departamento Nacional de Trânsito, emitiu a Portaria No. 82 em 16 de novembro de 2006, com regulamentações adicionais. Quero aqui ressaltar apenas um inciso dessa portaria:

Art.1º  § 3º O Sistema RENAEST está disponível no Portal de estatísticas de Trânsito no site oficial do DENATRAN cujo endereço é www.denatran.gov.br, no link estatísticas. 

É isso mesmo, ESTÁ DISPONÍVEL. Mas desde então o que se vê no Site do DENATRAN é a seguinte mensagem:

 
O Portal RENAEST e o Sistema RENAEST estão passando por manutenção.
 

Esse é apenas um exemplo. Em manutenção desde 2008/2009? Não estão fazendo absolutamente NADA! E NINGUÉM É RESPONSABILIZADO! Essas estatísticas, se bem usadas, poderia salvar milhares de vidas todos os anos.  Recorde-se que o DENATRAN recebe (teoricamente) 5% do valor de todas as multas arrecadadas no país. Já fiz a pergunta, para onde tem ido esse dinheiro DESDE O INÍCIO?

Um país que precisa fazer leis para que os dirigentes cumpram outras leis não sei nem mesmo como qualificar. E a nova lei não vai ser cumprida porque as leis nunca determinam claramente o que significa não cumprir a lei. A interpretação dos municípios para o artigo 340 do CTB:

[é proibida] a aplicação de receita arrecadada com multas de trânsito em outra atividade que não sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito...  

sempre foi: para poder realizar essa tarefas nós precisamos ter DEPARTAMENTOS BUROCRÁTICOS, com centenas de funcionários, contínuos, faxineiros, guardas noturnos, REQUERENDO PAGAMENTO DE DESPESAS ADMINISTRATIVAS, SALÁRIOS, APOSENTADORIAS, PENSÕES, ETC. Nada mais “LÓGICO” QUE TUDO ISSO SEJA FINANCIADO PELAS MULTAS...  

O legislador não se preocupou em definir claramente que tipos de despesas podem ser cobertas pelo Artigo.

A nova lei igualmente não define PRECISAMENTE quais são as despesas cabíveis (dizem que isso fica para a regulamentação). Algo vai mudar?

 E LA NAVE VÁ...

 04 DE DEZEMBRO DE 2013

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Fernando Travando


 


Volto ao tema (i)mobilidade urbana.

Dos jornais brasileiros de grande circulação que consulto quase diariamente, o “Estadão” é o que mais tem se dedicado ao assunto trânsito, seja em segurança ou em mobilidade. Infelizmente, como comentei em mais e uma ocasião, essas opiniões não são suficientes para sacudir a sociedade ao ponto de motivar transformações essenciais rapidamente.

Aliás, desconfio que alguém da redação do Estadão tem lido secretamente meus posts... Invariavelmente as opiniões expressas coincidem com pontos que coloquei em postagens anteriores, he, he... 

O título deste post consta do texto de recente Editorial do Estadão “A Cidade dá o Troco” (ou se vinga?).

Sobre a imobilidade urbana escrevi cerca de nove posts nos últimos meses, apontando vícios de executivos e legislativos em geral. Com relação ao último Editorial do Estadão há alguns pontos de coincidência interessantes.

 

Editorial de 03 de dezembro de 2013 (em vermelho)

São Paulo está lhe dando [prefeito Hadad] o troco por outra barbeiragem pela qual não só não dá o braço a torcer, como ainda promete agravar. O desastre continuado é a crise do já terrível trânsito na cidade devido à combinação de populismo e de interesses privados que o levou a criar com uma simples demão de tinta faixas exclusivas para ônibus na pista da direita das vias escolhidas. O prefeito, já agraciado pelos paulistanos com o apelido "Fernando Maldade", faz jus, cumulativamente, ao de "Fernando Travando", tais os congestionamentos bem acima de 100 quilômetros que tem provocado, já pela manhã e em locais muito menos sujeitos a tais suplícios nos períodos fora de pico. Apoiado, se não instigado, por seu secretário de Transportes, o empresário petista Jilmar Tatto, de afamada família, Haddad empurrou para o último círculo do inferno da mobilidade urbana a legião dos que recorrem ao automóvel particular, para o seu ir e vir, e os taxistas proibidos de apanhar ou deixar passageiros salvo em áreas separadas por extensos intervalos nas faixas que beneficiam, antes de tudo, as concessionárias do serviço de ônibus.

Alguns comentários meus, anteriores, em azul:

20/08/2013: Num dos sistemas mais complexos da civilização moderna, o transporte, não há como gerar estudos confiáveis sem uma enorme dose de competência técnica em várias especialidades.  Mas as “soluções” dos políticos são tiradas do bolso do colete, sem bases sólidas. Político no Brasil age por impulso e por instinto. Os resultados, em geral, costumam não passar de estelionato eleitoral.

28/08/2013: Bem, então a primeira conclusão é que a fator mais importante para diminuir custos é aumentar a produtividade. Como?

1)      Aumentando a velocidade média de circulação dos ônibus. Caso a velocidade dobre, em condições ideais a mesma frota pode transportar o dobro de passageiros (mas de nada adianta os ônibus chegaram mais rapidamente ao ponto final para ficarem parados por mais tempo). Simples de falar, mas não tão simples de realizar. Essa questão depende da gestão sistêmica do trânsito como um todo e de investimentos pesados em verdadeiros corredores de ônibus (conforme já expliquei, o emprego descontrolado de faixas exclusivas pode resultar num tiro pela culatra, a menos de em longas avenidas). Faixa exclusiva não é o único modo de se dar maior prioridade à circulação de ônibus. Há outros que precisam ser explorados, o que exige mais recursos e competência técnica em gestão de trânsito e planejamento de transporte por parte das prefeituras.  

 

03 de setembro de 2013: É evidente que muitos carros atravancam o trânsito, eles ocupam demais o espaço das ruas por pessoa transportada. É evidente que o transporte coletivo deve ser priorizado. É evidente que no conflito atual o uso intensivo de carros deve (e pode) ser progressivamente desestimulado. Mas isso não pode ser feito de afogadilho, é preciso planejamento e implantação escalonada de ações corretas e concretas. Por outro lado, é bom não esquecer que no transporte individual é o indivíduo que arca com seus custos (sem considerar investimentos públicos em infraestrutura; esses sim devem se voltar prioritariamente para o transporte público). Custo de investimento em “material rodante”, “motoristas”, combustíveis, pneus, manutenção, seguros, depreciação e, ah, impostos e taxas. Somente sobre combustíveis incidem ICMS (até 25% para gasolina e álcool), Cide-combustíveis (hoje zerada em função da macropolítica econômica do governo federal, na tentativa de segurar a inflação, mesmo explodindo 40 anos de pró-álcool e detonando a credibilidade da Petrobras), PIS, Cofins e imposto de importação. Fora IPVA, taxas de licenciamento e impostos sobre produtos (veículos e peças de manutenção). E sem considerar a arrecadação com multas... O transporte individual por automóveis já subsidia muito mais do que o transporte coletivo, subsidia boa fração da economia brasileira. Mas tem gente se esforçando para matar a galinha dos ovos de ouro.

17 de setembro de 2013: A prefeitura de São Paulo descobriu em excelente meio de promoção; a cada duas semanas anuncia a implantação de mais 10 ou 20 quilômetros de faixas exclusivas de ônibus, mantendo a atenção da mídia... Pesquisas vêm sendo publicadas sobre o tema: como os passageiros estão percebendo a iniciativa? E os motoristas de carros particulares? Já está ocorrendo migração do transporte particular para o coletivo? ... Acredito que uma migração em massa do transporte individual para o coletivo é algo que não ocorrerá tão cedo. Nossas grandes cidades, São Paulo inclusive, estão longe de reunir as condições mínimas necessárias para o início de um círculo virtuoso nesse sentido. Será preciso muita competência técnica (em falta), investimentos (em falta), menos política (em excesso) e tempo para a readaptação das cidades e ocorrência de mudanças culturais... Esperar o que então? Muita propaganda enganosa nas próximas eleições.

23 de setembro de 2013: A inutilidade das CPI(s): Após seis sessões ordinárias de audiências que duram praticamente um dia (agora já são 13 ou 14), os nobres vereadores continuam tentando entender por alto como funciona o sistema de transporte coletivo sobre pneus na cidade. Continuam focando a atenção em “amendoins” enquanto os elefantes que realmente pesam na composição dos custos continuam tranquilamente vivendo suas atividades diárias... Ao contrário do que esperavam, não encontraram nenhum grande monstrengo administrativo que esteja elevando o custo de operação em qualquer nível significante... Nenhum dos itens que aponto como possíveis fontes de economia (28 de setembro de 2013) foi sequer cogitado pela CPI. Resumindo, eles estão relacionados com a produtividade da operação das frotas, integração metropolitana, desonerações de impostos, incluindo gravames trabalhistas, financiamento de bens de capital, simplificações fiscais e administrativas e mais alguns.

Em paralelo, a CPI dos vereadores de São Paulo tem dedicado um tempo desproporcional à denúncia de cartel feita pela Empresa Siemens, que envolveria basicamente o transporte sobre trilhos, por conta do governo do Estado e em contratos com empresas envolvidas na bilhetagem eletrônica. Por quê? Eles dão mil razões, mais do que esfarrapadas. Espero para os próximos meses pelo menos mais um Editorial do Estadão sobre o fracasso dessa CPI em propor saídas viáveis para os problemas do transporte por ônibus na cidade de São Paulo.

03 de dezembro de 2013

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A mortalidade no trânsito


 


Voltei depois de algumas semanas. Alguns de meus (poucos) leitores, em geral conhecidos meus, me mandaram E-mails cobrando: parou por quê?

 

A resposta já havia sido dada. Não há por que continuar chovendo no molhado. Em algum lugar nas postagens que coloquei neste site estão descritas as razões pelas quais temos um dos mais incivilizados trânsitos do mundo, bem como os motivos pelos quais as coisas não vão melhorar tão cedo. Esses motivos não se aplicam exclusivamente ao trânsito, por óbvio, grande parte dos atrasos institucionais do Brasil se deve a eles. E suas raízes são basicamente culturais.

 
Por que voltei ao site hoje? Por ter me deparado com mais uma não notícia em editorial do Jornal o Estado de São Paulo, com o título “A mortalidade no trânsito”. Como comentei alhures, a grande imprensa esporadicamente dedica alguma coisa ao tema e este não é o primeiro (e com certeza não será o último) editorial que o Estadão dedica ao assunto mortalidade no trânsito. Só para lembrar, segue em azul trecho de postagem de 18/16/2011:

 
Neste sábado, dia 18 de junho de 2011, leio um Editorial do jornal “O Estado de São Paulo” intitulado “A multa em primeiro lugar”. Excelente editorial, seguindo o exemplo de outros que já li neste (e em outros) jornal a respeito de problemas de trânsito na cidade de São Paulo e no Brasil. Os jornais cumprem seu papel ao apontar esporadicamente grandes problemas em seus editoriais, porém, pelo menos no caso do sistema trânsito o impacto, infelizmente, é pequeno.

Hoje eu diria que o impacto é nulo.  

 O editorial de hoje do Estadão dá ênfase a um tema importante: o contínuo aumento da frota e acidentes com motocicletas no Brasil. Sobre isso já escrevi ad nauseam. Algo vai mudar no Brasil nos próximos anos? Não! Por quê? As respostas são complexas e estão diluídas em inúmeras postagens anteriores, infelizmente não há como resumir. Nem tudo pode ser condensado como num comercial de 30 segundos na TV.
 
 

 
PS – Continuo tentando editar uma resenha dessas postagens em livro. Não tenho encontrado entidades com interesse em apoiar a iniciativa.

 

25/11/2013

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

A demagogia da mobilidade


Em 03 de setembro de 2013 comecei uma postagem com a seguinte frase:

 
Ônibus ou automóvel? Da maneira como muitas autoridades colocam o problema da dificuldade para se locomover em grandes centros urbanos parece que essa é a luta do século. Na verdade não é. Entre ônibus e automóvel a resposta correta é: os dois, além de outras modalidades de transporte.

 
Hoje, dia 10 de outubro de 2013 o jornal O Estado de São Paulo publica um editorial com o título desta postagem. Abaixo comparo trechos dos dois, em vermelho o Editorial do Estadão e em azul frases da postagem do dia 03/09:

 
Ao levantar a bandeira (eleitoral) da mobilidade urbana, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, e o secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto, assumiram o papel de defensores dos sem-carro e passaram a combater, sem pensar nas consequências, a multidão dos que se atrevem a sair às ruas em seus automóveis, mesmo tendo de enfrentar grandes congestionamentos todos os dias. Os congestionamentos são cada vez maiores, mas a dupla já começa a acumular resultados "positivos" nessa batalha, mais do que ousada, demagógica... Os donos dos 7 milhões de veículos da capital parecem não ter importância. Eles seriam apenas pessoas egoístas que rejeitam o transporte público. É como se não tivessem compromissos diários, serviços a prestar e nenhuma relevância para a vida econômica e social da cidade.

 
Automóveis: — “Vereador Roberto Tripoli (na CPI da Câmara Municipal de São Paulo sobre as “planilhas” das empresas de ônibus): Eu penso Vereador Eduardo Tuma, que nós temos que inviabilizar o carro particular na cidade de São Paulo. Inviabilizar.” – (Postagem de 22 de agosto deste ano).  Então é isso, vamos inviabilizar o carro particular nos grandes centros.

Quais seriam as consequências imediatas? (a) Pelo menos em São Paulo, sobrecarregar o transporte público, que hoje opera no limite de sua capacidade com vários milhões de passageiros adicionais por dia. E a frota adicional necessária? E a ampliação da área de cobertura geográfica? (b) Se ocorresse aumento da frota e cobertura, aumentaria o déficit operacional do transporte público municipal e estadual em vários bilhões de reais por ano, que seriam cobertos por subsídios públicos; menos recursos para saúde, educação, segurança e tudo o mais que governos devem retornar aos munícipes. Sim, porque num sistema (o de ônibus de São Paulo) em que a prefeitura tira de seu orçamento R$ 0,719 para cada R$ 3,00 vindos dos usuários, apenas 1.000 passageiros a mais por dia implicam na necessidade R$ 719,00 em subsídio por dia, ou R$ 262.435,00 por ano. Quem pagaria a conta dos milhões a mais? O contribuinte, indistintamente, pobres e ricos (pesando mais sobre os pobres), usuários ou não de transportes coletivos.

 

Ela deve melhorar a arrecadação da Prefeitura com o aumento das multas de trânsito e, assim, ajudar a pagar os subsídios às empresas de ônibus, que, com o congelamento da tarifa, devem atingir no próximo ano a impressionante quantia de R$ 1,65 bilhão [em 2013] ... Essa má vontade com o transporte individual prejudica a cidade. Não se discute a necessidade de dar prioridade ao transporte público e, no caso dos ônibus, de aumentar sua velocidade... No lugar de implantar, sem planejamento e a toque de caixa, as faixas exclusivas que servirão de cenários para os próximos programas eleitorais do PT na campanha para o governo do Estado, Haddad e Tatto deveriam adotar um plano capaz de harmonizar a utilização de carros com o transporte público, de acordo com as necessidades das várias regiões da cidade.

  É evidente que muitos carros atravancam o trânsito, eles ocupam demais o espaço das ruas por pessoa transportada. É evidente que o transporte coletivo deve ser priorizado. É evidente que no conflito atual o uso intensivo de carros deve (e pode) ser progressivamente desestimulado. Mas isso não pode ser feito de afogadilho, é preciso planejamento e implantação escalonada de ações corretas e concretas. Por outro lado, é bom não esquecer que no transporte individual é o indivíduo que arca com seus custos (sem considerar investimentos públicos em infraestrutura; esses sim devem se voltar prioritariamente para o transporte público). Custo de investimento em “material rodante”, “motoristas”, combustíveis, pneus, manutenção, seguros, depreciação e, ah, impostos e taxas. Somente sobre combustíveis incidem ICMS (até 25% para gasolina e álcool), Cide-combustíveis..., PIS, Cofins e imposto de importação. Fora IPVA, taxas de licenciamento e impostos sobre produtos (veículos e peças de manutenção). E sem considerar a arrecadação com multas... O transporte individual por automóveis já subsidia muito mais do que o transporte coletivo, “subsidia” boa fração da economia brasileira. Mas tem gente querendo matar a galinha que bota ovos de ouro.

 

Os finais:

É preciso, em suma, mais planejamento e menos demagogia.

 
Então o problema do transporte não tem solução?

Tem. Mais competência e menos populismo por parte dos políticos e administradores públicos.  

Pensando bem, esperar por isso no Brasil, hum... É, é bem possível que não haja solução.

 

Não sou dono da verdade, mas bom senso e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. A série de postagens que coloquei sobre o assunto (com pequena amostra acima) demonstram a meu ver o abismo existente entre o pensamento técnico e isento e as atitudes políticas irresponsáveis que flagelam o Brasil.  

 

 

10 de outubro de 2013

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Faces da tragédia urbana


 


Aconteceu em Mogi das Cruzes neste mês de setembro de 2013, mas poderia ter ocorrido em qualquer cidade do Brasil. Dois motoristas se perseguem numa avenida à noite. Batem. Um dos carros desgovernado invade a calçada, atropela oito jovens, dos quais seis morrem. Esse motorista é preso, o outro foge. Fatalidade? Irresponsabilidade?

Detalhes surgem apenas nesses acidentes com grande impacto emocional. Não culpo a imprensa, pois não é função da mídia reformar o país.

O motorista atropelador é pedreiro e dirigia um Monza. Preconceito meu? Não. Irresponsabilidades desse tipo são mais comuns nas classes mais altas. 

Esse motorista tinha sua CNH vencida há vinte anos. Alguém duvida que durante todos esses anos ele se absteve de dirigir quando teve oportunidade, em função de não estar legalmente habilitado? 

Conheci dezenas de casos semelhantes. Parentes, amigos, conhecidos, nenhum admitiu ter parado de dirigir por estar em condição ilegal. CNH vencida, CNH recolhida por excesso de pontos, documentação do veículo irregular, o que seja. O máximo que fazem é tomar um pouco mais de cuidado, o que geralmente significa evitar pegar estradas onde haja fiscalização com polícia rodoviária.  

Um repórter me pergunta se conheço qual é a fração de motoristas com CNH vencida ou recolhida que continua dirigindo. Minha resposta: sim, conheço, todos. “Mas a porcentagem?” Provavelmente 100%. “Há como comprovar?” Sim, mediante pesquisas de campo. “Elas existem?” Não. “Qual a razão desse comportamento? É a [má] índole do brasileiro?”

Não, absolutamente NÃO. Já disse e repito, o brasileiro não é pior nem melhor do que outros povos. A ÚNICA RAZÃO PARA ESSE DESCALABRO É A TOTAL E COMPLETA FALTA DE POLICIAMENTO DE TRÂNSITO NAS RUAS DAS CIDADES BRASILEIRAS. DISSE POLICIAMENTO E NÃO FISCALIZAÇÃO À DISTÂNCIA.

Em 25 de abril publiquei uma postagem, da qual reproduzo trecho em azul:

 
Como enfatizei diversas vezes, o maior problema de nosso “Sistema Nacional de Trânsito” é a inexistência na prática da verdadeira AUTORIDADE policial fiscalizando permanentemente o transito de modo amplo, contínuo e severo. Nas estradas há algum policiamento, mas muito longe do mínimo necessário para que possa ser realmente eficaz, por falta de efetivo, equipamentos e métodos de ação modernos (fora os entraves legais para uma ação policial mais contundente).

Daí vem a maior parte da sensação de impunidade que aquela fração de motoristas relapsos, displicentes, agressivos, afoitos, delinquentes e os que “não querem passar por trouxas” (agindo, portanto, do mesmo modo que os outros) têm. Na verdade creio que o problema é ainda pior. Sensação de impunidade subentende uma percepção consciente: “posso fazer o que bem entender porque ninguém vai me impedir, portanto faço e continuarei fazendo todas as barbaridades que quiser”. A impunidade no trânsito tem sido tamanha no Brasil, ao longo de tanto tempo, que se estabeleceu no subconsciente das pessoas. O futuro nos cobrará um alto preço por isso.

A outra parte vem do sistema legal - jurídico estupidamente leniente, traço praticamente incurável da cultura brasileira. Quase todas as semanas em algum lugar do Brasil alguém bêbado (às vezes sem habilitação), invade calçadas ou pontos de ônibus, atropelando, ferindo e matando pessoas. Levado à delegacia (onde se comprova a embriagues) paga R$ 1.500,00 de fiança e sai para responder processo por crime culposo em liberdade. No dia seguinte está dirigindo de novo. As autoridades fazem de conta que “com a carteira cassada” o trabalho está feito, o cidadão não vai mais pegar no volante. Pois sim...

 

Só nos resta esperar a próxima tragédia... e a próxima... e a próxima... e a próxima... e a próxima... e a próxima...

 

02 de outubro de 2013

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A inutilidade das CPI(s)



Continuo acompanhando meio por alto os “trabalhos” da CPI da Câmara Municipal de São Paulo sobre as “Planilhas de Custos” do transporte coletivo municipal. Digo isso porque é inócuo acompanhar longas reuniões ordinárias ou ler intermináveis transcrições dessas sessões. Uma breve leitura dinâmica consegue captar perfeitamente o explícito e o implícito dessas sessões. Creio que o caso de São Paulo pode perfeitamente ser estendido a outras cidades que resolveram enveredar pelo mesmo caminho político.

Após seis sessões ordinárias de audiências que duram praticamente um dia, os nobres vereadores continuam tentando entender por alto como funciona o sistema de transporte coletivo sobre pneus na cidade. Continuam focando a atenção em “amendoins” enquanto os elefantes que realmente pesam na composição dos custos continuam tranquilamente vivendo suas atividades diárias, aparentemente despercebidos.

Ao contrário do que esperavam, não encontraram nenhum grande monstrengo administrativo capaz de elevar o custo de operação em qualquer nível significante. Perceberam que a remuneração das empresas concessionárias tem sido inferior ao contratado (recentemente uma quebrou). Perceberam, principalmente, que a remuneração dos consórcios de permissionários (antigos perueiros) é insuficiente para que estes consigam trabalhar dentro da lei, registrando e cumprindo os gravames trabalhistas com os motoristas e cobradores que eles utilizam para rodar os miniônibus em mais de um turno, pois a prefeitura não subsidia esse tipo de transporte. Por outro lado, são exatamente os permissionários que cumprem o importante papel de fazer a captação e distribuição capilar de passageiros nas periferias, conectando-os com os terminais de ônibus, trens ou metrô.

No momento, os nobres vereadores concentram suas baterias nos sistemas de bilhetagem eletrônica, suspeitando a partir do nada que devem existir grandes maracutaias entre as empresas de tecnologia que desenvolvem, vendem e fazem a manutenção desses produtos (hardware e software) e os grandes clientes, SPTrans, CPTM e Metrô. Qualquer redução de custo nesses sistemas não passará de uma gota d’água no oceano.

Nenhum dos itens que apontei anteriormente como possíveis fontes de grandes economias foi sequer cogitado pela CPI. Resumindo, eles estão relacionados com a produtividade da operação das frotas, integração metropolitana, desonerações de impostos, incluindo gravames trabalhistas, financiamento de bens de capital, simplificações fiscais e administrativas e mais alguns.

CPI, muita agitação por nada.

23 de setembro de 2013

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Semana Nacional do Trânsito... Incivilizado


Estamos em meio a Semana Nacional do Trânsito. Esta é a única ocasião no ano em que o governo federal finge demonstrar alguma preocupação com a segurança no trânsito. Promove alguns pequenos eventos que passam desapercebido, uma campanha singela na TV e mais nada. Lembro mais uma vez que o governo federal recebe 5% do valor de todas as multas de trânsito lavradas no Brasil e essa montanha de dinheiro deve por lei ser destinada a melhorias no trânsito, com a devida ênfase à segurança.

Venho tentando descobrir quanto vem sendo repassado anualmente para a União, sem sucesso.

Para demonstrar como o que muda no sistema trânsito brasileiro é sempre para pior, reproduzo abaixo em azul postagem anterior sobre o ridículo PARADA, que é tudo que o governo federal está fazendo em matéria de segurança no transito:

 
Postado em março de 2013

A PNT (Política Nacional de Trânsito)... Parada


Alguém já ouviu falar do “Parada”? Sim, é do Parada mesmo e não da Parada.

“Parada” é, ou alguns NO GOVERNO acham que é, “um pacto”. Como seguidor de assuntos de transporte e trânsito eu mesmo só ouvi falar desse tal “pacto” quando foi lançado em Brasília, sem muita pompa, e em uma ou duas ocasiões posteriormente.

Ah sim, então o governo federal atual deixou de lado a Política Nacional de Trânsito que, como disse, jamais foi revogada ou substituída, por um pacto! Pacto com quem? Sobre o que? (como não foi com a população, hoje acho que foi com o diabo, afinal as coisas estão como ele gosta, 61.000 mortes por ano e subindo...)

Vejam o press release:

“A presidenta (sic) da República, Dilma Rousseff, e o ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, lançam nesta sexta-feira (21/09/2012), às 11h, no Palácio do Planalto, uma campanha permanente [reparem no permanente] de conscientização no trânsito para reduzir o número de mortes nas estradas e ruas do país. A iniciativa faz parte das ações da Semana Nacional de Trânsito de 2012, que tem como tema “Não exceda a Velocidade. Preserve a Vida”.

As ações de trânsito coordenadas pelo Ministério das Cidades integram o Pacto Nacional pela Redução de Acidentes (Parada- Um Pacto pela Vida) que está sendo ativado, após o seu lançamento, em maio de 2011. Durante este período, foram realizadas campanhas sazonais de utilidade pública que, aliadas à fiscalização e à educação no trânsito, conseguiram reduzir o número de óbitos nas rodovias. [mentira gravíssima]

Bem temos aqui um “Pacto” (?) sendo ativado (?) um ano depois de seu lançamento (?). “Foram realizadas campanhas sazonais (?) de utilidade pública (??) que, aliadas à fiscalização e à educação no trânsito (???), conseguiram reduzir o número de óbitos nas rodovias (??????)!

Então é isso. No lugar de campanhas sazonais vamos realizar campanhas permanentes (?) [que continuam sazonais, durante uma semana por ano e em feriados] e tudo se resolverá. Fazemos um pacto com a sociedade e depois compete a ela cumprir o pacto, reduzindo espontaneamente o número de óbitos no trânsito. Como é gostoso viver no mundo da fantasia.

Mas e a Política Nacional de Trânsito? Esqueça. E os objetivos concretos as PNT? Esqueça. E as Metas da PNT? Esqueça. Vamos fazer campanhas. Campanhas que nem de longe são tão abrangentes como, por exemplo, a que vem sendo executada contra a dengue. Para quê? Afinal, em 2012, só morreram 61.000 pessoas em acidentes de trânsito e apenas 350.000 ficaram seriamente feridas. Já a dengue...

“Contudo, os técnicos do Ministério das Cidades observaram a necessidade de desenvolver uma campanha permanente de mobilização para que os números de vítimas fatais no trânsito não caiam apenas durante as iniciativas sazonais – férias, feriados e datas comemorativas. Os números mais recentes de acidentes no trânsito são do Ministério da Saúde e mostram que, em 2010, 42.844 pessoas morreram nas estradas e ruas do país.” [eles continuam utilizando os números do Ministério da Saúde, bem mais favoráveis].

 Conforme mostrei em postagem anterior esses números estão enormemente subestimados.

Além das estatísticas subestimadas, Campanhas. Nada de Planos abrangentes, nada de ações sistêmicas e contínuas. Campanhas. Mas haja contradição. O Ministério das Cidades, estranhamente “dono” do sistema trânsito no Brasil, cita como bom exemplo a ser seguido a Espanha, que teria caído da 17a posição para a 9a no ranking europeu de menor mortalidade no trânsito entre 2003 e 2009. Todavia, a própria Espanha diz como fez isso: “investindo principalmente em educação, legislação e infraestrutura. Com o aumento da fiscalização e número de guardas nas ruas, rigor da legislação, mudanças na formação de condutores, o país reduziu significativamente as mortes no trânsito”.

Então o Ministério das Cidades criou o Parada: “O Brasil pretende seguir o exemplo da Espanha com as ações do Parada. O pacto é uma resposta do Brasil à Resolução A/64/L44 da Organização das Nações Unidas (ONU), publicada no dia 02 de março de 2010, que instituiu o período de 2011 a 2020, como a “Década de Ações de Segurança no Trânsito”. (nota: como a divulgação do Relatório WRRTIP de 2004 não surtiu efeitos práticos a ONU decidiu, baseada no mesmo, elaborar uma “binding resolution” sobre segurança no trânsito, a ser votada em Assembleia Geral, onde foi aprovada).

Um “pacto” como resposta à Resolução das Nações Unidas, uma “Binding Resolution”, significando que os países que a assinaram se comprometeram a cumprir suas METAS. Que meta? Reduzir o índice de acidentes fatais pela metade em 10 anos. No Brasil não sabemos nem por onde começar, metade de que?

Se o governo se esqueceu do PNT, se o trocou por um tal de Parada, eu não me esqueci. Vou continuar mostrando o que não está sendo feito.

 

Em setembro de 2013 repete-se a pantomima de 2012.

20 de setembro de 2013

terça-feira, 17 de setembro de 2013

A mobilidade urbana no Brasil 6 - Sonho ou pesadelo


 


A prefeitura de São Paulo descobriu em excelente meio de promoção; a cada duas semanas anuncia a implantação de mais 10 ou 20 quilômetros de faixas exclusivas de ônibus, mantendo a atenção da mídia. Pesquisas vêm sendo publicadas sobre o tema: como os passageiros estão percebendo a iniciativa? E os motoristas de carros particulares? Já está ocorrendo migração do transporte particular para o coletivo?

É cedo para avaliar resultados.

Recentemente fui entrevistado por uma emissora de TV sobre o assunto. O que penso sobre as faixas exclusivas de ônibus? Que resultados podem ser esperados?

Embora já tenha externado minhas opiniões em postagens anteriores, resumo aqui o que penso:

a)      É dever absoluto dos poderes públicos priorizar os modais de transportes coletivos, mesmo com prejuízos ao tesouro.

b)      Nem sempre essa priorização precisa ser feita em detrimento do transporte individual, mas em casos de evidentes conflitos sim.

c)       A mobilidade urbana precisa ser desenvolvida sistemicamente. O transporte sobre pneus, infraestrutura em corredores e faixas exclusivas de ônibus são elementos (importantes) do sistema, mas de modo algum se pode negligenciar o planejamento sistêmico com integração de todos os modais, inclusive o andar a pé , que depende de boas calçadas e travessias seguras de ruas.

d)      Vejo a implantação de faixas exclusivas de ônibus como um aspecto positivo em grandes metrópoles. Elas estão sendo implantadas ou ampliadas tarde demais até. Mas não se pode esperar por resultados fantásticos. Faixas exclusivas são muito eficazes em longas vias expressas, mas não tanto em trechos mal urbanizados e plenos de obstáculos e interferências. Em certos casos pioras no trânsito podem reduzir ainda mais a velocidade de circulação de ônibus em faixas.

e)      Acredito que uma migração em massa do transporte individual para o coletivo é algo que não ocorrerá tão cedo. Nossas grandes cidades, São Paulo inclusive, estão longe de reunir as condições mínimas necessárias para o início de um círculo virtuoso nesse sentido. Será preciso muita competência técnica (em falta), investimentos (em falta), menos política (em excesso) e tempo para a readaptação das cidades e ocorrência de mudanças culturais.    

f)       Não se deve esquecer que em sistemas deficitários aumentar a utilização significa aumentar o déficit absoluto e, portanto, os subsídios. Mais subsídio ao transporte público significa menos e/ou piores serviços públicos em outras áreas importantes. Já o transporte individual é custeado pelos indivíduos (a menos da infraestrutura) os quais, em cima de seus custos operacionais (veículos, seguros, manutenção, depreciação, combustíveis, etc.), pagam ainda pesados impostos e taxas que o poder público utiliza ao seu bel prazer.    

Existem dezenas de considerações outras que poderiam ser colocadas, mas um breve resumo é um breve resumo, portanto paro por aqui.

Quanto às reduções nos custos do transporte público, possíveis conforme expliquei, por enquanto vejo as CPIs municipais mirando em formigas enquanto elefantes passam ao largo. Domar elefantes não é para qualquer um, política e oratória não surtem efeito. Nada vai mudar tão cedo.

Esperar o que então? Muita propaganda enganosa nas próximas eleições.  

 
17 de setembro de 2013

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

A mobilidade urbana no Brasil, sonho ou pesadelo? 5


 


Tentei demonstrar nas últimas postagens que o problema da (ou falta de) mobilidade urbana no Brasil está um tanto quanto desfocado. A pressão das manifestações de junho desviou demais o foco do problema para a má qualidade e PREÇO (para os que pagam) do transporte coletivo por ônibus nos grandes centros.

Em postagem de 20 de agosto, entretanto, enfatizei que as discussões que ocorreriam eram bem-vindas “independentemente do que possa vir a acontecer – provavelmente pouco de concreto”.  

As CPIs municipais continuam suas atividades por aí. Como disse, espero muito pouco, quase nada delas. Os nobres vereadores participantes de CPIs estão até hoje tentando entender COMO FUNCIONA o sistema “transporte coletivo” de suas cidades, uma vez que no passado nunca fizeram isso. Para tanto estão convocando Deus e todo o mundo para audiências intermináveis na vã esperança de que, por milagre, pincem alguma falha monstruosa nos SEUS sistemas (de preferência criada por outros que não o município ou o partido na situação) capazes de reduzir os custos do transporte em 50% ou mais. Prefeitos também estão perdidinhos. Em São Paulo, finalmente, pode-se encontrar na Internet os contratos de Concessão vigentes. Mas eles são tão complexos, tão cheios de aditivos, se baseiam em conceitos tão arcaicos que o próprio prefeito Fernando Haddad jogou a toalha afirmando que precisa contratar uma Consultoria Internacional (a que custo?) para simplesmente “digerir” o que os contratos estipulam. Será que ele se esqueceu que é o chefe do Secretário dos Transportes, que é o chefe da SPTrans? Em paralelo, a Câmara dos Vereadores apelou para o TMC e pelo que parece, mesmo assim, não vai conseguir tirar leite dessas pedras. A visão é sempre muito estreita e muito política. O mesmo vale para as agora célebres “Planilhas de Custos”.

 Em postagem de 28 de agosto mostrei alguns pontos que, se atacados com seriedade podem gerar economias significativas. Separei os temas em dois grupos: melhorias de produtividade (que dependem muitíssimo dos municípios) e ações de política econômica (desonerações e financiamentos). As últimas podem trazer resultados rapidamente.

Vou repetir a tabela com a composição aproximada (muito aproximada) dos custos do transporte por ônibus urbanos:

 

Pessoal                                                                                           45%

Rodagem (diesel, lubrificantes, pneus)                                    21%

Depreciação do investimento                                                    9%

Manutenção (peças, etc.)                                                           8%

Margem                                                                                         7%

Custos administrativos                                                               6%

Outros impostos e taxas                                                            4%

 

Qualquer administrador de empresa privada iria seguir a sequência de cima para baixo da tabela na busca de oportunidades de reduções de custos. Mas no setor público isso não é tão fácil de realizar, pois normalmente há interferências entre vários níveis administrativos e legislativos. O que fazer perante essa mixórdia? O mais lógico seria instituir Câmaras Setoriais. Mais do que três seria demais:

a)      Da desoneração dos custos de pessoal.

b)      Da desoneração dos combustíveis e peças.

c)       Dos financiamentos e outras desonerações federais, estaduais e municipais, incluindo questões fiscais.

O governo federal já desonerou PIS e Cofins sobre a mão de obra de empresas de ônibus, mas com certeza há outras oportunidades de redução. Qualquer economia sobre 45% dos custos será altamente significativa.

Alguns governos estaduais já desoneraram o ICMS que incide sobre o diesel destinado ao transporte coletivo, como o Paraná. Outros não querem seguir o exemplo; Tarso Genro, por exemplo, declarou que o benefício seria muito pequeno em seu estado. Pequeno? No estado de São Paulo se o diesel para ônibus urbanos fosse isentado do ICMS a desoneração seria de 12%. O combustível responde por  aproximadamente 20% do custo de operação total, portanto somente essa desoneração poderia redundar em economia superior a R$ 130 milhões por ano para a frota da cidade de São Paulo (não calculei para o estado como um todo). Com os célebres 20 centavos de aumento o sistema iria arrecadar um adicional de R$ 300 milhões por ano, portanto somente a desoneração do ICMS pode contribuir com 43% dessa arrecadação que não veio. Os estados perdem? Perdem, mas o que é isso perante o que eles arrecadam em ICMS sobre gasolina e álcool (normalmente 25%), diesel para transporte de carga (de 12% a 25%), IPVA e outras taxas sobre veículos?

Esse seria um bom começo.  

09 de setembro de 2013

terça-feira, 3 de setembro de 2013

A mobilidade urbana no Brasil:sonho ou pesadelo? 4


 


 

Ônibus ou automóvel? Da maneira como muitas autoridades colocam o problema da dificuldade para se locomover em grandes centros urbanos parece que essa é a luta do século. Na verdade não é. Entre ônibus e automóvel a resposta correta é: os dois, além de outras modalidades de transporte.

Automóvel, nesse contexto, é apenas um símbolo, pois a pergunta correta a se fazer é: transporte coletivo ou transporte individual? A resposta é a mesma, os dois.

Afinal, o que caracteriza um e outro? Vejamos, começando com o transporte individual, pois durante milênios não houve outro meio.

Andar a pé: é o mais natural “meio de transporte” desde que o mundo é mundo. Faz bem à saúde, não polui, não congestiona cidades... Mas parece que no Brasil as autoridades desconhecem esse “modal” de transporte. Se assim não fosse, as calçadas de nossas cidades não seriam a vergonha de todas as vergonhas que são e nem seria tão difícil e perigoso como é atravessar ruas. Quantas vezes não ouvi de estrangeiros a pergunta: por que no Brasil as pessoas andam pelas ruas e não nas calçadas? Eu engolia em seco e tentava mudar de assunto. Mães empurrando carrinhos de bebês, crianças, idosos e deficientes são os que mais sofrem com a cultura oficial e leis estúpidas que conduzem a essa situação vexatória. É impossível empurrar carrinhos de bebê por mais de 50 metros em 90% das calçadas de São Paulo. Mas a resposta ao problema é extremamente simples. Por comodismo e “economia” os municípios jogam aos munícipes a responsabilidade total pela construção e manutenção de calçadas, imitando canhestramente o que se faz em alguns países onde leis são levadas a sério, onde o padrão de vida é elevado, e onde existe competência técnica para criar e forçar a aplicação de boas normas de construção. Ora, em assim sendo os proprietários de terrenos “lindeiros” (linda palavra, não?) adotam a mais óbvia das interpretações: se eu pago pela construção da calçada (onde, em função do péssimo urbanismo de nossas cidades, é possível se construir calçadas que mereçam esse nome) e sua conservação (?) ela não é um espaço exclusivamente público, portanto eu tenho o direito de construí-la do modo mais conveniente e econômico para mim. Não consigo criticar essa linha de raciocínio, a qual é absolutamente lógica para nossa cultura. O resultado inevitável é o que se conhece, legal ou não.

Bicicleta: parece ser aos olhos de muitos políticos a panaceia universal contra todos os males do trânsito. Sem dúvida as bicicletas deveriam receber cem vezes mais atenção do que recebem dos poderes municipais, mas têm certas limitações que precisam ser levadas em conta. Não se prestam ao transporte individual em grandes distâncias, estão fora da possibilidade de muitas pessoas (idosos, deficientes...) e o uso é penoso em clima ruim e topografia acidentada. O último ponto não é um problema final, pois o emprego de motorização de baixa potência, de preferência elétrica, pode resolvê-lo muito bem. Seja lá como for o caminho correto é: primeiro as cidades devem se preparar/adaptar para as bicicletas e não o contrário. A foto abaixo é típica de uma boa integração entre modais (recomendo passeios pelo Google street view em algumas cidades da Europa, como Copenhague e Amsterdam, ambas nota 10 no quesito cidade amigável às bicicletas). Vê-se faixas para bicicletas, existentes em praticamente todas as ruas, ônibus, linhas de bondes e transporte fluvial. Todos são utilizados, em conjunto com trens e metrô, porém as bicicletas imperam nessas cidades (quase perfeitamente planas).







 

Triciclos/quadriciclos motorizados; pequenos “scooters”: Muitas cidades europeias permitem tais veículos nas faixas de bicicletas e em calçadas largas, desde que a velocidade seja no máximo igual à das bicicletas (ou pedestres). Pessoas idosas e deficientes utilizam muito esses veículos. Para evitar abusos em regiões onde respeitar regras não é habito espraiado da população, a tecnologia moderna permite que veículos licenciados para trafegar nessas faixas possam ser equipados com limitadores de velocidade. Sendo concessão municipal, o uso de limitadores pode perfeitamente ser obrigatório. Quero deixar claro que não sou favorável ao emprego em larga escala de scooters como se vê em muitas cidades da Ásia, do modo como se usam motocicletas no Brasil, isso é extremamente perigoso.

Motocicletas: é o meio de transporte individual que mais cresce no Brasil, principalmente nas regiões mais pobres, e não pode ser evitado. Mas poderia ser mais bem disciplinado em prol da segurança, como já coloquei em n postagens; não há locomoção mais indisciplinada no Brasil do que a feita em motocicletas, pois a fiscalização de percurso é nula. O grande problema é que elas disputam espaço nas ruas e avenidas com carros, caminhões e ônibus em enorme desigualdade de condições, em lutas tipo peso pesado contra peso mosca; e ainda persistem os malditos e legais “corredores da morte” que já comentei.

Automóveis: — “Vereador Roberto Tripoli (na CPI da Câmara Municipal de São Paulo sobre as “planilhas” das empresas de ônibus): Eu penso Vereador Eduardo Tuma, que nós temos que inviabilizar o carro particular na cidade de São Paulo. Inviabilizar.” – Postagem de 22 de agosto deste ano.  Então é isso, vamos inviabilizar o carro particular nos grandes centros.

Quais seriam as consequências imediatas? (a) Pelo menos em São Paulo, sobrecarregar o transporte público, que hoje opera no limite de sua capacidade com vários milhões de passageiros adicionais por dia. E a frota adicional necessária? E a ampliação da área de cobertura geográfica? (b) Se ocorresse aumento da frota e cobertura, aumentaria o déficit operacional do transporte público municipal e estadual em vários bilhões de reais por ano, que seriam cobertos por subsídios públicos; menos recursos para saúde, educação, segurança e tudo o mais que governos devem retornar aos munícipes. Sim, porque num sistema deficitário como o de ônibus de São Paulo, em que a prefeitura tirou de seu orçamento em 2012 R$ 0,33 para cada passageiro transportado, um milhão de passageiros a mais significaria um subsídio extra de R$ 326.710,00 no ano (supondo a mesma porcentagem de gratuidades). Quem pagaria a conta? O contribuinte, indistintamente, pobres e ricos (pesando mais sobre os pobres), usuários ou não de transportes coletivos.

É evidente que muitos carros atravancam o trânsito, eles ocupam demais o espaço das ruas por pessoa transportada. É evidente que o transporte coletivo deve ser priorizado. É evidente que no conflito atual o uso intensivo de carros deve (e pode) ser progressivamente desestimulado. Mas isso não pode ser feito de afogadilho, é preciso planejamento e implantação escalonada de ações corretas e concretas. Por outro lado, é bom não esquecer que no transporte individual é o indivíduo que arca com seus custos (sem considerar investimentos públicos em infraestrutura; esses sim devem se voltar prioritariamente para o transporte público). Custo de investimento em “material rodante”, “motoristas”, combustíveis, pneus, manutenção, seguros, depreciação e, ah, impostos e taxas. Somente sobre combustíveis incidem ICMS (até 25% para gasolina e álcool), Cide-combustíveis (hoje zerada em função da macropolítica econômico-financeira do governo federal), PIS, Cofins e imposto de importação. Fora IPVA, taxas de licenciamento e impostos sobre produtos (veículos e peças de manutenção). E sem considerar a arrecadação com multas... O transporte individual por automóveis já subsidia muito mais do que o transporte coletivo, “subsidia” boa fração da economia brasileira. Mas tem gente querendo matar a galinha que bota ovos de ouro.

Então o problema do transporte não tem solução?

Tem. Mais competência e menos populismo por parte dos políticos e administradores públicos.  

Pensando bem, esperar por isso no Brasil, hum... É, é bem possível que não haja solução.

03 de setembro de 2013