sábado, 27 de agosto de 2011

Primeira resenha

Depois de 55 postagens neste blog convém fazer uma resenha a fim de permitir uma visão panorâmica dos principais tópicos mencionados e onde estamos.
  1. O trânsito no Brasil é altamente incivilizado, resultando em enormes problemas de saúde publica e prejuízos sociais e materiais.
  2. O “Sistema Trânsito Efetivo” brasileiro, que gera os problemas acima é altamente complexo e extenso e como era de se esperar está funcionando de modo estatisticamente estável. Isso implica em que, necessariamente, seus resultados são estáveis. Quedas significativas de índices de acidentes não ocorrerão sem profundas alterações no sistema.
  3. Na verdade há uma exceção, um fator altamente significativo que está alterando o sistema (mas não sua estabilidade), todavia levando-o a resultados ainda piores. Trata-se de rápida alteração na composição da frota de veículos, na qual motocicletas e motonetas vêm ganhando cada vez maior participação.
  4. Institucionalmente, o “Sistema Oficial” foi concebido de modo altamente fragmentado.
  5. A segurança no trânsito não tem como competir com outros fatores de alta preocupação popular, tais como crime, educação, saúde, miséria, transporte coletivo, moradia, saneamento, aposentadoria, e outros.
  6. Em conseqüência do item acima, melhorias urgentes e significativas nos maus resultados do sistema trânsito em termos de mortos e feridos em acidentes e civilidade do mesmo não são prioridades políticas em nenhuma esfera dos poderes do país.
  7. Fazer da segurança no trânsito alta prioridade política é a primeira e principal recomendação da ONU – OMS para os países que realmente desejam civilizar seu trânsito para benefício próprio. Para um país que em breve vai sediar uma Copa do Mundo e Olimpíadas esse desejo deveria ser ainda mais prioritário.
  8. Entre os três pilares fundamentais, Institucional, Organizacional e “Enforcement” examinei até o momento em maior profundidade o último. Isto porque deficiências em “enforcement” são antigas e notórias no país, sendo sem dúvida, individualmente a causa mais incisiva da estabilidade – em nível muito ruim – de nossos problemas de trânsito. O problema é histórico, cultural, institucional, corporativo, político, etc., etc. Há décadas ouço falar da necessidade em se unificar as polícias, pagar salários decentes aos policiais, formá-los e treiná-los melhor, e outras medidas.
  9. A leniência das leis, da justiça, e sua morosidade igualmente contribuem para nosso crônico problema de enforcement.    
  10. “Quebra-galhos” criados para atenuar o enorme problema do inexistente e/ou ineficiente policiamento executado por AUTORIDADES policiais nas cidades não são muito eficazes e provocam reações adversas da população. Como exemplos, citei o vício em fiscalizações eletrônicas automáticas em larga escala e o uso quase exclusivo na fiscalização de agentes civis de entidades municipais.
  11. Sistemicamente, os terríveis problemas do trânsito brasileiros não são de responsabilidade dos motoristas. Essa é a grande escusa das autoridades verdadeiramente responsáveis pelo caos reinante, que não entendem ou fingem não entender suas responsabilidades. Brasileiros não são piores do que outros povos, o problema não está no nosso DNA, está na cultura oficial. Culpar os motoristas pelo caos no trânsito é como culpar as crianças pela péssima qualidade da educação. No Brasil nunca se pôs em prática abordagens realmente sistêmicas com o objetivo explícito de priorizar a segurança no trânsito; políticas foram desenvolvidas e oficialmente aprovadas, mas não saíram do papel (ainda não comentei).
  12. Aguardamos a próxima Política Nacional de Trânsito, prometida para setembro de 2011. Será algo mais concreto e eficaz? Conseguirá “chacoalhar” fortemente o sistema, a fim de permitir quebrar sua estabilidade, no sentido positivo?
  13. Faz-se necessária maior organização da sociedade civil com a finalidade de pressionar continuamente os poderes públicos para fazer da segurança no trânsito uma prioridade política real e efetiva, primeira condição para que se consiga melhorar o sistema de modo efetivo. Não temos nenhuma entidade isenta da sociedade civil, forte e atuante, que tenha essa finalidade precípua. É necessário apontar continuamente erros e omissões e em paralelo reconhecer e valorizar entidades (e pessoas) do setor público que venham a se destacar no penoso processo de civilizar o trânsito no Brasil, nas esferas Municipal, Estadual e da União.
Escrito por Paulo R. Lozano às 18:00 horas do dia 27 de agosto de 2011

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Onde está a polícia? - 4

Manchete do Jornal “O Estado de São Paulo”, 25 de agosto de 2011: Violência no trânsito [somente na capital] custa [aos hospitais públicos - SUS] [um] hospital [R$56,7 milhões] por ano [dados de 2010]

Há novidade nisso? A Organização Mundial de Saúde / Banco Mundial estimava já em 2004 que o custo dos acidentes de trânsito, diretos e indiretos se situa entre 1% e 3% do PIB em quase todos os países do mundo. Países desenvolvidos têm menos acidentes em proporção à população, porém neles os custos pós-acidentes são bem mais elevados do que os vigentes em países menos desenvolvidos, portanto as porcentagens são comparáveis. Reparem que a notícia se refere às despesas do SUS, que mal cobrem (?) os custos dos tratamentos hospitalares e de reabilitação (lucros cessantes não estão contabilizados, nem perdas materiais). Como parcela dos acidentados possui planos de saúde e/ou recursos próprios é viável estimar que os custos reais são algumas vezes maiores por ano do que o mostrado acima. A mesma notícia informa que “os custos vêm aumentando desde 2008 apesar da lei seca”. Mas a razão básica para isso, sem dúvida, vem sendo o enorme crescimento da frota de motocicletas.

Permitam-me agora traduzir alguns parágrafos de um estudo sobre segurança no trânsito executado pela agência responsável de uma grande cidade. Começa: “Na década passada obtivemos um tremendo progresso na redução de fatalidades na cidade de ***. 2009 foi de fato o ano mais seguro desde que começamos a coletar registros em 1910. As fatalidades diminuíram 35% em relação a 2001” (nota: em 2001 as fatalidades já eram poucas em relação aos índices brasileiros).

 O estudo contém o gráfico abaixo, no qual eu incluí São Paulo com dados do DENATRAN de 2006. Como já repeti inúmeras vezes, estatísticas brasileiras, além de desatualizadas não são confiáveis por várias razões; com certeza o índice de São Paulo está muito subestimado:


                                                Dados de 2008, a menos de exceções indicadas

Não, infelizmente a cidade em questão não é São Paulo nem qualquer outra do Brasil. É New York, a qual tem uma população comparável à do município de São Paulo. Com um índice de fatalidades no trânsito de 3,49 em 2009, 256 mortos (dados confiáveis), é uma das cidades mais seguras do mundo. Como em São Paulo, aproximadamente metade dos mortos são pedestres e ciclistas, mas os números absolutos e relativos de fatalidades são incomparavelmente menores. O título do estudo, elaborado pelo “DOT” da cidade (Department of Transportation) é “THE NEW YORK CITY PEDESTRIAN SAFETY STUDY & ACTION PLAN”. O planejamento vai até o ano de 2030.

A primeira pergunta é: “como eles chegaram a este nível de civilidade no trânsito?”. A segunda pergunta é: “no Brasil há como seguir esse exemplo começando já e alcançar os índices novaiorquinos em poucos anos?”.

A resposta para a segunda pergunta é um sonoro não, devido à inexistência de prioridade política para a segurança no trânsito em todas as esferas do poder público e ao “sistema trânsito de fato” vigente, o qual, como vimos mais de uma vez, é complexo e está estatisticamente estável. Sistemas complexos estáveis geram “outputs” idem. Uma das razões está na resposta à primeira pergunta. New York tem sido um exemplo na aplicação de “enforcement” severo para tudo o que é relacionado com o respeito às leis nas ruas. O processo se acelerou num certo momento com a célebre “tolerância zero”. Cerca de quarenta mil policiais patrulham as ruas, dedicados à prevenção de todos os tipos de crimes e infrações. A prioridade é o crime, mas esses policiais não ignoram o trânsito. Por outro lado há uma brigada de “traffic enforcement” no departamento de polícia, a qual dá prioridade ao trânsito, mas não ignora outros delitos. Para complementar a fiscalização, o departamento de policia conta com uns sete mil agentes de trânsito civis. Eles se dedicam a orientação do trânsito e apontam algumas infrações, principalmente estacionamento ilegal. A engenharia de tráfego fica por conta do DOT.

Resumindo, em New York a AUTORIDADE policial esteve e está permanentemente nas ruas, e exerce sua autoridade com competência. Se não fosse assim não teria ocorrido a evolução vista abaixo.


        
  Escrito por Paulo R. Lozano às 8:00 do dia 26 de agosto de 2011  

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Onde está a polícia? - 3

Estimativa de mortos e feridos em acidentes de trânsito no Brasil até a data: mortos – 25.863; feridos 258.000
Continuo com a análise das deficiências na fiscalização de trânsito no Brasil. Reforço que este não é um problema especifico de alguns Estados da União, mas sim sistêmico, do país.  
Vimos que o Código de Trânsito Brasileiro é bastante genérico quanto à atribuição de responsabilidades concretas aos elementos do Sistema Nacional de Trânsito. Em não havendo definições concretas no CTB, a próxima etapa é analisar as Resoluções da mais alta autoridade de trânsito do país, o CONTRAN. Pode o CONTRAN definir responsabilidades de fiscalização de trânsito nas esferas da União, Estados e Municípios?
O CONTRAN fez alguma coisa e fez logo. A RESOLUÇÃO Nº 66, de 23 de setembro 1998 instituiu a tabela de distribuição de competência dos órgãos executivos de trânsito.  A justificativa era a “necessidade de definir competências entre Estados e Municípios, quanto à aplicação de dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro referentes a infrações cometidas em áreas urbanas”.

As tabelas anexas à Resolução listam cerca de 240 infrações, indicando as competências entre Estado, Município e Estado e Município, pela fiscalização de trânsito, aplicação das medidas administrativas e – como não poderia deixar de ser – arrecadação das multas aplicadas. Nas ~ 240 infrações listadas cerca de 68% são de competência de Municípios, 26% dos Estados e 6% compartilhadas entre Estados e Municípios.

E agora? As competências estão definidas, mas e as responsabilidades? Creio ser intuitivo que uma deveria seguir a outra, mas o que ocorre na prática?

Sabemos o que aconteceu e continua acontecendo, Estados e Municípios “exercem” suas competências em fiscalização, em termos de “se, quando, quanto, e com qual nível de qualidade”, conforme suas próprias “vontades”, evidentemente obedecendo outras Regulamentações CONTRAN e Portarias DENATRAN, o que não muda em nada essa conclusão. Cabe lembrar que somente os municípios já integrados no Sistema Nacional de Trânsito podem fiscalizar as infrações de sua competência (e, portanto, arrecadar as multas pertinentes). Para tanto, eles devem se estruturar e serem indicados aptos, conforme outras Resoluções CONTRAN. Para os municípios sem essa capacitação está aberta a porta de eventuais convênios com as Polícias Militares de seus Estados.

 Cabe lembrar, também, que a quantidade de “infrações” contra dispositivos do CTB “praticadas” principlamente por omissão por órgãos oficiais é enorme, mas isso fica para outra vez. Basta lembrar as deficiências em sinalizações de estradas e ruas. Curiosamente, o Ministério Público em São Paulo “pegou no pé” da Prefeitura e da CET, por exemplo, devido à demora que ocorreu (em alguns casos por motivos técnicos) em se instalar sinalizações quando das obras de ampliação da Marginal Tietê. E o resto?    

Volto agora à pergunta colocada em postagens anteriores, redigindo-a de outra forma: governos estaduais podem se eximir da responsabilidade pela fiscalização de 26% ou mais das infrações de trânsito que ocorrem nas áreas urbanas? As PROVAS DA REALIDADE mostram claramente que sim, podem. Podem deixar o que lhes compete fazer ao Deus dará, e realmente deixam. Ministérios Públicos fecharam completamente os olhos a este gravíssimo problema. É conveniente recordar mais uma vez que no Brasil o poder de polícia pertence aos Estados e só aos Estados.  No rol das competências exclusivas dos Estados estão infrações gravíssimas, além do fato de que só a polícia tem autoridade para abordar veículos.

Por um lado, esse fato explica boa parte da razão pela qual os cidadãos sentem-se abandonados no trânsito há anos, estando a pé ou motorizados. Por outro lado, as autoridades de trânsito municipais (quando existem) e estaduais se acostumaram, ou melhor, se viciaram nas possibilidades tecnológicas de fiscalizações eletrônicas automáticas. Não que essas não sejam necessárias, são, e muito, considerando a extensão do país, o tamanho da população, a quantidade de veículos em circulação, as características da frota, e outras condições agravantes vigentes no país. Mas o pecado capital é o fato de a AUTORIDADE ter se omitido, nas ruas das cidades brasileiras.
Os cidadãos eleitos que representam a AUTORIDADE são nada mais nada menos que os Governadores dos Estados da União. Por outro lado, percebe-se que a União não gosta nem um pouco de por a mão nesse vespeiro. Apelar a quem? Quem então está responsável pela civilidade no trânsito?

Antes de encerrar, menciono mais uma Resolução CONTRAN, a de número 289 de 29 de agosto de 2008. Essa norma considera “a necessidade de intensificar a fiscalização do trânsito nas rodovias federais, objetivando a redução dos altos índices de acidentes e a conservação do pavimento, coibindo o desrespeito aos limites de velocidades e o tráfego de veículos com excesso de peso”.  Ela reza que compete ao Departamento de Polícia Rodoviária Federal – DPRF – “exercer a fiscalização eletrônica de velocidade nas rodovias federais com a utilização de instrumento ou medidor de velocidade do tipo portátil, móvel, estático e fixo, exceto redutor de velocidade, aplicando aos infratores as penalidades previstas no Código de Trânsito Brasileiro – CTB”. Entende-se porque, o CONTRAN, uma entidade federal indicou responsabilidade para outra entidade federal. Então, há uma responsabilidade definida, para duas infrações de trânsito definidas. Será o bastante? A julgar pelo que acontece nas rodovias federais... Nem isso.

Escrito por Paulo R. Lozano às 8:00 horas do dia 25 de agosto de 2011  

sábado, 20 de agosto de 2011

Onde está a polícia? - 2



Continuamos com a análise do CTB a respeito de responsabilidades por fiscalização e policiamento ostensivo. 
   
CAPÍTULO VIII
DA ENGENHARIA DE TRÁFEGO, DA OPERAÇÃO, DA FISCALIZAÇÃO E DO POLICIAMENTO OSTENSIVO DE TRÂNSITO
Este curto capítulo, se estendendo do Artigo 91 ao Artigo 95 não contém disposições definindo responsabilidades por fiscalização e policiamento ostensivo de trânsito.
 
 
 
CAPÍTULO XV
DAS INFRAÇÕES
O Capítulo se estende do Artigo 161 ao Artigo 255.  Ele descreve as infrações de trânsito; define suas classificações (...; grave; gravíssima); penalidades (multa; suspensão do direito de dirigir...); e medidas administrativas (... retenção de veículo...). 


Como no Capítulo III, várias infrações não podem ser imputadas por agentes de trânsito municipais, a começar pela primeira, pois somente uma autoridade policial pode abordar veículos / motoristas: 
Art. 162. Dirigir veículo:
I - sem possuir Carteira Nacional de Habilitação ou Permissão para Dirigir:
Infração - gravíssima;
Penalidade - multa (três vezes) e apreensão do veículo;


Uma lista desses artigos é por demais extensa para poder ser mostrada aqui. Cerca de 40 Artigos (do Capítulo) não são fiscalizados ou fiscalizáveis por agentes de trânsito municipais, por um motivo ou por outro. Entre eles há mais de 15 infrações gravíssimas.


Consultei recentemente o site do NYPD (New York Police Department) onde se encontram estatísticas de autuações por infrações de trânsito registradas mensalmente pelos policiais em patrulhamento ostensivo nas ruas (dados de 2011). Vejamos alguns tipos, que dificilmente são apontados no Brasil em função do “sistema” de fiscalização vigente: Mudança súbita de pista (direção perigosa) – 3.406; Motorista sem permissão para dirigir (em cidades no Brasil esse tipo normalmente só é detectado em blitzes das PMs, se e quando ocorrem) – 36.212; Excesso de velocidade – 52.518 (detectados por policiais “on duty”); Ultrapassagem perigosa / ilegal – 3.058; Não manter distância apropriada do veículo à frente (dirigir “colado”) – 1.117; Luzes de segurança defeituosas (farol, freio, outras) – 43.259. Há outras similares.


       
Gostaria de conhecer as estatísticas de fiscalização em cidades dos órgãos de trânsito de todo o Brasil a respeito de multas pelo descumprimento de itens do Capítulo XV. Mas aí já é pedir demais.

 
 
CAPÍTULO XVI
DAS PENALIDADES
Art. 256. A autoridade de trânsito, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá aplicar, às infrações nele previstas, as seguintes penalidades:
I - advertência por escrito;
II - multa;
III - suspensão do direito de dirigir;
IV - apreensão do veículo;
V - cassação da Carteira Nacional de Habilitação;
VI - cassação da Permissão para Dirigir;
VII - freqüência obrigatória em curso de reciclagem.


Novamente vemos a locução: “na esfera das competências estabelecidas nesse Código” e agora “ dentro de sua circunscrição”. Estamos em janeiro de 1998, quando o CTB entrou em vigor. Quem fica responsável pelo que? Será que temos (quem?) de dividir responsabilidades por fiscalização? Isso é bom?

Continua.

Escrito por Paulo R. Lozano às 8:00 horas do dia 20 de agosto de 2011

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Onde está a polícia? - 1

Vamos examinar alguns pontos do Código de Trânsito Brasileiro com o propósito de melhor avaliar se os Governadores de Estado estavam ou estão sendo omissos no problema da incivilidade do trânsito nas cidades. Conforme perguntas na última postagem:
 
“Pode ser opção de Governadores ordenarem às suas polícias militares que abandonem o policiamento de trânsito?
 
CTB
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1º § 2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.

As palavras “no âmbito das respectivas competências” indicam, teoricamente, que em algum lugar essas “competências” devem estar bem definidas. Se não estiverem...

CAPÍTULO II
DO SISTEMA NACIONAL DE TRÂNSITO
Seção I - Disposições Gerais
Art. 5º O Sistema Nacional de Trânsito é o conjunto de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que tem por finalidade o exercício das atividades de... policiamento, fiscalização, ...
Art. 6º São objetivos básicos do Sistema Nacional de Trânsito:
I - estabelecer diretrizes da Política Nacional de Trânsito, com vistas à segurança, à fluidez, ..., e fiscalizar seu cumprimento;
Seção II - Da Composição e da Competência do Sistema Nacional de Trânsito
Art. 7º Compõem o Sistema Nacional de Trânsito os seguintes órgãos e entidades:
VI - as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal.

CAPÍTULO III
DAS NORMAS GERAIS DE CIRCULAÇÃO E CONDUTA
A partir do Artigo 26 até o Artigo 67 o CTB estabelece as normas de conduta no trânsito.  Várias não podem ser fiscalizadas por agentes municipais e a fiscalização de outras requer abordagens de motoristas. Alguns exemplos: Artigos 27; 29 I, II, III, IX, X, XI; 30; 31; 32; 34; 35; 42; 44; 54; 55; 64; 65.


Policiamento só pode ser feito por polícia e polícia é prerrogativa dos governos estaduais. As Polícias Militares fazem parte do Sistema Nacional de Trânsito sendo co-responsáveis, portanto, pelo Art. 1º § 2º do CTB: garantir segurança no trânsito para todos.

Vou por partes, porque descrições de leis e regulamentos são temas áridos. Entretanto, pelo visto até agora, parece claro que os governos de Estados da União são sim co-responsáveis pela segurança no trânsito nas cidades, via policiamento ostensivo em larga escala.

Escrito por Paulo R. Lozano às 20:00 horas do dia 19 de agosto de 2011

Onde estava a polícia?

Em postagem do dia 04 de junho, abordei a questão dos pilares nos quais se apóia a civilidade de qualquer sociedade organizada. Nas últimas postagens, tenho ressaltado situações que exemplificam nosso maior problema, sérias falhas no Pilar3, “Enforcement”, no que diz respeito particularmente ao trânsito. Repito aqui parte de um parágrafo daquela postagem:    


Finalmente, o Pilar3 [“Enforcement” da lei – fiscalização e justiça] é o ponto fraco do sistema trânsito no Brasil (e não só no trânsito).  

Enquanto aguardo informações para poder fazer o comparativo mencionado na postagem anterior, aproveito esta para comentar alguns pontos interessantes que se lêem no site da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, gerado quando da recriação do CPTran – Comando de Policiamento de Trânsito. O CPTran for recriado em maio de 2010 e desse modo os comentários podem parecer fora de época,  mas nesta fase do blog servem bem ao propósito de ilustrar certos conceitos que considero equivocados. Ressalto não haver qualquer viés político neste caso, pois a situação em praticamente todos os Estados brasileiros é similar, seja qual for o Partido dos Governadores atuais.  


Site: “O Governo de São Paulo recriou, em maio de 2010, o Comando de Policiamento de Trânsito (CPTran), para reforçar o combate à criminalidade no trânsito e melhorar a fluidez e a fiscalização do tráfego de veículos nas ruas da Capital”.
Comentário: Os objetivos do CPTran são bem claros. Notem, porém, a palavra “reforçar”.
Site: O primeiro CPTran foi criado em 1970 e extinto em 2001. Na época, os mais de dois mil policiais que atuavam no setor foram designados para fiscalizar e combater a criminalidade em diversos pontos.
Comentário: Em 2001 o novo Código de Trânsito Brasileiro já estava em vigor. Está claro com esta “extinção” que governos estaduais podem considerar opcional, de acordo com suas prioridades internas, manter ou não Policiamento de Trânsito por efetivos da Polícia Militar em cidades, já que nenhuma autoridade federal ou judiciária se manifestou contra.
Site: A redução de 70% dos homicídios no Estado de São Paulo, nos últimos anos, permitiu a recriação do CPTran, que dará mais fluidez e reforçará a segurança nas vias da Capital.
 Comentário: A justificativa para a extinção foi essa: Na época, o número de homicídios era muito expressivo e, por isso, a PM concentrou esforços no combate aos homicídios”. Com a redução de 70%, recriou-se os batalhões. Será que as milhares de mortes que ocorriam no trânsito “na época” não eram expressivas? Qual a diferença entre morrer assassinado e atropelado?
Site: Para o secretário da Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, essa atuação dos policiais aumenta a eficiência da fiscalização, já que os PMs podem, entre outras coisas, interceptar, analisar documentos e verificar as condições dos veículos.
Comentário: Nesse parágrafo, o próprio secretário reconhece que somente policiais podem interceptar, analisar documentos e verificar as condições dos veículos. Aumenta a eficiência da fiscalização? Isso é a verdadeira fiscalização.
Site: O complemento ao trabalho da CET vem da possibilidade de a PM poder abordar veículos. “É trabalho da polícia: abordar veículos, ver se o condutor está embriagado, se o carro está em ordem, e se o condutor está com a documentação correta”, disse Camilo.
Comentário: Confirma o ponto anterior. Mas como se verá em futuras postagens, em outros países o trabalho dos agentes de trânsito é que complementa o da polícia, não o contrário.  
Site: “Não é um centro burocrático, que cuidará de digitação de autuação. Ele (CPTran) será um centro de coordenação e fiscalização, para estabelecer a doutrina de trânsito na Capital”, pontuou o comandante geral da Polícia Militar, coronel Álvaro Batista Camilo.
Comentário: Perfeito senhor comandante, mas antes da “recriação” quem estabelecia a doutrina do trânsito na Capital? E em outras cidades?

Volto à questão: pode ser opção de governadores ordenarem às suas polícias militares que abandonem o policiamento de trânsito?  Na mesma linha de raciocínio, podem eles ter a opção de determinar onde, quando e quanto policiamento será alocado, por mais ineficiente que seja? Resposta: Pelo Código de Trânsito Brasileiro, um grande e definitivo TALVEZ.  Comento em próxima postagem.

Escrito por Paulo R. Lozano às 8:00 horas do dia 19 de agosto de 2011

terça-feira, 16 de agosto de 2011

O tamanho do problema

Certo interesse pelo assunto “desrespeito aos pedestres nas faixas de segurança” continua na Cidade de São Paulo dois meses após o início de programa do poder público municipal sobre a questão. Jornais e telejornais têm aberto espaços quase diariamente ao tema, cuja evolução interessa a todos. Nos últimos dias as manchetes e chamadas ressaltam os resultados divulgados pela CET, redução de 46% nos atropelamentos ocorridos nos 35 cruzamentos centrais escolhidos para comparação e o início das autuações executadas pelos agentes de trânsito.
Espero que mantenha-se constância de propósito nessa ação iniciada pela prefeitura e que ela se amplie, como disse na inserção do telejornal da segunda feira, 15 de agosto. E é preciso muito cuidado para evitar que os motoristas venham a interpretar essa boa iniciativa como mais uma na fila das “novas possibilidades de aumentar a arrecadação com multas”. Para tanto, a manutenção de campanhas de esclarecimento e melhorias perceptíveis no gerenciamento do trânsito são essenciais.  
Dediquei algumas postagens seguidas a esse tema pelo fato de no momento estar tão na berlinda em São Paulo, porém creio que elas podem ser encaradas genericamente, como exemplos de algumas situações que venho citando neste blog. Por exemplo, perante a anunciada redução de 46% nas ocorrências, alguém deveria se espantar? Pode ficar surpresa constatando que fiscalização funciona? De espantar, talvez, seja o fato de após décadas de negligência dos poderes públicos em exercer seu dever de fiscalizar com seriedade, os resultados gerais da incivilidade no trânsito e índices de acidentes não serem ainda piores, graças provavelmente ao comportamento médio do brasileiro, povo naturalmente pacífico e ordeiro. Os poderes públicos vêm falhando há décadas na educação, fiscalização e punições severas para a fração mais rebelde e indisciplinada de motoristas (sendo o último fator consequência do sistema legal/jurídico historicamente ineficiente e leniente,  não só no trânsito, do país).
   
Bem, vamos fazer algumas análises numéricas a respeito dos índices divulgados pela CET. Na área da cidade sob vigilância especial os atropelamentos, em números absolutos, caíram de 22 em 2010 para 8 em 2011 (nos mesmos meses). Sem dúvida é significativo. Por outro lado, as melhores informações disponíveis do Corpo de Bombeiros dão conta que 19 pedestres foram atropelados por dia nas ruas em São Paulo no ano passado. Estimando um índice de fatalidade de 10%, isso significa que 19 pessoas morreram atropeladas a cada 10 dias, o que confere com informações de outros órgãos apontando duas mortes por dia. Isso é uma barbaridade! Quantas eram crianças menores de 14 anos? Quantas eram idosos? Quantas possuíam deficiências? Ninguém sabe ao certo, mas estes são os que mais sofrem.  Os 22 casos registrados em 2010 em dois meses nos 35 cruzamentos monitorados representaram, então, 1,9 % dos prováveis atropelamentos da cidade no ano. O problema é que São Paulo tem mais de 11 milhões de habitantes, 16 mil quilômetros de ruas e avenidas, frota com mais de 4,6 milhões de automóveis, 720 mil motocicletas, 33 mil ônibus e 120 mil caminhões. Ah, e mais de 50 mil cruzamentos.     
Isso demonstra o tamanho do problema a ser enfrentado em São Paulo se a prioridade em longo prazo das autoridades realmente for diminuir significativamente a quantidade de pedestres atropelados.  E no Brasil?
Na próxima postagem vou mostrar alguns dados comparativos entre São Paulo e New York.
Nota: agradeço os gentis convites do SBT Jornalismo para as entrevistas das últimas semanas no jornal da manhã.    
Escrito por Paulo R. Lozano às 8:00 horas do dia 16 de agosto de 2011

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Autoridade


Tenho batido com certa frequência na tecla da importância da AUTORIDADE presente nas ruas com o propósito de disciplinar e, portanto, civilizar o trânsito. O tipo de autoridade a que me refiro é aquela com poder de abordagem, ou seja, poder de impor que determinado veículo pare a fim de possibilitar fiscalização correta e dar prosseguimento a eventuais penalidades.

A situação que descrevo em seguida se refere a países que, quase com unanimidade, qualquer pessoa que neles esteve diria que possuem trânsito civilizado (por percepção durante exposição e não por resultado de consultas a estatísticas, mas estas revelariam bons resultados, de qualquer modo). Obtive essas informações em congressos internacionais sobre trânsito, em conversas diretas com especialistas e autoridades desses países, principalmente da Europa. Os fatos: ninguém conhecia contestações judiciais a respeito de sistemas ou práticas de fiscalização e enforcement; ninguém conhecia disputas de abrangência de autoridade; ninguém conhecia atritos jurídicos entre áreas responsáveis por gestão e por fiscalização de trânsito. O fato de eu ter levantado essas questões para eles foi, sim, surpreendente. A conclusão é simples, esses países estão num estágio institucional-jurídico consolidado quanto ao enforcement no trânsito e não só no trânsito.   

Não posso dizer o mesmo sobre o Brasil. Não sou jurista e não vou entrar no mérito das pendengas que volta e meia são noticiadas ou se vêem em qualquer consulta na Internet, tais como: “a justiça tal declarou não válidas todas as multas lavradas pelo órgão tal e qual, desde o ano tal, em função de patati patatá. O órgão tal e qual declarou que vai recorrer”. Há muitos casos diferentes, mas creio que apenas um exemplo genérico é suficiente. A conclusão é simples: não atingimos ainda estágio de consolidação institucional-jurídico equivalente.

As dúvidas da população são inúmeras. Geralmente os que mais sofrem são os agentes de trânsito, como os marronzinhos de São Paulo, pois a população não conhece suas limitações de atuação e os criticam sem dó nem piedade! Apenas para ilustrar, listo algumas dúvidas frequentes.

·         Marronzinho têm poder de multar?

·         Por que os marronzinhos ficam parados multando rodízio (respondendo à pergunta anterior, na verdade eles não multam, apenas autuam; ficou confuso? quem não fica?) ao invés de se ater a orientar o trânsito?

·         Polícia civil metropolitana pode atuar no trânsito?

·         Esses policiais podem abordar veículos?

·         Como uma Companhia de Engenharia de Tráfego, que nem departamento do poder público e nem autarquia é tem poder de fiscalizar?

·         Por que eles não se limitam a realizar com competência boa engenharia de tráfego? O trânsito está cada vez pior...   

·         Por que os carros-patrulha da Policia Militar não ajudam a fiscalizar o trânsito?

·         Quem pode operar radares móveis?

·         Os radares móveis devem ser sinalizados? Como?

·         Um agente pode multar à distância por não uso de cinto de segurança? Como ele pode ter certeza se não abordou (ou não pode abordar)?

·         Se não pode ou não deve multar à distância, então quem e como fiscaliza o uso correto de cintos de segurança e cadeirinha de crianças?

·         Centenas de outras...

Já disse que nosso “sistema trânsito” é fragmentado. As leis e regulamentos nem sempre são razoavelmente claros, se fossem não haveria tantas disputas judiciais. Numa situação madura, a justiça estaria cuidando de casos específicos de infração e infratores e jamais do próprio sistema trânsito em si. Como ponto de partida para melhorias devemos reconhecer que temos problemas, autocomplacência e arrogância não ajudam.

Sobre a ausência da AUTORIDADE nas ruas, isso é o que eu percebo e não me importa o quanto “autoridades de trânsito”, chefias é claro, possam discordar. Eu e mais dezenas de pessoas para as quais fiz a mesma pergunta: em cidades (nas estradas não há duvidas de que as polícias rodoviárias são autoridade) quando foi a última vez que você viu um motorista ser parado para ser abordado e fiscalizado, a menos de eventuais “blitzes” da polícia militar?  Quando ouviu pela última vez uma AUTORIDADE sinalizar para um veículo com dois silvos breves do apito? Quando viu pela última vez um veículo de patrulha (viatura, motocicleta) abordar um veículo infrator em movimento (automóvel, motocicleta...), por exemplo, costurando perigosamente no trânsito? A resposta é nunca.

O binômio AUTORIDADE e COMPETÊNCIA não pode ficar ausente das ruas. Soluções “meia boca” só podem dar resultados idem.

Escrito por Paulo R. Lozano às 8:00 do dia 12 de agosto de 2011