sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Faixas fatais - 6

Comprovando algo que tenho dito amiúde, recebi por esses dias um Email que vem circulando na Internet, vindo de alguém indignado com a “indústria da multa”. Não é o primeiro, já recebi dezenas desse tipo. Por outro lado, jamais recebi algo similar de alguém reclamando de motoristas que não respeitam o direito do pedestre de atravessar uma faixa sem sustos. Certo ou errado a percepção é essa: as autoridades só estão interessadas em multar.

Alguns trechos do Email:

“Você já levou multa por avançar um sinal vermelho?
Se já levou e foi fotografado, provavelmente foi enganado pelo órgão de trânsito emitente da infração... Só se preocupam em cobrar multas… na maior roubalheira institucionalizada... Chega de dar dinheiro pra essa bandidagem... divulgue essas informações ao máximo de pessoas que você conhece. A prática tem mostrado que correntes do bem na Internet trazem resultados positivos”.

O cidadão que iniciou esse Email está errado em vários pontos, em especial na base de sua argumentação, o pretenso legal que ele avoca, mas isso não é o mais importante. Importante é a inversão de valores a qual, conforme tenho explicado, criou-se em virtude do vácuo que persiste a mais de meio século de ausência da autoridade nas ruas fiscalizando todo o tipo de infrações, principalmente as de percurso no trânsito! Até os anos 60, quando o trânsito se concentrava em ruas do centro das (poucas) grandes cidades as coisas eram mais fáceis, depois tudo mudou. O campo se esvaziou, as cidades incharam e dezenas de milhões de veículos entupiram as ruas. O sistema trânsito complicou-se exponencialmente, mas sem formação histórica, competência e criatividade, as autoridades permaneceram, em sua letargia, no tempo dos burgos. A liberação do novo código de trânsito foi um parto. Pior, com ele a autocomplacência das autoridades de trânsito aumentou: a lei é suficiente, culpados são os motoristas. Essa é a síndrome de Pilatos, já vimos em postagens anteriores.  

Voltando ao problema, este deixou de ser avançar um sinal vermelho, cruzando duas faixas. O problema que incomoda passou a ser a fiscalização automática. A indignação não vem do fato de alguém ter visto alguém cruzando descaradamente um sinal vermelho, pondo em risco as vidas de seus filhos, seus pais idosos, ou de qualquer outro ser humano, pedestre ou em outros veículos. A indignação vem do fato de infratores – considerando ser altíssima a probabilidade de eles realmente terem cometido a infração – terem sido detectados por “sistemas automáticos não metrológicos de fiscalização”, como esses sistemas são oficialmente designados. Juristas gastam rios de tinta tentando demonstrar a ilegalidade desses sistemas e pode ser até que por tecnicalidades jurídicas eles tenham razão. Então, caso você tenha sido incluído na estatística de pedestre atropelados, uns vinte por dia somente na cidade de São Paulo, por favor, não reclame, você estava no Brasil. É proibido fiscalizar.

Indústria da multa. Alguns meio filósofos dizem que percepção é realidade. Se essa percepção existe, e acho que a maioria concorda que sim, ela não surgiu do nada; uma vez criada, manteve-se viva; cresceu e se multiplicou. Há responsabilidades por detrás disso.  

A realidade: motoristas exasperados em cidades congestionadas; com péssimo urbanismo; mal sinalizadas; com gestão técnica do trânsito insuficiente, ruim ou inexistente; sem nenhuma autoridade presente e atuante permanentemente nas vias; sujeitos ao estresse permanente de um trânsito incivilizado, em função de, por décadas, ter sido deixado por conta de si mesmo (o que permite a ação impune de significativa fração, mas não maioria, de motoristas agressivos e/ou com percepções distorcidas de seus direitos); pagando impostos e taxas elevadas para tudo... É quase inevitável, então, que um cidadão venha um dia a ser flagrado por fiscalizações automáticas, nas quais “os que são da região e conhecem não caem, passam pelo ponto e voltam a abusar”... Ou então, por agentes de trânsito que “ao invés de se manterem dedicados a mitigar problemas são forçados pelos chefes a se plantar estáticos, apontando infrações que não interferem na segurança do trânsito, como rodízio ou estacionamento proibido, para aumentar a arrecadação”. Que outra percepção pode existir na mente desses motoristas exasperados? E dá-lhe antagonismo... Das autoridades: os motoristas não colaboram... Dos motoristas: eles só que querem nos #*@¨.

Para encerrar por agora, vale apontar um dos “considerando” da Resolução 165 do CONTRAN, origem daquele Email, a qual regulamentou os sistemas automáticos não metrológicos de fiscalização: CONSIDERANDO a necessidade de evitar a ocorrência de elevação dos atuais números de mortos e feridos em acidentes de trânsito, coibindo o cometimento de infrações de trânsito, resolve... A necessidade não é diminuir, mas sim “evitar a elevação”! Pena que não dá para fazer como os astronautas da Apolo13: Houston, we have a problem! Eles se salvaram.

Escrito por Paulo R. Lozano às 8:00 horas do dia 05 de agosto de 2011

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