Tenho de adiar mais uma vez o retorno aos comentários sobre questões sistêmicas do trânsito brasileiro em função de dúvidas que surgiram sobre as minirrotatórias, mostradas na postagem anterior. Na verdade, o propósito não era comentar as minirrotatórias em si, mas sim o fato de que em muitos cruzamentos em São Paulo onde elas foram implantadas as faixas de segurança simplesmente desapareceram! Comentei alguma coisa sobre elas em postagem do dia 01 de agosto. Revendo:
“A partir da maneira tosca como as autoridades de trânsito implantam “soluções” aparentemente boas, como as minirrotatórias, o resultado final é que os motoristas geram suas próprias interpretações de como a “coisa funciona”. Mas acrescentei: (nota: a despeito dos erros grosseiros de implantação e enforcement, as minirrotatórias diminuíram acidentes nos cruzamentos, mas isso é outra história, que fica para outra vez).
Rotatórias são coisas antigas. Nas estradas brasileiras são comuns, e nas cidades algumas são famosas, como a da praça em volta do Arco do Triunfo em Paris ou a Praça Campo de Bagatelle em São Paulo. Rotatórias pequenas conhecidas no exterior como “roundabout” são criação mais recente de engenheiros de tráfego e parece que surgiram na Inglaterra há uns cinquenta anos. Em seu “funcionamento” são diferentes das grandes, onde em geral há mais de uma faixa de trafego. Dentro desse conceito, surgiram depois as minirrotatórias, implantadas em cruzamentos simples, normalmente sem obras de engenharia, valendo-se de “sinalização horizontal”, ou seja, inscrições ou marcas pintadas no pavimento, com ou sem a complementação de tachas no asfalto. As minirrotatórias devem ser complementadas por sinalização de solo nas ruas convergentes e divergentes, cujo propósito teoricamente é fazer com que os veículos se aproximando do cruzamento diminuam a velocidade e sejam guiados para a faixa de movimento circunferencial. Além disso, podem ser colocadas placas de alerta “rotatória adiante, simbólica ou explícita e mandatoriamente, de preferência bem na entrada da rotatória a placa indicativa de preferência (nota: normalmente se vê as duas juntas, uma sobre a outra).
Aqui reside o problema. Adotou-se o sistema “Dê a preferência”, sinalizado com a placa R2, aquele triângulo invertido. Deve haver uma em cada “entrada” do cruzamento. A idéia é manter certa fluidez no trânsito nos cruzamentos de trafego não muito pesado, onde os semáforos não são necessários, sem que os veículos tenham necessariamente de parar. Os americanos não gostam muito da prática do roundabout junto com o “dar preferência”, eles usam essa placa somente nos acessos às vias rápidas. Preferem colocar placas “Pare” em cada entrada de cruzamentos sem semáforos. Pare é pare. Se um motorista não imobiliza seu veículo antes de cruzar, mesmo tendo visão total de que a transversal está completamente livre tem alta probabilidade de ser multado. Se quatro veículos chegam quase simultaneamente num cruzamento desse tipo, os quatro param e em seguida cruza o que chegou primeiro, e assim sucessivamente. Segurança máxima.
Na verdade, não tenho restrições sobre a utilização de minirrotatórias em bairros menos movimentados, mas isso está se tornando raro em São Paulo. Acho uma solução eficiente para diminuir colisões, “se implantadas eficazmente”. Tenho sérias restrições, sim, quanto à maneira como a implantação vem sendo feita:
1. De repente minirrotatórias começaram a pipocar por cruzamentos sem campanhas prévias focadas no assunto. Houve e continua havendo pouca ou nenhuma divulgação. Os gestores do trânsito se escudam no equivocado conceito de que os motoristas têm a obrigação de saber perfeitamente o que é isso, senão não poderiam ter licença para dirigir.
2. Como já frisei, faixas de segurança foram eliminadas nos cruzamentos. Elas deveriam ser realocadas alguns metros além do cruzamento, o suficiente para pelo menos um veículo poder parar sem interferir no trânsito na rotatória.
3. Sem um mínimo de orientação adequada, como dito, os motoristas geram suas próprias interpretações de como a “coisa funciona, errôneas, é claro. Novamente me baseio em “pesquisas” próprias e o que aprendi perguntando a dezenas de pessoas foi: A sinalização “Dê preferência” em quatro vias não é compreendida, isso se e quando facilmente visíveis; muitos acham que uma rua que era preferencial continua sendo; outros acham que ruas que parecem preferenciais, por serem mais largas, mais bem pavimentadas ou por motivos parecidos são preferenciais; muitos acham que a regra de “quem vem pela direita tem a preferência” continua válida nas minirrotatórias; a esmagadora maioria dos motoristas não diminui a velocidade ao se aproximar dos cruzamentos e acha que os que vêm na transversal devem lhes dar preferência; motoristas menos afoitos, como por exemplo mulheres levando crianças, entram num cruzamento primeiro, com pleno direito de continuar seu trajeto e costumam parar intimidados no meio em função de veículos que se aproximam rapidamente na transversal, muitas vezes piscando o farol sinalizando que não vão parar; estes passam direto talvez sem ter noção da infração que cometeram e que pode levar a graves acidentes. CTB; Das infrações: Art. 215 - Deixar de dar preferência de passagem... a) a veículo que estiver circulando por rotatória; Infração grave.
4. Não há padronização oficial de minirrotatórias; há muitas variações e isso confunde os motoristas. Assim, não são pintadas linhas delimitando os limites de entrada; os círculos centrais são de vários diâmetros independentemente das características dos cruzamentos; caminhões e ônibus longos não conseguem circular; etc.
5. Rotatórias têm sido implantadas em cruzamentos com geometria e pavimentação totalmente inadequadas, forçando a circulação de veículos sobre zonas frágeis de junção ou muito irregulares; em pouco tempo o pavimento fica quase intransitável e perigoso; parece que a engenharia de trânsito pensa: "E eu com isso? O problema é do Departamento de Obras, eles que vão lá e consertem!" Então, não há coordenação no município? O correto é agir ao contrário, façam-se projetos adequados que sejam aprovados pelas secretarias envolvidas, que se executem obras quando necessário e depois se sinalize e oficialize uma nova minirrotatória.
6. Como ocorre normalmente com as regras de trânsito "de percurso" o "enforçamento" durante a implantação (e permanentemente depois) nas minirrotatórias foi e continua sendo nulo; duvido que uma única multa tenha sido lavrada em São Paulo por um agente de trânsito contra veículo que não tenha dado preferência de passagem; presença da autoridade na rua, com fiscalização de percurso feita por policiais, obrigando infratores a parar (dois silvos breves) nem pensar; fiscalização à distância, exercida por agentes de trânsito idem; na ausência total da autoridade e fiscalizações só pode imperar o caos, a lei do mais forte, do mais ousado, do mais esperto; dos menos informados; e é o que acontece.
Ao invés de um trânsito mais civilizado os motoristas respeitosos sofrem com o estresse de mais um sério ponto de conflito. Minirrotatórias tem reduzido acidentes? Sim, mas não da maneira que deveria ser. Essa eterna incapacidade em fazer as coisas direito somente contribui para a igualmente eterna desconfiança na competência das autoridades e revolta contra autuações automáticas em massa. O espírito geral de colaboração para a cidadania fica seriamente prejudicado.
Se as autoridades não fazem sua parte, façamos a nossa. Se você é um motorista consciente, saiba que ao se aproximar de uma minirrotatória deve diminuir a velocidade, olhar cuidadosamente e só continuar avançando (sem precisar parar completamente) se nenhum veículo vindo de transversais já tiver adentrado o cruzamento por pouco que seja, pela esquerda ou pela direita. Nesses casos você deve dar preferência, parar! Se houver um carro parado no meio do cruzamento, pare para ele completar a travessia. É simples assim. Mas as autoridades não conseguem realizar campanhas focadas eficazes.
Escrito por Paulo R. Lozano às 22:00 horas do dia 09 de agosto de 2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário