domingo, 7 de agosto de 2011

faixas fatais - 7

Nas últimas postagens fiz uma pausa “aparente” na análise sistêmica do trânsito no Brasil para me dedicar a comentar uma questão específica que está na berlinda na cidade de São Paulo, o desrespeito aos pedestres nas faixas (e não só nelas). Nesse tema, por enquanto, vou parar por aqui. Creio que o termo “aparentemente” acima carece de explicação, pois afinal tudo está ligado. A própria definição de sistema corrobora essa interpretação: “conjunto de elementos que interagem uns com os outros”.

Estatísticas falhas e provavelmente subestimadas indicam que pelo menos vinte pessoas são atropeladas por dia na cidade de São Paulo, vinte por cento por ônibus, vinte por cento por motocicletas e o restante por outros veículos motorizados. É uma carnificina em nada diferente dos crimes cometidos com armas de fogo. No entanto, como os relatórios da ONU ressaltam, estatísticas de acidentes de trânsito não provocam nem de longe os mesmos níveis de comoção na população e coberturas da mídia em comparação com outros motivos de violência, a não ser em casos excepcionais. Nesses dias o exemplo típico de um caso excepcional é o do jovem que morreu uma semana após ter sido atropelado de madrugada por um Land Rover blindado que capotou várias vezes, por estar supostamente em alta velocidade numa estreita rua de bairro, dirigido por uma jovem alcoolizada (ou por seu namorado embriagado, a controvérsia ainda não se definiu). Amanhã esse caso estará esquecido e outro ocupará seu lugar.

Voltando às faixas, o que de prático pode ser feito de imediato? Tendo a certeza de que entre as medidas corretas a mais importante não será aplicada (já demonstrei porque), que é a forte presença da autoridade policial nas ruas, interceptando no ato os infratores, mostrando assim o interesse e a presença do estado na defesa dos cidadãos (obrigação legal do estado, acintosamente ignorada pelos eleitos e esquecida pelas promotorias públicas), só nós resta listar o que municípios podem fazer:

1.        A mais alta autoridade do município, o senhor prefeito, deve demonstrar aos munícipes, de modo claro e continuo seu alto compromisso político com a civilidade no trânsito em geral, e em particular com a obediência a preceitos conforme prioridades que ele tenha definido e instruído seu secretariado a efetivar, de acordo com planos concretos preparados e divulgados na Internet (no caso em pauta, um deles seria o respeito aos pedestres), contendo metas e prazos.  

2.        Readequar todos os cruzamentos com semáforos sem sinalização específica para pedestres para modelos com essa sinalização. Os tempos de programação devem ser cuidadosamente analisados e continuamente revereficados, desde tempos automáticos, sinais inteligentes e solicitação de travessia apertando botão.

3.        Apesar do inevitável antagonismo motoristas / autoridades gerado pelas fiscalizações automáticas e outros motivos, utilizar bem mais extensamente essas tecnologias. Não sobraram muitas alternativas aos municípios, que receberam a maior parte da responsabilidade pela gestão do trânsito, mas não receberam autoridade policial para suportar essa responsabilidade. Ou se coloca em todos os semáforos, ou se faz aleatoriamente (a fim de não privilegiar “os que conhecem”, ou alimentar a indústria dos GPS com alertas; hipocrisia é inaceitável em países civilizados, mas no Brasil há  controvérsias legais quanto a essa questão).

4.        A sinalização semafórica deve ser continuamente estudada. Deve funcionar nos horários necessários. Fora deles, o “vermelho” piscante é a melhor alternativa e o emprego de ITS, Inteligent Transportation Systems ajudaria muito. Para tanto, será necessário atualizar Resoluções.   

5.        Ainda que com risco político para o senhor prefeito, o qual deve ter a coragem de enfrentá-lo temporariamente, os agentes de trânsito, se o município os tiver, devem ser treinados para registrar preferencialmente infrações de percurso que levam a riscos de acidentes de trânsito, com ênfase em veículos avançando sobre faixas com pedestres, em adição ao trabalho de mitigar / corrigir problemas pontuais de circulação e implantar planos de melhoria do sistema trânsito. Sem dúvida, a prioridade de fiscalização deve ser faixas em cruzamentos ou outros locais desprovidos de semáforos! O agente de trânsito pode sim não estar facilmente visível para o motorista que executa a infração, como disse, chega de hipocrisia. Todavia, se não ocorrer em paralelo contínuo aperfeiçoamento do sistema trânsito na cidade, mediante melhorias na proficiência dos órgãos de trânsito, melhorias essas perceptíveis por pedestres e motoristas, o resultado será a exacerbação da percepção de que “o que interessa é multar; é só a arrecadação!”.  Isso seria péssimo.  

6.        É imprescindível encontrar caminhos jurídicos para aumentar ações penais contra a significativa porcentagem de motoristas que consistentemente agem de modo altamente agressivo, colocando em risco a vida de outros, principalmente pedestres, tornando a aplicação de penas mais frequente e menos leniente nesses casos. Infelizmente, creio que seria necessário proceder alterações legais antes, o que não é nada fácil. A inexistência de policiamento de trânsito nas cidades também dificulta a adoção de medidas judiciais mais severas, pois não ocorrem flagrantes. Essa necessidade, entretanto, está fora da esfera de ação dos municípios, a menos de (improváveis) pressões organizadas.

7.        Apenas como exemplo de como nosso sistema trânsito leva a círculos viciosos, em muito países sempre que possível as faixas de segurança não ficam localizadas exatamente nos cruzamentos (nos quais não há semáforos para pedestres), são pintadas a alguns metros além deles, o suficiente para que pelo menos um veículo executando conversões à direita ou à esquerda possa parar antes da faixa sem obstruir a via de onde veio. Essa prática é importante não só para a fluidez como também para a segurança do trânsito, pois diminui a probabilidade de colisões traseiras. Por que no Brasil não é, ou melhor, não pode ser assim? A alegação (no momento correta) das autoridades é que isso diminuiria a visibilidade dos pedestres para o motorista que está fazendo a conversão. Ora, seria até redundância colocar nos cruzamentos avisos “Atenção, travessia de pedestres”, mas redundâncias não são ruins e esses avisos podem ser colocados em todos os cruzamentos com faixas relocadas. Algumas cidades já adotaram essa prática no passado (distante), como Santos. As placas duplas em angulo reto eram fixadas na calçada bem na esquina, bloqueando a passagem de pedestres nesse ponto. Na face virada para a rua havia um sinal de “Pare” e, escrito, “Pare para o pedestre na faixa”. Do lado da calçada o aviso era “Pedestre, atravesse na faixa”. E havia policiamento! Somente agora em São Paulo avisos estão sendo colocados em posição elevada, em semáforos (por enquanto só no centro) alertando o motorista que deseja fazer conversão que ele deve parar para pedestres na faixa. Se ele para, evidentemente bloqueia os veículos por trás em sua faixa de rolamento. E haja buzina.
8.        Para finalizar, outro aspecto nas faixas nos diferencia de alguns países. Neles os semáforos nos cruzamentos com faixas normalmente são sonoros. Um som intermitente muda de tom quando a prioridade é do pedestre e assim deficientes auditivos cruzam sem sustos. Japão, Dinamarca... No Brasil já se tentou isso e o resultado foi desastroso. Coitado do deficiente visual que acreditar em sua preferência; morre inocente. Repito, não há o que inventar. Faixas elevadas, acenar, ajudantes de travessia com bandeiras, isso tudo só demonstra a inadequação de nossos sistemas e a incapacidade das autoridades em disciplinar o trânsito.



Escrito por Paulo R. Lozano às 8:00 horas do dia 07 de agosto de 2011

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