quarta-feira, 29 de junho de 2011

As sugestões iniciais da Organização Mundial de Saúde

Em postagens anteriores mencionei que o World Report on Road Traffic Injury Prevention listava uma série de recomendações, com preponderância para ações governamentais. Aqui estão:

1.       O que governos podem [no lugar de “podem”, insistimos no “devem”] fazer

1.1.     Desenvolvimento institucional

1.1.1.  Fazer da segurança no trânsito uma prioridade política

1.1.2.  Designar uma Agência para liderar a Segurança no Trânsito, provê-la com recursos adequados e torná-la publicamente responsável [pelos resultados]

1.1.3.  Desenvolver uma abordagem multidisciplinar [sistêmica] para a segurança no trânsito

1.1.4.  Estabelecer metas apropriadas de segurança no trânsito e desenvolver planos nacionais para atingi-las

1.1.5.  Suportar a criação de grupos [entidades] advogados da segurança no trânsito

1.1.6.  Criar uma estrutura orçamentária para a segurança no trânsito [transparência] e aumentar os investimentos em ações demonstráveis para o propósito

1.2.     Políticas, legislação e “enforcement”

1.2.1.  Criar legislação e forçar à adesão do uso de sistemas de restrição [cinto de segurança/cadeirinhas] para adultos e crianças e o uso de capacetes em motocicletas e bicicletas

1.2.2.  Criar legislação e forçar à adesão à restrição de consumo de álcool por motoristas

1.2.3.  Estabelecer e forçar à adesão a limites de velocidade

1.2.4.  Estabelecer e forçar à adesão de normas severas e uniformes de segurança veicular

1.2.5.  Assegurar que considerações quanto à segurança de trânsito sejam incluídas em avaliações [ambientais e outros tipos] em novos projetos viários e na avaliação de planos e projetos de transporte

1.2.6.  Criar sistemas de coleta de dados designados a compilar dados [relacionados com a segurança no trânsito], analisá-los e utilizar os resultados para melhorar a segurança

1.2.7.  Estabelecer critérios apropriados para projeto [construção / manutenção] de vias de trânsito, de modo a promover a segurança para todos

1.2.8.  Gerenciar a infra-estrutura de modo a promover a segurança para todos

1.2.9.  Prover serviços de transporte público eficientes, seguros e accessíveis à população

1.2.10.     Encorajar deslocamentos a pé e em bicicleta.

O próximo tópico, “O que a saúde pública pode fazer”, igualmente área do Estado, será mostrado na próxima postagem. Depois, mostrarei o “Sistema Nacional de Trânsito”. Com isso, será possível fazer algumas comparações.

Escrito por Paulo R. Lozano, às 20:00 do dia 29/06/2011

terça-feira, 28 de junho de 2011

A importância da abordagem sistêmica

Com alguma freqüência repito algo de postagens anteriores que se conectam bem à temática de um novo artigo. Sobre o World Report on Road Traffic Injury Prevention” de 2004 registrei em postagem do dia 13/06/2011:

a)       De todos os sistemas a que as pessoas estão sujeitas em suas vidas diárias o transporte viário é o mais complexo e o mais perigoso.”

E, sobre o mesmo relatório, registrei em postagem do dia 24/06/2011:

b)       Uma abordagem sistêmica

Uma ferramenta [eu diria filosofia] essencial à prevenção efetiva de [mortos e] feridos no trânsito é a adoção de uma abordagem sistêmica para:

— identificar problemas;

— formular estratégias;

— adotar metas;

— monitorar os resultados.


Não sei como realçar devidamente a importância dos pontos acima.  O assim chamado pensamento sistêmico está dissecado em centenas de livros e trabalhos de eminentes autores, psicólogos, filósofos, gurus em administração e outros. Uma das razões para tantos estudos é o reconhecimento do fato de que é extremamente difícil perceber os componentes de sistemas complexos, entender as maneiras como interagem, e antever prováveis conseqüências. Se essas dificuldades já são grandes para indivíduos são ainda maiores coletivamente. As “respostas sistêmicas” (conseqüências, resultados...) ocorrem sempre com certo retardo; maior o retardo, maior a dificuldade em compreender corretamente o sistema. Exemplos interessantes das dificuldades da raça humana em entender sistemas complexos,  – e interagir correta e responsavelmente com eles – são vistos nas questões ambientais. O buraco na camada de ozônio e as mudanças climáticas globais são típicos.  

Nota: para os que se interessam por saber mais sobre o assunto recomendo a leitura de alguns capítulos do livro “The Fifth Discipline” de Peter Senge, referentes ao pensamento sistêmico. Há uma edição em português, porém (em minha opinião) a tradução é ruim.

Como, então, lidar com o “mais complexo dos sistemas”? Não por outra razão, os especialistas em trânsito responsáveis pela elaboração do WRRTIP e dos últimos relatórios referentes à década de ação apontam para a abordagem sistêmica não como o melhor, mas como sendo o único caminho.

Mas o Brasil já não gerencia um sistema de trânsito? A resposta é: depende. Depende da interpretação que dermos à palavra “sistema”:

1.        Sim – sob o aspecto institucional legal o CTB define um “Sistema Nacional de Trânsito”. Em breve o veremos.

2.        Mais ou menos – o sistema que realmente importa, o que está em operação no dia a dia de nossas cidades, ruas e estradas, o sistema real, este, como já dito, é extremamente fragmentado e fragilmente gerenciado. Posso assegurar que conforme o item (b) acima não temos uma abordagem sistêmica.

Para melhor ilustrar o ponto 2 irei em próximas postagens a outros trechos do “World Report on Road Traffic Injury Prevention”.

Finalizando, sempre vale repetir. Se o sistema real em operação no Brasil fosse eficaz, nossos resultados não seriam tão ruins.



Escrito por Paulo R. Lozano às 7:30 horas do dia 28/06/2011 

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Mas onde está o mapa da mina?

Trata-se, simplesmente, de não reinventar a roda.

Nas próximas postagens vou me referir com frequência a planos e relatórios que citei em artigo do dia 26/05/2011 intitulado “A ONU e a segurança no trânsito”. Repito frase dessa postagem: “Antes de prosseguir com nossas análises, convém lembrar que recentemente a ONU, através de seu braço World Health Organization – WHO – (Organização Mundial da Saúde) lançou recentemente um “Plano Global” para fazer dos anos 2011 – 2020 a Década de Ação para a Segurança nas Vias [tradução livre de Global Plan for the Decade of Action for Road Safety 2011-2020]. A história não está descrita completamente no plano, mas os estudos que levaram a ele se iniciaram com a formação do comitê “The United Nations Road Safety Collaboration (UNRSC) em 2004. Isso porque, em 2004 a OMS e o Banco Mundial haviam publicado os resultados de uma pesquisa global que os dois organismos promoveram (primeiro estudo conjunto executado por eles) sobre a situação  da (in)segurança no trânsito ao redor do mundo.

Citei novamente a ONU em postagem do dia 08/06/2011, enfatizando o relatório de 2004 “World Report on Road Traffic Injury Prevention” – WRRTIP, para o qual, conforme relatei, o então presidente Lula contribuiu com uma mensagem no prefácio. Disse ele: “As in other Latin American countries, there is a growing awareness in Brazil as to the urgency of revers­ing this trend. The Brazilian Government, through the Ministry of Cities, has put considerable effort into developing and implementing road security, education campaigns and programmes that emphasize citizen involvement”. Traduzindo: “Como em outros países da América Latina, existe uma crescente conscientização no Brasil quanto à urgência em reverter essa tendência [a morte de 30 ~ 40 mil pessoas por ano e outras conseqüências dos acidentes de tráfego]. O Governo Brasileiro, através do Ministério das Cidades, tem realizado considerável esforço em desenvolver e implementar a segurança nas vias, campanhas de educação e programas que enfatizam o envolvimento dos cidadãos.” Vou me abster de analisar esse prefácio, mas devo lembrar que como os resultados – reverter a tendência urgentemente – não ocorreram, o mínimo que podemos concluir é que o “considerável esforço” foi e continuou sendo insuficiente e/ou inadequado.

Na verdade, se o governo Brasileiro tivesse adotado, pelo menos em parte, as recomendações de sua responsabilidade do WRRTIP de 2004, sem dúvida as coisas já estariam bem melhores. Todavia, qualquer analista que tenha acompanhado o desempenho brasileiro no quesito segurança no trânsito desde então, tem o direito de acreditar que esse relatório foi sequer lido por alguma autoridade de trânsito brasileira. Nunca vi uma tradução para o português.

Todavia, ele continha o mapa da mina.

Apesar de ter sido o primeiro passo da ONU até a proclamação recente da “década de ação para a segurança no trânsito”, ele já continha as principais diretrizes de ação. Não posso fazer a resenha de um Relatório de mais de 200 páginas, mas posso mostrar alguns pontos essenciais. Dois deles, em minha opinião eram e continuam sendo fundamentais: (1) Atribuía aos governos a maior parte da responsabilidade pelos maus resultados bem como a responsabilidade por reverter as tendências e, (2) Apontava como único caminho possível para melhoras significativas e rápidas uma “Abordagem Sistêmica” do problema (interessante que o acrônimo WRRTIP termine com as letras “TIP”, que significa dica em inglês). Termino esta postagem com um pequeno trecho traduzido do WRRTIP:       

Uma abordagem sistêmica

Uma ferramenta [eu diria filosofia] essencial à prevenção efetiva de [mortos e] feridos no trânsito é a adoção de uma abordagem sistêmica (68) para:
— identificar problemas;
— formular estratégias;
— adotar metas;
— monitorar os resultados.
Os esforços no sentido [de se alcançar] a segurança no trânsito devem ser orientados por evidências, completamente avaliados, apropriadamente custeados e mantidos com continuidade.
Mais nos próximos capítulos.


Escrito por Paulo R. Lozano às 20:00 horas do dia 24/06/2011

quarta-feira, 22 de junho de 2011

O mapa da mina

Ainda não estamos seguindo o mapa da mina, ou seja, o caminho para alcançar civilidade no trânsito. Rapidamente. Mas já encontramos algumas pistas. Uma delas estava na postagem do dia 04/06/2011. O título era “Os pilares da civilidade”:

1.        Institucional

2.        Estrutural

3.        Enforcement
 

Modificados ligeiramente em relação à referida postagem, repeti os três principais pilares que suportam a civilidade com vistas ao trânsito. Vale relembrar também alguns comentários da postagem: No Pilar 1 o principal instrumento, evidentemente, é o Código de Trânsito Brasileiro, CTB, promulgado em 23 de setembro de 1997. Vem sendo modificado ligeiramente por leis complementares e ainda é razoavelmente atual. No Pilar 2 somos medianos, temos deficiências e pequena evolução em vários elementos funcionais ou operacionais oficiais, quando comparados com sistemas, práticas e recursos vigentes em países de trânsito mais civilizado. Finalmente, o Pilar 3 é o ponto (mais) fraco do sistema trânsito no Brasil (e não só no trânsito). Definitivamente, “enforcement” não é a praia dos políticos brasileiros, principalmente quando redunda em mais despesas do que arrecadação.
 

É isso, o banquinho de três pernas está capenga. Os resultados são altamente insatisfatórios. Assim sendo, o conjunto dos três pilares não pode ser sólido e estar equilibrado! O principal problema é o “enforcement”, ineficaz ao estremo, mas há deficiências graves em nosso sistema trânsito também nos pilares 1 e 2. Iremos apontar algumas dessas deficiências aos poucos.     

Nessas alturas vale lembrar como na iniciativa privada empresas pilotam suas operações a fim de se manter vivas e competitivas. É (muito resumidamente) um processo também em três fases, como os pilares sociais:
 

1.        Abordagem: um conceito mais amplo para planejamento; é o conjunto de idéias, princípios, intuições, planos, visões, orientações estratégicas para o futuro, ou quaisquer outros elementos teóricos que possam alicerçar a existência, crescimento e longevidade da empresa.

2.        Aplicação: OK, as abordagens são excelentes; ninguém tem idéias melhores! Mas será que estamos realmente pondo-as em prática? Da melhor forma possível? A aplicação ou desdobramento de abordagens se faz mediante “sistemas” e “processos” administrativos. Não é fácil criá-los, mantendo a empresa competitiva.

3.        Resultados: Oopss, isso é o que importa. Resultados. Mas há que ser cuidadoso. Empresas que se focam em resultados enganosos ou de curto prazo geralmente se estrepam. Há que ser cuidadoso também com a coleta e avaliação dos resultados. Agora, quando os resultados não surgem (supondo-os corretos) algo está errado com o ponto 1, ou com o ponto 2, ou com ambos, então vamos revê-los e aperfeiçoá-los. É possível contestar a lógica desse raciocínio? Sim, mas somente se alguém levar a sério o ponto adicional seguinte, que na verdade não existe, ou melhor, não deveria existir.

4.        Culpados: “A alta direção, ultra competente, nunca erra em suas abordagens propostas (ponto 1). Assim, quando os resultados não são os esperados, vamos encontrar os culpados por falhas na Aplicação (ponto 2) e demiti-los”. Lembram-se das postagens “O culpado é o motorista”? Qualquer semelhança não é mera coincidência.
 

Resumindo: Abordagem >>> Aplicação >>> Resultados >>> Abordagem >>> Aplicação >>> Resultados >>>... Este deve ser um ciclo sem fim.  É deste mesmo modo que os pilares da civilidade podem e devem ser considerados pelo Estado. Mas não são. Como já vimos em várias postagens, o Estado e, em conseqüência a população continua agindo do mesmo modo todos os dias.

   
Escrito por Paulo R. Lozano às 21:00 horas do dia 22 de junho de 2011

Segurança ou civilidade

Lendo postagens anteriores, alguém pode achar estranho o fato de eu insistir no termo “civilidade” e não “segurança” no trânsito. Tenho minhas razões.

Civilidade deve ser o objetivo principal; segurança é conseqüência direta e indissociável. Há raras situações onde as pessoas interagem tão ampla e intensamente hoje como no trânsito. Todos com todos. Automóveis, caminhões e ônibus (com seus motoristas e passageiros), motocicletas e bicicletas (com seus pilotos) e finalmente pedestres (todas as pessoas, em algum momento), de vários modos esses elementos são forçados a conviver em espaços limitados, principalmente nas grandes cidades. Calçadas (quando existem e são transitáveis), ruas, estradas, acostamentos (quando existem), são como um único rinque onde lutadores de todas as categorias estão em contato direto, muitas vezes brigando entre si em condições absurdamente desiguais. Peso-mosca contra peso-pesado. Não pode dar certo.         

Nossa herança genética sem dúvida é tribal e bem diferente da de animais caçadores pouco ou nada cooperativos, como alguns grandes felinos. Por outro lado, estamos longe, muito longe da cooperatividade social alcançada por certas espécies de insetos, como abelhas e formigas. O diabo é que em poucos séculos, o próprio sucesso da raça humana nos privou da vida tribal e vem nos impondo exponencialmente o estilo abelha de conviver. Na marra. Vinte milhões de pessoas nos poucos quilômetros quadrados da grande São Paulo... E o pior é que vivemos em duas dimensões, não nos movimentamos verticalmente como pássaros e peixes.   

Daí a imperativa necessidade da civilidade, baseada na racionalidade. A história é a prova viva de como tem sido difícil nos aproximar do estilo abelha de convívio social, quando não somos programados geneticamente para tanto. Nesse aspecto, a tecnologia pouco tem ajudado e nem lhe cabe o papel fundamental, embora haja ainda muito campo para fazermos melhor uso dela em apoio à evolução da civilidade no convívio social, especialmente no trânsito.

Sim, no trânsito, pois este é o lugar ideal para se desenvolver a civilidade. Aumentar as competências na gestão do sistema trânsito por parte das autoridades (o sistema real, e não e idealizado em leis ou códigos) e o grau de aderência às normas legais ou, preferencialmente, da boa educação por parte dos usuários do sistema, é uma maneira, talvez a melhor, de melhorar o grau de civilidade do país como um todo. Se sou civilizado no trânsito, com certeza também o sou em outros contextos sociais. POR OUTRO LADO, A RECÍPROCA É TOTALMENTE VERDADEIRA. Quem passa por cima de todos no trânsito não deve ter o menor pudor em infringir outras regras sociais ou as leis do país. E vice-versa, e vice-versa.

Sendo honesto comigo mesmo, admito que ao longo de meus 50 anos dirigindo por todo o Brasil e principalmente na cidade de São Paulo percebo certa melhoria relativa (porcentual) em “certos” aspectos do ato de conviver com os outros no trânsito. É muito provável que essas mudanças venham ocorrendo de modo mais forçado do que voluntário, em função do entupimento das vias por milhões de veículos. Mas esse fator está longe de ser suficiente para civilizar o trânsito brasileiro. Infelizmente, a quantidade absoluta de motoristas incivilizados vem crescendo enormemente e mesmo que eles sejam apenas fração do total o efeito nefasto que provocam é terrível. Voltaremos a esse tema adiante.  

Na próxima postagem vou voltar aos três pilares da civilidade.

Escrito por Paulo R. Lozano às 7:30  do dia 22/06/2011

terça-feira, 21 de junho de 2011

Dois pesos e duas medidas


Segunda feira, 20 de junho de 2011. Os telejornais de São Paulo deram pequeno destaque a mais dois graves acidentes de trânsito ocorridos nas últimas 24 horas na capital. Num deles, um casal caiu de uma motocicleta. O marido, piloto da moto, morreu atropelado. A esposa, grávida de 9 meses, chegou a ser socorrida, mas morreu no hospital. Os médicos tentaram salvar a criança sem sucesso. Ah, mais um acidente apareceu nos telejornais da noite, em Santa Catarina. Dois mortos e dois feridos. Será mera coincidência o fato de esse acidente ter merecido destaque e o motorista ser jogador de um time de futebol?   

Pior, mesmo emocionalmente impactantes, esses acidentes foram largamente eclipsados nos noticiários pela queda de um helicóptero na Bahia, pilotado por um rico empresário. Como em qualquer acidente de aviação, seja com um Boeing ou com um Cesna, este será investigado em seus mínimos detalhes por órgão especializado do governo federal (conforme acordos e sistema internacionais de que o Brasil participa), com a finalidade básica de se tomarem medidas preventivas que possam evitar casos similares no futuro. Lembram-se dos esforços da marinha para resgatar destroços do Airbus da Air France que caiu no mar em 2009? Não há nada de errado quanto a isso. Errado é o descaso para com os acidentes de trânsito.     

Amanhã ninguém, a não ser familiares e amigos, se lembrará do acidente com o  jovem casal motociclista. Nem das aproximadamente cem pessoas que morreram e mil feridos graves em outros acidentes de trânsito por todo o Brasil, nessas mesmas horas, a respeito dos quais poucos ouviram. A cada três dias morrem mais pessoas em nossas ruas e estradas em decorrência de acidentes de trânsito do que naquele acidente de avião, sem mencionar os feridos. 

Já disse em postagem anterior que não sou qualificado em ciências sociais, mas não posso deixar de notar certo paralelo entre o comportamento da sociedade em relação aos acidentes de trânsito com o comportamento das manadas de herbívoros da África quando atacadas por predadores, como um bando de leoas. Os animais permanecem atentos, fogem ao menor sinal de perigo e às vezes até procuram defender suas vulneráveis crias, como fazem os búfalos. Todavia, os predadores normalmente abatem uma presa, o suficiente para o sustento do bando. Depois que isso ocorre, sabendo que os predadores estão saciados, a manada continua pastando tranquilamente sem se importar com a presença deles por perto. Para esses animais, perder alguns membros todos os dias faz parte da natureza! Será que estamos tão acostumados com acidentes de trânsito que eles se tornaram parte de nosso contexto social? Mortos no trânsito são para nós como filhotes ou membros velhos e doentes, abatidos por predadores, para gnus, zebras e companhia?

Como um país civilizado pode conviver com isso? Não pode. Se convive, não é civilizado.

Hoje não avancei na análise do sistema trânsito no Brasil, mas o “desabafo” acima precisava ser feito. Em paralelo com as notícias de acidentes que descrevi, ouço falar a respeito de iniciativas isoladas de autoridades para reduzir acidentes aqui e ali, desse ou daquele modo. Nada geral, nada sistêmico, nada profundo, nada duradouro. Um pouco mais do de sempre.

Amanhã deverei voltar à linha geral que venho seguindo.

Escrito por Paulo R. Lozano às 22:00 do dia 20 de junho de 2011 (postado com atraso, Internet inoperante...)

sábado, 18 de junho de 2011

A indústria da multa

Neste sábado, dia 18 de junho de 2011, leio um Editorial do jornal “O Estado de São Paulo” intitulado “A multa em primeiro lugar”. Excelente editorial, seguindo o exemplo de outros que já li neste (e em outros) jornal a respeito de problemas de trânsito na cidade de São Paulo e no Brasil.

Os jornais cumprem seu papel ao apontar grandes problemas em seus editoriais, porém, pelo menos no caso do sistema trânsito o impacto, infelizmente, é pequeno. Afinal, três editoriais por dia resultam em mais de mil no ano. Não há político que se preocupe com mil prioridades.  

Quero enfatizar que o editorial suporta perfeitamente a linha que venho defendendo neste blog. Não me refiro ao caso específico (o Editorial comenta a modernização de radares fotográficos que a CET de São Paulo está realizando e desdobra a questão), mas sim quanto à filosofia por detrás: a responsabilidade e o poder de mudar as coisas estão, basicamente, com o setor público. Não conseguiremos evoluir enquanto a sociedade não conseguir induzir o Estado, o principal (não o único, mas sem dúvida o mais forte elemento do sistema, tão preponderante que torna os outros praticamente desprezíveis em capacidade de transformação) a criar competências para civilizar o trânsito, a exemplo do que as autoridades japonesas fizeram (conforme postagens anteriores).

Os princípios abaixo poderiam nortear uma entidade “fiscalizadora do Estado”:

INSTITUTO DA CIVILIDADE NO TRÂNSITO BRASILEIRO – ICTB

Visão

Acreditamos que o Brasil pode ter um trânsito altamente civilizado, rapidamente, e manter essa situação. Acreditamos também que visão sem ações é sonho.

Missão

Induzir de todas as formas possíveis, eficaz, eficiente e legalmente os principais elementos do “Sistema Trânsito Brasileiro” com foco no ESTADO (o principal entre os principais), visando o bem da sociedade brasileira, ao transformar nossa visão em realidade.    

Valores

ü  Compromisso absoluto com a verdade.

ü  Independência em relação a pressões políticas e econômicas. 

Objetivos

Ø  Pressionar as autoridades para que a civilidade no trânsito se transforme em alta e permanente prioridade política.  

Ø  Ajudar a atingir rapidamente alto grau de civilidade no trânsito brasileiro, comparável ao encontrado nos países mais avançados nessa questão de cidadania.

Ø  Ajudar a diminuir significativamente, em conseqüência, o número de acidentes de trânsito, mortos, feridos e seqüelas psicológicas.

Ø  Ajudar a diminuir o peso que os acidentes de trânsito causam ao sistema de saúde nacional, a fim de liberar recursos para outros problemas importantes de saúde pública.  

Ø  Induzir o aperfeiçoamento contínuo do “sistema trânsito brasileiro”, para que nunca ocorra estagnação nos resultados e/ou diminuição de prioridade política.

Ø  Ajudar na diminuição da parcela do “Custo Brasil” causada por sistemas de trânsito obsoletos, estressantes, inseguros e ineficientes.   

Como fazer? Não é momento ainda de lançar idéias definitivas. O vislumbre que tenho nesse momento sobre uma boa maneira de um Instituto (ou grupo de instituições) como este ser eficaz é se orientar no caminho avaliar, medir, divulgar. Como reza um velho ditado, o que não se mede não melhora. Não é a toa que as grandes instituições mundiais que promovem evoluções macro criam índices globais. Por exemplo, no tocante à facilidade para realizar negócios pelo índice do Banco Mundial, o Brasil está na 128a posição! 

Sobre avaliações concretas confiáveis é possível estabelecer “rankings” e medir alterações com o tempo. E a partir daí, premiar os mais bem colocados e/ou os que mais evoluíram; bem como apontar o dedo para os que não evoluem ou voltam para trás. Dando sempre nome aos bois. As possibilidades de medição são mais do que amplas e não se limitam a números concretos de acidentes e acidentados. É possível avaliar sistemas concretamente, igualmente bem. Os que conhecem (muitos já ouviram falar, mas não sabem o que são) as ISO 9000 sabem que são avaliações e certificações de sistemas. 

Recompensa e castigo (inverti a ordem comum). Esse é o mapa da mina. Prêmios serão bem vindos; displicências implicarão em perdas de votos. Esse é o maior castigo dos políticos, na verdade o único com que se preocupam.

Escrito por Paulo R. Lozano às 11:00 hr do dia 18/06/2011

terça-feira, 14 de junho de 2011

Como induzir o indutor III

Confesso que ao contrário do que coloquei na postagem anterior não fui direto ao assunto, ou melhor, fui, mas não esclareci bem.  Para reforçar a pressão sobre o Estado com a finalidade de induzi-lo a fazer da civilidade no trânsito uma prioridade política permanente, a sociedade civil brasileira organizada vai precisar aumentar seu grau de mobilização. Um caminho possível seria a criação de uma “instituição de vigilância” da atuação geral do setor público sobre o sistema trânsito, com dupla finalidade: (1) apontar falhas e indicar aperfeiçoamentos; (2) divulgar e premiar entidades, órgãos e pessoas do setor público que se destacaram positivamente, inclusive (se acontecer!) políticos. Com já disse em postagem anterior o foco não deve ser apontar culpados, até porque em sistemas muito complexos isso é impossível.    
É preciso uma semente capaz de crescer e se multiplicar. O tronco deve ser uma entidade prestigiosa, fortemente enraizada na independência, dedicada permanentemente ao propósito de civilizar o trânsito brasileiro via o “grande indutor”, o Estado. É claro que ela nascerá pequena, mas pela importância do tema terá condições de avançar rapidamente.  
Exemplos não faltam, como as entidades de proteção de direitos do consumidor que surgiram após a promulgação do Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor.
Alguns dirão que entidades como essa já existem. Não conheço, não com o foco proposto. Sem dúvida não será fácil criar e manter algo assim. Será que algum governo, financiador de ONGs, cogitaria financiar uma entidade cujo foco é, bem, digamos assim, “estimular” o próprio governo a agir melhor? Dificilmente.
Na próxima postagem indicarei qual podem ser as visão e missão de uma entidade desse tipo. Por enquanto vou enfatizar alguns números.
Conforme a fonte consultada tem ocorrido entre 30 e 40 mil mortes no trânsito nos últimos anos. A quantidade é tão avassaladora que números exatos são irrelevantes. Acredito mais nos 40 mil, primeiro porque mortes que ocorrem semanas ou meses depois do acidente não são bem contabilizadas e segundo devido ao grande aumento na quantidade de acidentes com motocicletas, cuja frota está em crescimento explosivo no Brasil. Usando 40 mil por ano como base, tivemos:
·         320 mil mortos durante os oito anos do governo Lula.
·         3,2 milhões de feridos com seqüelas no mesmo período (a proporção é aproximadamente 1:10)
Teremos:
·         160 mil pessoas indo para o túmulo durante o governo Dilma.
·         1,6 milhão de feridos em sua gestão até 2014.

No total, perto de cinco milhões de pessoas afetadas, 2,5% da população brasileira.
Além disso:
·         A maioria dos acidentados é jovem.
·         Quanto custa o tratamento médico de uns cinco milhões de feridos? Muitos precisarão de cuidados pelo resto de suas vidas. Esses recursos são subtraídos dos necessários para minorar os enormes problemas de saúde pública no Brasil.
·         A esmagadora maioria dos acidentes podem ser evitados!   
Perante números dessa magnitude, como é possível que a sociedade não considere os acidentes de tráfego um problema social prioritário? Já respondemos. Mas pior, por que políticos nunca abraçam a causa de fazê-los diminuir rápida e consistentemente?
       Escrito por Paulo R. Lozano às 18:00 do dia 14/06/2011