Nos artigos já publicados ficou claro que o Estado é o único agente com capacidade de induzir as mudanças necessárias à rápida melhoria nas condições de incivilidade atuais de nosso trânsito. E o Estado tem essa responsabilidade.
Mas isso não é uma prioridade política, já vimos! Pelo contrário, os políticos têm certeza que mexer profundamente no “sistema trânsito” é o mesmo que enfiar a mão (sem luvas) em vespeiro. De imediato, mudanças desse tipo vão afetar rotinas e hábitos estabelecidos, e podem afetar o bolso de milhões de brasileiros. Por exemplo, é difícil encontrar voluntários para serem relatores de alterações institucionais “pesadas” (legislação, Pilar 1) nas várias casas legislativas municipais, estaduais e no congresso nacional, pois eles correm sério risco de não serem reeleitos. À força, ninguém gosta de abrir mão do que considera ser “normal” ou direitos adquiridos, quando na verdade são privilégios ou meramente hábitos culturais arraigados.
Então, o “sistema trânsito” possui uma série de círculos viciosos. A grande questão é como transformá-los em círculos virtuosos. É isso que Estadistas fazem, mas exemplares dessa raça são raríssimos, principalmente eleitos. Prefeitos costumam destituir secretários de transporte e presidentes de companhias de tráfego (DSVs) competentes quando eles, agindo no interesse da cidade descontentam minorias com alto poder de barganha política (qualquer dia desses vou relembrar a história do famoso Coronel Fontenelle, pivô de emblemático exemplo em São Paulo).
Como sair dessa camisa de força? Devemos esperar passivamente que algum dia um novo governo eleito resolva agir “japonesamente?”
Perante essa situação, perante nossa cultura histórica, nosso sistema político imaturo, a resposta está na sociedade civil organizada. Mas esta ainda não descobriu o caminho. Existe a mídia, é claro, que desempenha importantíssimo papel, porém insuficiente, o que se comprova pelo fato de que caso fosse, os resultados já seriam bem melhores.
Existem também sociedades civis sem fins lucrativos orientadas para vários aspectos do sistema trânsito. Por exemplo, respeito profundamente as associações de vítimas de acidentes de trânsito. A finalidade principal, é claro, é assistir os acidentados e suas famílias, mas entre outras atividades elas se preocupam também em colaborar com a “prevenção”. Mas, do mesmo modo que a mídia, as entidades com foco específico não tem conseguido em seu conjunto criar massa crítica capaz de motivar mudanças realmente profundas e duradouras.
Chegamos, finalmente, ao ponto nevrálgico da questão. Não resta alternativa eficaz a não ser tentar forçar ou induzir o Estado a cumprir mais eficientemente seu papel constitucional e legal de... indutor de mudanças. O Estado, o grande indutor, não está induzindo como deveria. Ele possui uma escapatória política muito conveniente, é extremamente fácil e convincente culpar os maus motoristas.
A pergunta, então, se transforma: como a sociedade civil pode pressionar o Estado a dar realmente prioridade política contínua à civilidade no trânsito? Por quais meios? A questão está aberta a sugestões; darei algumas a partir das próximas postagens. Para finalizar esta, convém lembrar dois itens do relatório WRRTIP.
Na Introdução: “Casualidades [mortos e feridos] em acidentes de trafego são um problema fundamental, porém negligenciado de saúde pública, requerendo ações concentradas para prevenção sustentada e efetiva. De todos os sistemas a que as pessoas estão sujeitas em suas vidas diárias o transporte viário é o mais complexo e o mais perigoso [grifo nosso]. Em todo o mundo [dados anteriores a 2004] o número de pessoas mortas em acidentes de tráfego é estimado em quase 1,2 milhão [cerca de 40 mil no Brasil], enquanto o número de feridos pode superar 50 milhões [1,7 milhão no Brasil, usando a mesma proporção]... A tragédia por traz dessas figuras atrai menos atenção regular da mídia do que outras menos freqüentes, porém não tão comuns.”
Nas medidas a serem tomadas, a primeira de todas: “Fazer da segurança nas vias uma prioridade política.”
Escrito por Paulo R. Lozano às 10:00 do dia 09/06/2011
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