quinta-feira, 23 de maio de 2013


A esperança morreu

A esperança de que o trânsito no Brasil possa se tornar civilizado num prazo médio de, digamos, uns vinte anos é apenas isso, vã esperança.

A esperança de que as mortes no trânsito sejam reduzidas de 20 a 30 por 100.000 habitantes para um índice (corretamente medido) civilizado, abaixo de 5 por 100.000 nesse prazo é apenas isso, vã esperança.

A esperança de que seja possível caminhar tranquilamente pelas cidades ou dirigir calmamente (dentro da lei) sem ser continuamente agredido (bullying do trânsito) por motoristas e pilotos impulsivos, impacientes e indisciplinados é apenas isso, vã esperança.

Por quê?

Por que estamos no Brasil e o Brasil possui uma cultura muito peculiar. No fundo, no fundo, nosso problema é cultural. O cultural redunda no institucional, o institucional no sistema real e o sistema real no status quo, que não será modificado profundamente tão cedo.

O sistema trânsito real é gigantesco e complexo. As “saídas” (outputs) de sistemas complexos são medidas estatisticamente. Quando o SISTEMA [conjunto de elementos que interagem uns com os outros] está estável seus resultados são perfeitamente previsíveis (dentro de certa margem de erro), o que não significa resultados estabilizados; eles podem também estar previsivelmente melhorando ou piorando.  

Mas há um Sistema Nacional de Trânsito estabelecido por lei “funcionado”, o qual, desde que entrou em vigor em 1998, deveria – para isso ele foi longamente discutido e aprovado – civilizar o trânsito brasileiro. Afinal, ele é bom ou não?

Bem, em 2013, após quinze anos de operação do SNT (Sistema Nacional de Trânsito) ele já mostrou suas capacidades e deficiências: os resultados são os que conhecemos. Em 15 anos os principais indicadores de segurança no trânsito, acidentes, mortes e feridos, jamais mostraram tendências decrescentes como tem acontecido em vários países (ver postagem de 20/05/2013). Pelo contrário, com a proliferação de motocicletas a posição atual é: ruim e piorando. Nosso SNT não é o pior do mundo, mas está muito longe dos melhores.

Resultados ruins resultam NECESSARIAMENTE de componentes ruins. Já descrevi o processo, mas creio que o esquema abaixo pode ajudar a entendê-lo mais facilmente:




 Esse esquema é um tanto maniqueísta, preto ou branco, mas serve para demonstrar o conceito. Só há um caminho para o sucesso: um bom sistema institucional e físico (e em constante aperfeiçoamento, com “feedbacks” provenientes da Aplicação e dos Resultados, seguido da Aplicação ou Desdobramento do Sistema de um modo altamente amplo e eficiente (e também em constante aperfeiçoamento com “feedback” proveniente dos resultados).

Mantendo o sistema como está é certo que os resultados continuarão os mesmos anos a fio.  

Mas o que deve ser mudado?

·         O primeiro e mais importante passo é a conscientização ampla geral e irrestrita da sociedade de que temos um enorme problema. Não tenho a receita do bolo, como comentei mais de uma vez. Mas sem isso nada mudará. Um exemplo interessante pode servir de analogia: há alguns anos isso que hoje chamam de “bullying” nas escolas era um não problema. Para mudar a situação o exemplo veio de fora e até mesmo a palavra que designa a ação foi alterada, pois o tradicional “bulir” do português, com o mesmo significado, era considerado coisa normal de crianças. Hoje não, é coisa séria, e todos concordam que pode trazer prejuízos psicológicos irremediáveis às crianças afetadas. As escolas, professores e diretores, ignoravam o problema e suas responsabilidades em combatê-lo, atitude que somente agora começou a mudar. Tal mudança de percepção tem de acontecer na sociedade brasileira com relação à carnificina no trânsito.

·         Seguindo a mudança de percepção e, talvez como parte de sua criação, o segundo passo é a questão da segurança no trânsito pular dos últimos para um dos primeiros lugares nas listas de preocupações PERMANENTES dos políticos. É fundamental que os governantes assumam suas responsabilidades a respeito dessa questão. Não há exemplo no mundo de um país que tenha conseguido civilizar seu trânsito sem que os governos tenham INDUZIDO E PRODUZIDO as ações necessárias para tanto. Japoneses, dinamarqueses, belgas e brasileiros no fundo não são diferentes (na verdade o brasileiro é extremamente pacífico, quase conformado). Havendo educação e “enforcement” adequados das leis todos agem da mesma forma civilizada. Mas o contrário é verdadeiro e vivemos o contrário, sendo esse o nosso grande mal.

·         Ligado aos dois pontos acima é preciso atribuir a César o que é de César. Cabe aos governantes chacoalhar fortemente o sistema a fim de mudá-lo para melhor rapidamente. Mas é preciso sabem o que e como fazer.

·         O quê? Como? Não há segredo, é só copiar o que os que tiveram sucesso fizeram e continuam fazendo.

·         Mas já não temos os meios? O Código Brasileiro de Trânsito não é suficiente? Não é. É um código razoável, mas se fosse suficiente estaríamos colhendo bons resultados há anos. Precisa ajustes e uma ou outra modificação mais profunda, como a que deveria definir a necessidade de autoridade policial nas cidades (o que provavelmente não se conseguirá somente com alterações no CTB).

·         Talvez mais importante do que ajustar a legislação é fazer com que ela valha não só para os cidadãos. A LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO TEM DE VALER E SER APLICADA TAMBÉM POR ÓRGÃOS E AUTORIDADES PÚBLICAS, que se não obedecerem devem ser punidos. Cansei de demonstrar nessas postagens como órgãos públicos e autoridades ignoram solenemente as LEIS que devem seguir, sob os olhares complacentes de todas as entidades fiscalizadoras, TCU(s), Ministérios Públicos, Legislativos e outras.

·         Quase tudo o que o Sistema Nacional de Trânsito tem de positivo em sua CONCEPÇÃO é anulado na APLICAÇÃO desleixada e até inexistente por parte de muitos elementos do sistema (em obrigações legais ou não). Um exemplo: a total ausência de estatísticas completas e confiáveis (sistema RENAEST) que deveria estar funcionando há anos, a fim de possibilitar melhores estudos e planejamento de alterações a serem feitas no sistema. Outro exemplo: o abandono da Política Nacional de Trânsito desde 2004. Mas há também sérias lacunas de concepção no SNT.

 

Em próximas postagens vou discorrer um pouco mais sobre as principais falhas do SNT.

 

Escrito por Paulo R. Lozano em 23 de maio de 2013

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