Educação para o trânsito – uma vergonha nacional 2
Desejo apresentar algumas considerações complementares
à postagem anterior, pois considero o descaso na educação para o trânsito um
dos melhores exemplos da eterna incapacidade da política brasileira de
conseguir sair de atoleiros que ela mesma cria para os que aqui habitam.
Embora a educação para o trânsito deva e possa ser realizado
nos três níveis dos poderes executivos, Federal, Estadual e Municipal, o
primeiro é o grande omisso. Por soberba e incompetência.
A responsabilização legal do governo federal na
educação para o trânsito não é coisa nova. O Código de Trânsito que vigorava
antes do atual, de 1966, exigia em seu artigo 125 que “O Ministério da Educação e Cultura promoverá a divulgação de noções de
trânsito nas escolas primárias e médias do País, segundo programa estabelecido
com o Conselho Nacional de Trânsito” (sim, o Contran já existia). Isso nunca
aconteceu.
Apesar de o novo CTB ser bem mais detalhado nas
diretrizes legais para a implantação da educação para o trânsito, mantendo o
Contran e o Ministério da Educação como os grandes indutores responsáveis pelo processo,
a omissão continuou imperturbável.
Por que tamanho desleixo?
Acontece que o Ministério da Educação, um dos mais
importantes do nosso surrealista sistema político é dos poucos pertencentes ao
chamado “núcleo duro do poder”. Ministros da Educação permanecem por ali
transitoriamente visando voos mais altos, como serem eleitos para governar Estados.
Todo o seu funcionalismo parece funcionar sob a autoavaliação de serem
“diferenciados”. Fazem o que querem.
O Ministério da Educação é guiado por duas legislações
básicas: A LDB – Lei das Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, bastante
emendada por leis complementares posteriores – e do PNE – Plano Nacional de
Educação, segundo Resolução aprovada em 2010. A LDB, por ser anterior ao atual
CTB não faz, evidentemente referência ao mesmo, o que não a desculpa de não
tratar do tema educação para o trânsito. O PNE (similar à Política Nacional de
Trânsito) não deveria, mas ignora o tema.
Assim, “parece” que há uma incompatibilidade entre o
CTB é a legislação que norteia o ME. Pura ilusão.
Em 2009, o Ministro da
Educação, Fernando Haddad, solicitou ao Conselho Nacional de Educação que este executasse
uma revisão das diretrizes curriculares para o ensino fundamental. O CNE preparou uma Resolução a qual foi formalmente aprovada em julho de
2010 (Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove)
anos; RELATOR: Cesar Callegari; PROCESSO Nº: 23001.000168/2010-57). Essa
Resolução traz o seguinte inciso:
§
1° Outras leis específicas que complementam a Lei nº 9.394/96 [LDB] determinam que sejam ainda incluídos temas
relativos à condição e direitos dos idosos (Lei nº 10.741/2003) e à educação
para o trânsito (Lei nº 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro).
Pelo menos nesse aspecto o próprio
Ministério da Educação reconheceu sua obrigação legal, mas disso resultou algo
prático?
Acontece que a LDB (e a PNE)
estabelece que os currículos do ensino fundamental devam
conter uma base nacional comum, mas que o sistema de ensino deve oferecer complementarmente
uma parte diversificada. Essa parte
diversificada é chamada de “temas transversais” e alguns podem ser regionalizados
Os temas
transversais a serem incluídos no currículo devem ser estabelecidos de acordo
com os seguintes critérios:
• Urgência
social: questões graves que se apresentam como obstáculos para a concretização
da plena cidadania;
•
Abrangência nacional: questões que são pertinentes a todo o País;
• Possibilidade de ensino e
aprendizagem no ensino fundamental; temas ao alcance da aprendizagem nessa
etapa de ensino;
Ora, se já não bastasse a obrigação
instituída pelo CTB, alguém pode afirmar que a educação para o trânsito não se
enquadra plena e urgentemente nos três critérios acima? No topo da
lista?
Tudo indica que o ME tem essa
visão. Não considera a educação para o trânsito como uma urgência social
(apesar dos 60.000 mortos por ano); Não
considera que os acidentes de trânsito, que podem ser grandemente diminuídos
mediante educação continuada são um fato de abrangência nacional; ou não
acredita que crianças e jovens têm capacidade de assimilar algo sobre
trânsito. Portanto, continua ignorando a
Lei, algo inaceitável, principalmente depois de julho de 2010.
Observem que não estou
entrando no mérito de como deve ser a educação para o trânsito nas escolas,
digo apenas que ela é OBRIGATÓRIA e não
vem sendo feita. Especialistas em
educação dizem que nenhuma ação educativa nas escolas deve ter como objetivo formar
motoristas. Pode ser, mas peço a esses especialistas que procurem se lembrar da
definição de “trânsito”, conforme o CTB:
Art. 1º O trânsito de
qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional...
§
1º Considera-se trânsito a utilização
das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos,
conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação
de carga ou descarga.
Ora, quem diria, pedestre faz
parte do trânsito! Alguém, de crianças não de colo até idosos não é pedestre?
Existe Carteira Nacional de Habilitação de Pedestre (CNHP)? Existe autoescola
de Pedestrianismo? Compete somente aos pais, que não foram educados, educar
seus filhos quanto à civilidade e regras gerais de convivência em ambientes de
trânsito? Sim, ninguém será obrigado a dirigir ou comprar veículos, mas não
conheço criança que não deseje uma bicicleta – que é veículo perante o
CTB. E depois da bicicleta não deseje uma motoneta, e uma motocicleta, e um...
Escolas não serão
autoescolas, nem professores instrutores, mas a educação para o trânsito só
pode formar cidadão melhores. Não há
lugar mais adequado para exercer a civilidade do que nas ruas.
Senhor Aloísio Mercadante
Oliva, o que o senhor tem a dizer sobre isso? Ou o senhor está preocupado
apenas com o ENEM e futuras eleições?
Escrito por Paulo R. Lozano
em 28 de maio de 2013
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