terça-feira, 28 de maio de 2013





Educação para o trânsito – uma vergonha nacional 2

Desejo apresentar algumas considerações complementares à postagem anterior, pois considero o descaso na educação para o trânsito um dos melhores exemplos da eterna incapacidade da política brasileira de conseguir sair de atoleiros que ela mesma cria para os que aqui habitam.

Embora a educação para o trânsito deva e possa ser realizado nos três níveis dos poderes executivos, Federal, Estadual e Municipal, o primeiro é o grande omisso. Por soberba e incompetência.

A responsabilização legal do governo federal na educação para o trânsito não é coisa nova. O Código de Trânsito que vigorava antes do atual, de 1966, exigia em seu artigo 125 que “O Ministério da Educação e Cultura promoverá a divulgação de noções de trânsito nas escolas primárias e médias do País, segundo programa estabelecido com o Conselho Nacional de Trânsito” (sim, o Contran já existia). Isso nunca aconteceu.

Apesar de o novo CTB ser bem mais detalhado nas diretrizes legais para a implantação da educação para o trânsito, mantendo o Contran e o Ministério da Educação como os grandes indutores responsáveis pelo processo, a omissão continuou imperturbável.

Por que tamanho desleixo?

Acontece que o Ministério da Educação, um dos mais importantes do nosso surrealista sistema político é dos poucos pertencentes ao chamado “núcleo duro do poder”. Ministros da Educação permanecem por ali transitoriamente visando voos mais altos, como serem eleitos para governar Estados. Todo o seu funcionalismo parece funcionar sob a autoavaliação de serem “diferenciados”. Fazem o que querem.   

O Ministério da Educação é guiado por duas legislações básicas: A LDB – Lei das Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, bastante emendada por leis complementares posteriores – e do PNE – Plano Nacional de Educação, segundo Resolução aprovada em 2010. A LDB, por ser anterior ao atual CTB não faz, evidentemente referência ao mesmo, o que não a desculpa de não tratar do tema educação para o trânsito. O PNE (similar à Política Nacional de Trânsito) não deveria, mas ignora o tema.

Assim, “parece” que há uma incompatibilidade entre o CTB é a legislação que norteia o ME. Pura ilusão.

Em 2009, o Ministro da Educação, Fernando Haddad, solicitou ao Conselho Nacional de Educação que este executasse uma revisão das diretrizes curriculares para o ensino fundamental.  O CNE preparou uma Resolução  a qual foi formalmente aprovada em julho de 2010 (Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos; RELATOR: Cesar Callegari; PROCESSO Nº: 23001.000168/2010-57). Essa Resolução traz o seguinte inciso:

§ 1° Outras leis específicas que complementam a Lei nº 9.394/96 [LDB]  determinam que sejam ainda incluídos temas relativos à condição e direitos dos idosos (Lei nº 10.741/2003) e à educação para o trânsito (Lei nº 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro).

Pelo menos nesse aspecto o próprio Ministério da Educação reconheceu sua obrigação legal, mas disso resultou algo prático?

Acontece que a LDB (e a PNE) estabelece que os currículos do ensino fundamental devam conter uma base nacional comum, mas que o sistema de ensino deve oferecer complementarmente uma parte diversificada.  Essa parte diversificada é chamada de “temas transversais” e alguns podem ser regionalizados

Os temas transversais a serem incluídos no currículo devem ser estabelecidos de acordo com os seguintes critérios:

• Urgência social: questões graves que se apresentam como obstáculos para a concretização da plena cidadania;

• Abrangência nacional: questões que são pertinentes a todo o País;

• Possibilidade de ensino e aprendizagem no ensino fundamental; temas ao alcance da aprendizagem nessa etapa de ensino;

Ora, se já não bastasse a obrigação instituída pelo CTB, alguém pode afirmar que a educação para o trânsito não se enquadra plena e urgentemente nos três critérios acima? No topo da lista?

Tudo indica que o ME tem essa visão. Não considera a educação para o trânsito como uma urgência social (apesar dos 60.000 mortos por ano);  Não considera que os acidentes de trânsito, que podem ser grandemente diminuídos mediante educação continuada são um fato de abrangência nacional; ou não acredita que crianças e jovens têm capacidade de assimilar algo sobre trânsito.  Portanto, continua ignorando a Lei, algo inaceitável, principalmente depois de julho de 2010.

Observem que não estou entrando no mérito de como deve ser a educação para o trânsito nas escolas, digo apenas que ela é OBRIGATÓRIA  e não vem sendo feita.  Especialistas em educação dizem que nenhuma ação educativa nas escolas deve ter como objetivo formar motoristas. Pode ser, mas peço a esses especialistas que procurem se lembrar da definição de “trânsito”, conforme o CTB:

Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional...

§ 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.

Ora, quem diria, pedestre faz parte do trânsito! Alguém, de crianças não de colo até idosos não é pedestre? Existe Carteira Nacional de Habilitação de Pedestre (CNHP)? Existe autoescola de Pedestrianismo? Compete somente aos pais, que não foram educados, educar seus filhos quanto à civilidade e regras gerais de convivência em ambientes de trânsito? Sim, ninguém será obrigado a dirigir ou comprar veículos, mas não conheço criança que não deseje uma bicicleta – que é veículo perante o CTB. E depois da bicicleta não deseje uma motoneta, e uma motocicleta, e um...  

Escolas não serão autoescolas, nem professores instrutores, mas a educação para o trânsito só pode formar cidadão melhores.  Não há lugar mais adequado para exercer a civilidade do que nas ruas.

Senhor Aloísio Mercadante Oliva, o que o senhor tem a dizer sobre isso? Ou o senhor está preocupado apenas com o ENEM e futuras eleições?

 

Escrito por Paulo R. Lozano em 28 de maio de 2013
 
 

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