terça-feira, 14 de maio de 2013


Veículos mortais

Fui surpreendido neste domingo dia 12 de maio de 2013 por um artigo no jornal “Washington Post” com o título: AP IMPACT: Global automakers’ deadly cars drive up Brazil’s traffic fatalities. Soube depois que ele teve ampla divulgação em outros órgãos da imprensa americana.  

É um longo artigo, equivalente a umas sete páginas datilografas com letra no 12. Há muito de verdade nele, porém não toca nas principais causas da alta taxa de mortalidade do trânsito brasileiro. Gostaria de traduzi-lo, mas a AP tem copyright, portanto comento apenas alguns pontos.

AP Published: May 12

SÃO PAULO — Os carros rolam sem parar no final das linhas de montagem dos maiores fabricantes de automóveis da indústria, mais de 10.000 por dia, para as mãos ansiosas da nova classe média do Brasil. Brilhantes Fords, Fiats e Chevrolets contam a história de uma economia a todo vapor que atualmente alavanca o quarto maior mercado [em venda de veículos] do mundo.

O que acontece quando esses veículos chegam às ruas, entretanto, está estampando uma tragédia nacional, dizem os especialistas, com milhares de brasileiros morrendo diariamente em acidentes com automóveis que em muitos casos não deveriam ser fatais.”.

Assim começa o longo artigo. Induz o leitor a pensar que o principal motivo da carnificina em nosso trânsito está na defasagem tecnológica dos carros novos. O grande problema de reportagens como esta é dar munição aos que deveriam estar trabalhando em tempo integral para civilizar o trânsito no Brasil, o que suporta suas posições negligentes e incompetentes com desculpas tais como: “É o que eu sempre disse, o problema dos acidentes no Brasil se deve aos motoristas e aos carros. Vejam essa reportagem da Associated Press...”. Nada mais falso.

O jornalista Bradley Brooks assina a matéria. Se sua intenção fosse demonstrar que existe uma significativa defasagem tecnológica entre carros fabricados no Brasil e “similares” fabricados em qualquer lugar (inclusive no Brasil, o que já aconteceu) com destino aos mercados de países desenvolvidos, atendendo suas rígidas normas de segurança ativa e passiva e consumidores mais exigentes, ele teria carradas de razão. E tem razão também ao sugerir que uma vida brasileira vale tanto quanto uma americana ou alemã. Individualmente, quem compra um carro deveria ter o direito de obter a máxima proteção que as tecnologias modernas podem oferecer, mesmo quando o mercado não parece disposto a pagar o custo dessas tecnologias. Para tanto, de início, não há outra opção a não ser estabelecer rígidas normas de segurança, impondo um mínimo a ser seguido. Note-se, porém, que mesmo assim a paridade tecnológica não deve ser atingida, pois nem tudo pode ser obrigatório e as tecnologias de segurança têm mostrado evolução muito dinâmica. Há também uma questão de mercado, em muitos países segurança adicional vende mais do que itens de aparência, como rodas de liga leve ou bancos de couro. E não se pode esquecer o custo que nossa absurda carga de impostos impõe a qualquer item adicional nos veículos.  Itens de segurança, como air bags, cintos de segurança com pré-tencionadores, freios ABS (inclusive para veículos comerciais pesados) e outros, deveriam ser isentos de impostos, mas não.

Por outro lado, o carro moderno e seguro (pensem nos importados, quase todos de luxo) pode ser uma faca de dois gumes. Dentro, voando numa boa via asfaltada, os ocupantes mal percebem que o carro está a 200 km/h, o silêncio é absoluto, a estabilidade parece perfeita, a direção está “na mão”. Aí, algumas coisas entre infinitas possibilidades acontecem ao mesmo tempo e... Se o acidente envolver outros carros, motos, bicicletas ou pedestres a desgraça está feita. Os ocupantes do carrão podem até sair ilesos, mas os outros! Com fiscalização inexistente a falsa sensação de segurança induz a uma condução mais perigosa, veja os carrões importados que passam a toda por você nas ruas e estradas.  

Voltando ao artigo, o autor denuncia que muitos carros nacionais vão mal em “crash tests” quando comparados com carros similares produzidos para mercados desenvolvidos, em testes feitos por agencias independentes. É verdade.  O autor se baseou em dados da Euro NCAP, um sistema de avaliação nascido na Inglaterra e hoje administrado pela Comissão Europeia (com a participação de mais alguns países e organizações europeias) que confere notas à segurança veicular em testes de impacto que a organização conduz.  O sistema NCAP se baseia no anterior americano conduzido pela agencia federal de segurança NHTSA. E existe a NCAP Latina, que já encomendou alguns testes. Conforme os resultados dos testes de impacto, frontal, lateral, traseiro e com pedestres os carros recebem “rates” de uma a cinco estrelas.

Na Europa as montadoras submetem seus carros aos testes voluntariamente ou a Euro NCAP executa testes aleatórios. Um mau resultado na Euro NCAP pode afetar significantemente as vendas, carros avaliados com uma estrela chegaram a ser retirados do mercado. Para começar ninguém faz testes de impacto independentes por aqui, os equipamentos e testes em si são caríssimos. No máximo as montadoras fazem testes para homologação conforme normas padrão, menos rígidas do que as da Euro ou a Latin NCAP (nesta, apenas teste de impacto frontal).

O autor mostra alguns exemplos ilustrativos:

·         O chinês JAC J3, que obteve apenas uma estrela apesar de possuir air bags e freios ABS.

·         O Ford Ka europeu que passa com quatro estrelas, contra uma do modelo em fabricação no Brasil.

·         O Nissan March montado no México que recebeu duas estrelas no rating Latin NCAP, contra quatro estrelas da versão europeia.

·         Os modelos de entrada (4 entre os 5 mais vendidos no Brasil) da General Motors, Volkswagen e Fiat, que receberam apenas uma estrela.

·         Renault Sandero, uma estrela no Latin NCAP, cuja versão europeia recebeu 3 estrelas no Euro NCAP (mais completo que o Latin NCAP). 

·         O VW Bora, que tem uma carroceria instável.

Sob este ponto de vista não há como discordar, carros de menor custo no Brasil apresentam índices de segurança conforme testes de impacto piores do que veículos similares vendidos na Europa. Quando air bags ou freios ABS são opcionais o mix de vendas favorece as versões mais baratas, por opção de mercado. Não deveria ser assim.

Agora, quando a reportagem entra no total de mortes no trânsito no Brasil ela não só não se mostra confiável, como pode levar a julgamentos errados.

 Carros inseguros, em conjunto com as perigosas condições de trânsito frequentemente presentes nas nações da América do Sul, tem resultado no Brasil numa proporção de mortes em acidentes de carros que é próxima quatro vezes àquela dos Estados Unidos, de acordo com uma análise efetuada pela Associated Press com os dados do Ministério da Saúde Brasileiro, em comparação com o tamanho da frota de veículos de cada país. De fato, os dois países estão se movendo em direções opostas no tocante às taxas de sobrevivência — os Estados Unidos registraram 40% menos fatalidades em carros acidentados em 2010 em relação há dez anos. No Brasil o número de mortos subiu 72%, de acordo com os últimos dados disponíveis.

 Atribuir parcela muito significativa da substancial diferença nos índices de fatalidade e tendências do trânsito brasileiro e americano a carros novos não tão seguros só pode ajudar os complacentes com o status quo. Eu (e provavelmente você) gostaria de estar dirigindo um carro mais seguro, mas as estatísticas gerais do Brasil não pensam assim. Nosso problema maior não é minimizar as consequências de acidentes quando estes aconteceram em ocupantes de veículos de passeio, mas sim DIMINUIR A QUANTIDADE TOTAL DE ACIDENTES, DE CARROS, MOTOS, CAMINHOES, ONIBUS... É NISSO QUE AS AUTORIDADES DE TRÂNSITO TÊM QUE FOCAR. É OBRIGAÇÃO DELAS.

·         Precisamos de mais policiamento com polícia, PRINCIPALMENTE NAS CIDADES;

·         Precisamos de mais recursos e competência na gestão do trânsito;

·         Precisamos de leis e uma justiça menos leniente;

·         Precisamos que as leis sejam obedecidas, mas não só pelos motoristas. As autoridades ignoram impunemente suas obrigações para com o CTB, a PNT, muitas Resoluções Contran, e por aí vai;

·         De modo particular, precisamos por em prática a inspeção veicular de SEGURANÇA de veículos mais velhos, principalmente comerciais e de transporte de passageiros.

·         Precisamos de mais e melhor infraestrutura. Mais autoestradas com vias duplas, melhor sinalização, melhor conservação, caminhos externos protegidos para pedestres paralelos às rodovias onde estas cruzam cidades; melhor policiamento nas estradas... ;

·         Precisamos que as autoridades comecem a pensar seriamente e a agir no sentido de disciplinar o trânsito de motocicletas;

·         Idem para ciclistas e pedestres.

·         Etc. 

 

Escrito por Paulo R. Lozano em 13 de maio de 2013

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