Veículos
mortais
Fui surpreendido neste domingo dia 12 de maio de 2013 por um artigo no
jornal “Washington Post” com o título: AP IMPACT: Global automakers’ deadly cars
drive up Brazil’s traffic fatalities. Soube depois que ele teve ampla
divulgação em outros órgãos da imprensa americana.
É um
longo artigo, equivalente a umas sete páginas datilografas com letra no
12. Há muito de verdade nele, porém não toca nas principais causas da alta taxa
de mortalidade do trânsito brasileiro. Gostaria de traduzi-lo, mas a AP tem copyright,
portanto comento apenas alguns pontos.
“AP
SÃO PAULO — Os carros rolam sem parar no
final das linhas de montagem dos maiores fabricantes de automóveis da
indústria, mais de 10.000 por dia, para as mãos ansiosas da nova classe média
do Brasil. Brilhantes Fords, Fiats e Chevrolets contam a história de uma
economia a todo vapor que atualmente alavanca o quarto maior mercado [em venda
de veículos] do mundo.
O que acontece quando esses veículos chegam
às ruas, entretanto, está estampando uma tragédia nacional, dizem os
especialistas, com milhares de brasileiros morrendo diariamente em acidentes
com automóveis que em muitos casos não deveriam ser fatais.”.
Assim
começa o longo artigo. Induz o leitor a pensar que o principal motivo da carnificina
em nosso trânsito está na defasagem tecnológica dos carros novos. O grande
problema de reportagens como esta é dar munição aos que deveriam estar
trabalhando em tempo integral para civilizar o trânsito no Brasil, o que
suporta suas posições negligentes e incompetentes com desculpas tais como: “É o que eu sempre disse, o problema dos
acidentes no Brasil se deve aos motoristas e aos carros. Vejam essa reportagem
da Associated Press...”. Nada mais falso.
O
jornalista Bradley Brooks assina a matéria. Se sua intenção fosse demonstrar
que existe uma significativa defasagem tecnológica entre carros fabricados no
Brasil e “similares” fabricados em qualquer lugar (inclusive no Brasil, o que
já aconteceu) com destino aos mercados de países desenvolvidos,
atendendo suas rígidas normas de segurança ativa e passiva e consumidores mais
exigentes, ele teria carradas de razão. E tem razão também ao sugerir que uma
vida brasileira vale tanto quanto uma americana ou alemã. Individualmente, quem
compra um carro deveria ter o direito de obter a máxima proteção que as
tecnologias modernas podem oferecer, mesmo quando o mercado não parece disposto
a pagar o custo dessas tecnologias. Para tanto, de início, não há outra opção a
não ser estabelecer rígidas normas de segurança, impondo um mínimo a ser
seguido. Note-se, porém, que mesmo assim a paridade tecnológica não deve ser
atingida, pois nem tudo pode ser obrigatório e as tecnologias de segurança têm
mostrado evolução muito dinâmica. Há também uma questão de mercado, em muitos
países segurança adicional vende mais do que itens de aparência, como rodas de
liga leve ou bancos de couro. E não se pode esquecer o custo que nossa absurda
carga de impostos impõe a qualquer item adicional nos veículos. Itens de segurança, como air bags, cintos de
segurança com pré-tencionadores, freios ABS (inclusive para veículos comerciais
pesados) e outros, deveriam ser isentos de impostos, mas não.
Por outro
lado, o carro moderno e seguro (pensem nos importados, quase todos de luxo) pode ser uma
faca de dois gumes. Dentro, voando numa boa via asfaltada, os ocupantes mal
percebem que o carro está a 200 km/h, o silêncio é absoluto, a estabilidade
parece perfeita, a direção está “na mão”. Aí, algumas coisas entre infinitas
possibilidades acontecem ao mesmo tempo e... Se o acidente envolver outros
carros, motos, bicicletas ou pedestres a desgraça está feita. Os ocupantes do
carrão podem até sair ilesos, mas os outros! Com fiscalização inexistente a falsa sensação de segurança induz a uma condução mais perigosa, veja os carrões importados que passam a toda por você nas ruas e estradas.
Voltando
ao artigo, o autor denuncia que muitos carros nacionais vão mal em “crash
tests” quando comparados com carros similares produzidos para mercados
desenvolvidos, em testes feitos por agencias independentes. É verdade. O autor se baseou em dados da Euro NCAP, um
sistema de avaliação nascido na Inglaterra e hoje administrado pela Comissão
Europeia (com a participação de mais alguns países e organizações europeias) que
confere notas à segurança veicular em testes de impacto que a organização
conduz. O sistema NCAP se baseia no
anterior americano conduzido pela agencia federal de segurança NHTSA. E existe
a NCAP Latina, que já encomendou alguns testes. Conforme os resultados dos
testes de impacto, frontal, lateral, traseiro e com pedestres os carros recebem
“rates” de uma a cinco estrelas.
Na Europa
as montadoras submetem seus carros aos testes voluntariamente ou a Euro NCAP
executa testes aleatórios. Um mau resultado na Euro NCAP pode afetar
significantemente as vendas, carros avaliados com uma estrela chegaram a ser
retirados do mercado. Para começar ninguém faz testes de impacto independentes
por aqui, os equipamentos e testes em si são caríssimos. No máximo as
montadoras fazem testes para homologação conforme normas padrão, menos rígidas
do que as da Euro ou a Latin NCAP (nesta, apenas teste de impacto frontal).
O autor
mostra alguns exemplos ilustrativos:
·
O chinês JAC J3,
que obteve apenas uma estrela apesar de possuir air bags e freios ABS.
·
O Ford Ka europeu
que passa com quatro estrelas, contra uma do modelo em fabricação no Brasil.
·
O Nissan March
montado no México que recebeu duas estrelas no rating Latin NCAP, contra quatro
estrelas da versão europeia.
·
Os modelos de
entrada (4 entre os 5 mais vendidos no Brasil) da General Motors, Volkswagen e Fiat,
que receberam apenas uma estrela.
·
Renault Sandero,
uma estrela no Latin NCAP, cuja versão europeia recebeu 3 estrelas no Euro NCAP
(mais completo que o Latin NCAP).
·
O VW Bora, que
tem uma carroceria instável.
Sob este
ponto de vista não há como discordar, carros de menor custo no Brasil apresentam
índices de segurança conforme testes de impacto piores do que veículos similares
vendidos na Europa. Quando air bags ou freios ABS são opcionais o mix de vendas
favorece as versões mais baratas, por opção de mercado. Não deveria ser
assim.
Agora,
quando a reportagem entra no total de mortes no trânsito no Brasil ela não só
não se mostra confiável, como pode levar a julgamentos errados.
“Carros
inseguros, em conjunto com as perigosas condições de trânsito frequentemente
presentes nas nações da América do Sul, tem resultado no Brasil numa proporção
de mortes em acidentes de carros que é próxima quatro vezes àquela dos Estados
Unidos, de acordo com uma análise efetuada pela Associated Press com os dados
do Ministério da Saúde Brasileiro, em comparação com o tamanho da frota de
veículos de cada país. De fato, os dois países estão se movendo em direções
opostas no tocante às taxas de sobrevivência — os Estados Unidos registraram
40% menos fatalidades em carros acidentados em 2010 em relação há dez anos. No Brasil o número de mortos subiu 72%, de acordo com os últimos dados
disponíveis.“
Atribuir parcela muito significativa da
substancial diferença nos índices de fatalidade e tendências do trânsito
brasileiro e americano a carros novos não tão seguros só pode ajudar os complacentes
com o status quo. Eu (e provavelmente você) gostaria de estar dirigindo
um carro mais seguro, mas as estatísticas gerais do Brasil não pensam assim.
Nosso problema maior não é minimizar as consequências de acidentes quando estes aconteceram em ocupantes
de veículos de passeio, mas sim DIMINUIR A QUANTIDADE TOTAL DE ACIDENTES, DE CARROS, MOTOS, CAMINHOES, ONIBUS... É
NISSO QUE AS AUTORIDADES DE TRÂNSITO TÊM QUE FOCAR. É OBRIGAÇÃO DELAS.
·
Precisamos de
mais policiamento com polícia, PRINCIPALMENTE NAS CIDADES;
·
Precisamos de
mais recursos e competência na gestão do trânsito;
·
Precisamos de
leis e uma justiça menos leniente;
·
Precisamos que as
leis sejam obedecidas, mas não só pelos motoristas. As autoridades ignoram
impunemente suas obrigações para com o CTB, a PNT, muitas Resoluções Contran, e
por aí vai;
·
De modo particular,
precisamos por em prática a inspeção veicular de SEGURANÇA de veículos mais velhos,
principalmente comerciais e de transporte de passageiros.
·
Precisamos de
mais e melhor infraestrutura. Mais autoestradas com vias duplas,
melhor sinalização, melhor conservação, caminhos externos protegidos para pedestres
paralelos às rodovias onde estas cruzam cidades; melhor policiamento nas estradas...
;
·
Precisamos que as
autoridades comecem a pensar seriamente e a agir no sentido de
disciplinar o trânsito de motocicletas;
·
Idem para
ciclistas e pedestres.
·
Etc.
Escrito por
Paulo R. Lozano em 13 de maio de 2013
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