sábado, 25 de maio de 2013


Educação para o trânsito – uma vergonha nacional

Muitas pessoas acreditam que os problemas da incivilidade do trânsito brasileiro podem ser resolvidos somente com educação. Não totalmente. Educação é uma condição NECESSÁRIA, mas não suficiente para tamanha responsabilidade. Repito uma analogia do passado, a civilidade se apoia num tripé, faltando uma perna o banco fica capenga. As pernas são: primeiro, um sistema institucional e físico de trânsito bem elaborado e aplicado; segundo, “enforcement” permanente e intensivo das leis (sobre cidadãos e entidades do SNT) e; terceiro, educação abrangente e contínua para o trânsito. A educação é, portanto, um dos três principais elementos que deveriam trazer civilidade ao nosso trânsito. Vejamos o que a lei e as políticas de trânsito se propuseram a alcançar e o que foi efetivamente realizado.

 

POLÍTICA NACIONAL DE TRÂNSITO (PNT)

NÍVEL FEDERAL

 
 
2.4.2. Promover a educação para o Trânsito
Nenhum dos temas do CTB é tão desobedecido no âmbito do Sistema Nacional de Trânsito, por desleixo das autoridades, do que a educação para o trânsito.
2.4.2.1. Promover a educação para o trânsito abrangendo toda a população, trabalhando princípios, cidadania, valores, conhecimentos, habilidades e atitudes favoráveis à locomoção.
Desde a entrada em vigor do CTB em 1998 (e da Política Nacional de Trânsito - PNT - em 2004) praticamente todos os artigos da Lei que preveem ações de governo para melhorar a educação do povo para o trânsito vem sendo ignorados.
2.4.2.2. Promover a adoção de currículo interdisciplinar sobre segurança no trânsito, nos termos do CTB.
APLICAÇÃO NOTA ZERO
2.4.2.3. Promover a adoção de conteúdos curriculares relativos à educação para o trânsito, nas escolas de formação para o magistério, e a capacitação de professores multiplicadores.
APLICAÇÃO NOTA ZERO
2.4.2.4. Promover programas de caráter permanente de educação para o trânsito.
APLICAÇÃO PRÓXIMA DE ZERO
2.4.2.5. Promover a capacitação e o aperfeiçoamento técnico dos profissionais da área de trânsito.
APLICAÇÃO PRÓXIMA DE ZERO
2.4.2.6. Promover a melhoria contínua do processo de formação e habilitação dos condutores.
APLICAÇÃO PRÓXIMA DE ZERO
2.4.2.7. Intensificar a utilização dos serviços de rádio e difusão de sons e imagens para veiculação de campanhas educativas.
APLICAÇÃO PRÓXIMA DE ZERO

 

Correndo o risco de ser maçante, creio ser necessário mostrar, em complemento à PNT, alguns Artigos do CTB que vêm sendo sistematicamente ignorados pelas autoridades federais:

Começo pelos dispositivos genéricos do Código Brasileiro de Trânsito:

CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1º

§ 3º Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem... por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas... que garantam o exercício do direito do trânsito seguro.

§ 5º Os órgãos e entidades de trânsito pertencentes ao Sistema Nacional de Trânsito darão prioridade em suas ações à defesa da vida, nela incluída a preservação da saúde e do meio-ambiente.

A omissão na execução dos programas é total. Isso significa que não se dá prioridade à vida. Ninguém tem respondido pelos danos causados à sociedade (40 a 60 mil mortos por ano, mais os feridos) pela totalidade das omissões, incluída a ausência de programas de educação para o trânsito.

 Ainda nas disposições preliminares:

Art. 5º O Sistema Nacional de Trânsito é o conjunto de órgãos e entidades da União... que tem por finalidade o exercício das atividades de planejamento, administração, normatização, ... educação...

O SNT ignora na prática tudo o que diz respeito a uma eficaz educação para o trânsito.


Agora mostro artigos mais específicos nas competências:

Art. 12. Compete ao CONTRAN:

VII - zelar pela uniformidade e cumprimento das normas contidas neste Código e nas resoluções complementares;

Entre as “normas neste Código” estão os artigos referentes à educação para o trânsito do Capítulo VI. Se a educação (como tantas outras coisas) não existe na prática, significa que o CONTRAN não “zela pelo cumprimento das normas”. Ninguém é cobrado por isso; ninguém é punido por isso. Este é o maior problema de Órgãos Colegiados, neste caso o “Órgão Máximo Consultivo e Normativo de Trânsito do país - CONTRAN”. Em órgãos colegiados ninguém é responsável por coisa alguma quando as coisas não são feitas, são mal feitas, e os resultados são péssimos.

Esta situação se repete com o “Órgão Máximo Executivo de Trânsito” do país, o DENATRAN:

Art. 19. Compete ao órgão máximo executivo de trânsito da União (DENATRAN):

I - cumprir e fazer cumprir a legislação de trânsito e a execução das normas e diretrizes estabelecidas pelo CONTRAN... Se o CONTRAN não faz, muito menos o DENATRAN.

V - supervisionar a implantação de projetos e programas relacionados com a engenharia, educação...

XII - administrar fundo de âmbito nacional destinado à segurança e à educação de trânsito; Este fundo e constituído entre outras fontes por 5% das multas arrecadadas no país e essa verba deve PELA LEI ser destinada a promover a segurança no trânsito. Publicamente não se sabe quanto foi arrecadado ao longo dos anos e quanto foi aplicado na forma da lei, mas que foi pouquíssimo foi; esse fundo, proveniente de multas e não de impostos fica continuamente “contingenciado”. Enquanto isso, dezenas de milhares morrem todos os anos...

XV - promover, em conjunto com os órgãos competentes do Ministério da Educação... de acordo com as diretrizes do CONTRAN, a elaboração e a implementação de programas de educação de trânsito nos estabelecimentos de ensino; A lei é clara, deve haver educação para o trânsito NAS ESCOLAS e o DENATRAN deve promover essa obrigação.  Promove?

XVI - elaborar e distribuir conteúdos programáticos para a educação de trânsito; Há?

Há outras responsabilidades não cumpridas do DENATRAN para com a educação para o trânsito, que deixo de lado no momento.  

Lembro, porém, que o DENATRAN é um Departamento Ministerial e não uma Agência Reguladora e que sofre de uma crônica falta de recursos humanos e materiais, além de não ter suporte político institucional. O buraco é mais embaixo, ou melhor, as responsabilidades por tantas violações às leis vêm de cima. Vamos ao Capítulo sobre educação:

 

CAPÍTULO VI
DA EDUCAÇÃO PARA O TRÂNSITO
 
São seis Artigos, do 74 ao 79. Não vou copiar suas mais de 500 palavras, mas vou procurar dar uma ideia do conteúdo básico e do status.
 

·         O Art. 74 exige que todos os órgãos do SNT possuam uma coordenação educacional. Poucos possuem. Violam a lei.

·         O Art. 75 trata das Campanhas de esclarecimento. Os péssimos resultados em segurança e civilidade do trânsito brasileiro comprovam que o (pouco) que vem sendo feito em campanhas de esclarecimento não tem o poder de alterar o status quo. Campanhas não podem substituir a verdadeira educação e é mundialmente reconhecido que elas têm eficácia limitada, principalmente com pessoas jovens.

·         O Art. 76 é o mais importante e o mais desobedecido.  Reproduzo um curto trecho: ”A educação para o trânsito será promovida na pré-escola e nas escolas de 1º, 2º e 3º graus, por meio de planejamento e ações coordenadas entre os órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito e de Educação, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios...”. O Artigo exige também que o Ministério da Educação promova um currículo com conteúdo sobre segurança no trânsito em todos os níveis de ensino; idem nas escolas de formação para o magistério. O que o Ministério da Educação fez nos últimos 15 anos no tocante à educação para a segurança no trânsito? Ignorar a lei é a norma.

·         O Artigo 77 trata de campanhas permanentes para prestação de primeiros socorros, a serem desenvolvidas pelo Ministério da Saúde. De novo, ignorar a lei é a norma.  

·         O Artigo 78 exige que quatro Ministérios, da Saúde, da Educação, do Trabalho e dos Transportes, coordenados pelo CONTRAN, “desenvolvam programas destinados à prevenção de acidentes de trânsito”. Se fizeram algo, devem ser programas altamente secretos. Essa desobediência é agravada pelo fato de a lei destinar fundos específicos para essa finalidade, mediante a reserva de dez por cento dos valores arrecadados pelo DPVAT.

·         Finalmente, o Artigo 79 ingenuamente estipula que os órgãos executivos de trânsito “poderão” firmar convênios com órgãos de educação oficiais com a finalidade de cumprir as obrigações “deste capítulo”.   

 

 

Creio ser dispensável qualquer comentário adicional a respeito da inacreditável desobediência às leis que os órgãos do SNT vêm praticando há quinze anos. Sem qualquer consequência para os responsáveis.
 
Quantos brasileiros morreram nestes 15 anos? Quantas vidas poderiam ter sido salvas e ferimentos evitados, se as autoridades tivessem implantado um mínimo de ações de educação para o trânsito CONFORME MANDA A LEI?


Escrito por Paulo R. Lozano em 25 de maio de 2013

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