Há solução para o problema? Sim.
Não é preciso inventar nada, basta “enforçar” a lei. E como se faz o enforcement? O que se segue explica em parte porque enforcement eficaz ainda é raro no Brasil. O tema é o desrespeito às faixas de segurança, mas o problema não é diferente de outros desrespeitos.
Fiscalização
Já discorri sobre a fragmentação que o CTB criou nas responsabilidades pela fiscalização do trânsito. Não é possível dizer que as responsabilidades são claras. Antes estadualizado, a gestão do trânsito em linhas gerais passou a ser municipalizado, porém, os municípios receberam o abacaxi com casca. Os estados mantiveram parte do controle institucional (DETRANs, CETRANs, licenciamento de veículos, arrecadação do IPVA, licenças para dirigir, etc.). Não foram claramente definidas regras para fontes orçamentárias extras destinadas à organização técnica do trânsito nos municípios, nem lhes foi concedido poder de polícia. Este último sempre foi e continua sendo responsabilidade das polícias militares estaduais, mas governadores e seus secretários de segurança geralmente não estão interessados em civilizar o trânsito. Somente policiais tem o poder (raramente exercido) de exercer a medida de maior impacto, obrigar infratores a parar logo após o ato da infração (dois silvos curtos do apito, abordagem com viatura policial, bloqueios), verificar documentação, embriaguez, etc., e prosseguir de acordo com o requerido em cada caso, em última instância podendo até dar voz de prisão ao motorista. A rigor todo o policiamento ostensivo deveria se dedicar a coibir qualquer infração, inclusive as de trânsito, e em especial o desrespeito nas faixas.
Sem poder de polícia e sem forte ação das policias estaduais, aos municípios restaram duas alternativas: (i) Fiscalização eletrônica fotográfica de semáforo. Isoladamente é medida insuficiente e até inconveniente. Muitos municípios não têm um semáforo! Quando o semáforo está vermelho fotografa veículos parados sobre a faixa, infração prevista no código, mas veículos parados atrapalham, porém não atropelam diretamente (todavia, podem facilitar acidentes). Não abrange a esmagadora maioria das faixas onde não existe semáforos, seja em cruzamentos, seja em passagens específicas. A fiscalização fotográfica de sinal é eficaz somente nesse caso específico, pois, é lógico, quem avança um sinal desobedece duas faixas. (Nota: existem no exterior sistemas de fiscalização automática que flagram veículos avançando faixas com pedestres sobre elas, independentemente de haver semáforo ou não, mas desconheço seu uso no Brasil). (ii) fiscalização à distância por agentes de trânsito, com competência apenas para autuar (autuação e multa são coisas distintas, voltarei a essa questão). Os agentes (se legais) podem registrar e autuar veículos que não param para pedestres atravessando faixas, mas por uma série de razões isso raramente acontece. Não há como comprovar, pois não existem estatísticas confiáveis, mas para cada mil autuações de competência “municipal” (estacionamento proibido, rodízio, etc.), duvido que agentes de trânsito emitam duas por graves infrações de percurso, (não respeitar faixas, “costurar” no trânsito, etc.), principalmente para motocicletas.
Em adição, as alternativas acima se aplicadas sem que as autoridades exerçam contrapartidas competentes, que resultem em melhorias contínuas na organização e civilidade no trânsito, facilmente percebidas pela população, podem ser contraproducentes, pois exacerbam a percepção de que o que importa é multar. Autoridades de várias esferas insistem em que a indústria da multa não existe. Santa ingenuidade (ingenuidade?). São essas autoridades que costumam lavar as mãos, culpando os motoristas por tudo e deixando as coisas como estão.
Programas e ações especiais
Alguns municípios têm colocado em prática esporadicamente programas especiais, como está acontecendo em São Paulo desde maio com relação ao respeito às faixas. Normalmente, esses programas são limitados e implantados com falhas. Primeiro, a visão sistêmica não existe, quase sempre são espasmos pontuais. Depois, não são prioridades políticas dos prefeitos ou governadores, mas sim de secretários e outros nomeados, que querem deixar suas “marcas” nas curtas passagens pelos cargos. Consequência: a população não percebe que há constância de propósito, que há um plano. Mantém-se, quando não cresce a desconfiança quanto à capacidade de gestão das autoridades. Não havendo planos consistentes de longo prazo sendo seguidos, ações paralelas necessárias são negligenciadas, ou aplicadas insuficientemente, ou de modo incorreto. É o caso das campanhas de esclarecimento, por exemplo. Em geral, são genéricas demais, tipo “respeite a vida”. Lindo, mas ineficaz, campanhas de trânsito têm que ser extremamente focadas. Mesmo se houvesse prioridade política para questões de trânsito por um prefeito de uma região metropolitana, de que adiantaria isso? OK, na cidade tal estão “enforçando” o respeito às faixas, mas no resto da região metropolitana não! Vamos instituir fronteiras entre municípios? Atravessa-se uma rua e as regras mudam? Pode até haver honestidade e boas intenções por parte de algumas autoridades aqui e ali, mas em termos de civilizar o trânsito brasileiro são gotas d’água no oceano.
Continuarei com o tema faixas de segurança.
Escrito por Paulo R. Lozano às 8:00 horas do dia 30 de julho de 2011