sábado, 30 de julho de 2011

Faixas fatais - 3

Há solução para o problema? Sim.
Não é preciso inventar nada, basta “enforçar” a lei. E como se faz o enforcement? O que se segue explica em parte porque enforcement eficaz ainda é raro no Brasil. O tema é o desrespeito às faixas de segurança, mas o problema não é diferente de outros desrespeitos.  
Fiscalização
Já discorri sobre a fragmentação que o CTB criou nas responsabilidades pela fiscalização do trânsito. Não é possível dizer que as responsabilidades são claras. Antes estadualizado, a gestão do trânsito em linhas gerais passou a ser municipalizado, porém, os municípios receberam o abacaxi com casca. Os estados mantiveram parte do controle institucional (DETRANs, CETRANs, licenciamento de veículos, arrecadação do IPVA, licenças para dirigir, etc.). Não foram claramente definidas regras para fontes orçamentárias extras destinadas à organização técnica do trânsito nos municípios, nem lhes foi concedido poder de polícia. Este último sempre foi e continua sendo responsabilidade das polícias militares estaduais, mas governadores e seus secretários de segurança geralmente não estão interessados em civilizar o trânsito. Somente policiais tem o poder (raramente exercido) de exercer a medida de maior impacto, obrigar infratores a parar logo após o ato da infração (dois silvos curtos do apito, abordagem com viatura policial, bloqueios), verificar documentação, embriaguez, etc., e prosseguir de acordo com o requerido em cada caso, em última instância podendo até dar voz de prisão ao motorista. A rigor todo o policiamento ostensivo deveria se dedicar a coibir qualquer infração, inclusive as de trânsito, e em especial o desrespeito nas faixas.
Sem poder de polícia e sem forte ação das policias estaduais, aos municípios restaram duas alternativas: (i) Fiscalização eletrônica fotográfica de semáforo. Isoladamente é medida insuficiente e até inconveniente. Muitos municípios não têm um semáforo! Quando o semáforo está vermelho fotografa veículos parados sobre a faixa, infração prevista no código, mas veículos parados atrapalham, porém não atropelam diretamente (todavia, podem facilitar acidentes). Não abrange a esmagadora maioria das faixas onde não existe semáforos, seja em cruzamentos, seja em passagens específicas. A fiscalização fotográfica de sinal é eficaz somente nesse caso específico, pois, é lógico, quem avança um sinal desobedece duas faixas. (Nota: existem no exterior sistemas de fiscalização automática que flagram veículos avançando faixas com pedestres sobre elas, independentemente de haver semáforo ou não, mas desconheço seu uso no Brasil). (ii) fiscalização à distância por agentes de trânsito, com competência apenas para autuar (autuação e multa são coisas distintas, voltarei a essa questão). Os agentes (se legais) podem registrar e autuar veículos que não param para pedestres atravessando faixas, mas por uma série de razões isso raramente acontece. Não há como comprovar, pois não existem estatísticas confiáveis, mas para cada mil autuações de competência “municipal” (estacionamento proibido, rodízio, etc.), duvido que agentes de trânsito emitam duas por graves infrações de percurso, (não respeitar faixas, “costurar” no trânsito, etc.), principalmente para motocicletas.   
Em adição, as alternativas acima se aplicadas sem que as autoridades exerçam contrapartidas competentes, que resultem em melhorias contínuas na organização e civilidade no trânsito, facilmente percebidas pela população, podem ser contraproducentes, pois exacerbam a percepção de que o que importa é multar. Autoridades de várias esferas insistem em que a indústria da multa não existe. Santa ingenuidade (ingenuidade?). São essas autoridades que costumam lavar as mãos, culpando os motoristas por tudo e deixando as coisas como estão.   
Programas e ações especiais            
                Alguns municípios têm colocado em prática esporadicamente programas especiais, como está acontecendo em São Paulo desde maio com relação ao respeito às faixas. Normalmente, esses programas são limitados e implantados com falhas. Primeiro, a visão sistêmica não existe, quase sempre são espasmos pontuais. Depois, não são prioridades políticas dos prefeitos ou governadores, mas sim de secretários e outros nomeados, que querem deixar suas “marcas” nas curtas passagens pelos cargos. Consequência: a população não percebe que há constância de propósito, que há um plano. Mantém-se, quando não cresce a desconfiança quanto à capacidade de gestão das autoridades. Não havendo planos consistentes de longo prazo sendo seguidos, ações paralelas necessárias são negligenciadas, ou aplicadas insuficientemente, ou de modo incorreto. É o caso das campanhas de esclarecimento, por exemplo. Em geral, são genéricas demais, tipo “respeite a vida”. Lindo, mas ineficaz, campanhas de trânsito têm que ser extremamente focadas. Mesmo se houvesse prioridade política para questões de trânsito por um prefeito de uma região metropolitana, de que adiantaria isso? OK, na cidade tal estão “enforçando” o respeito às faixas, mas no resto da região metropolitana não! Vamos instituir fronteiras entre municípios? Atravessa-se uma rua e as regras mudam? Pode até haver honestidade e boas intenções por parte de algumas autoridades aqui e ali, mas em termos de civilizar o trânsito brasileiro são gotas d’água no oceano.
Continuarei com o tema faixas de segurança.
Escrito por Paulo R. Lozano às 8:00 horas do dia 30 de julho de 2011

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Ped Xing


Você sabe o que é isso? Quem já dirigiu nos Estados Unidos pode ser que saiba. Outros, dificilmente. Essas abreviações se lêem em placas, são sinalizações de trânsito alertando que logo adiante há uma travessia de pedestres, muitas vezes no meio da rua (longe de cruzamentos). Ped Xing significa “pedestrian crossing”, embora não haja X no crossing. Os americanos são práticos, economizam nas mensagens, mas não nas punições, podem ter certeza.
Na penúltima postagem escrevi que a melhor definição que conheço sobre faixa de segurança é “extensão da calçada na rua”. Afinal, pedestres em cidades ou aldeias existem há uns 10.000 anos e carros há pouco mais de 100. Na última postagem ressaltei que esse fato é tudo menos verdade para a esmagadora maioria dos motoristas brasileiros e tenho procurado explicar PORQUE eles pensam e agem assim.    
Oportunamente, o SBT Jornalismo publicou ontem em seu site uma reportagem que foi ao ar com o sugestivo título “Desrespeito ao pedestre é flagrado em quase todo o país”. Não sei por quanto tempo eles mantêm o link, mas o endereço da reportagem está baixo. Se possível assistam, vale à pena, embora não haja novidade no que foi filmado:
Afinal, o que fazer para que os motoristas finalmente passem a respeitar a lei? Primeiro, vou relembrar alguns pontos da lei.
Art. 70. Os pedestres que estiverem atravessando a via sobre as faixas delimitadas para esse fim terão prioridade de passagem, exceto nos locais com sinalização semafórica, onde deverão ser respeitadas as disposições deste Código.
Parágrafo único. Nos locais em que houver sinalização semafórica de controle de passagem será dada preferência aos pedestres que não tenham concluído a travessia, mesmo em caso de mudança do semáforo liberando a passagem dos veículos.
Art. 44. Ao aproximar-se de qualquer tipo de cruzamento, o condutor do veículo deve demonstrar prudência especial, transitando em velocidade moderada, de forma que possa deter seu veículo com segurança para dar passagem a pedestre e a veículos que tenham o direito de preferência.
Art. 68. § 2º Nas áreas urbanas, quando não houver passeios ou quando não for possível a utilização destes, a circulação de pedestres na pista de rolamento será feita com prioridade sobre os veículos.
 Art. 71. O órgão ou entidade com circunscrição sobre a via manterá, obrigatoriamente, as faixas e passagens de pedestres em boas condições de visibilidade, higiene, segurança e sinalização.

Esta é a lei.
Escrito por Paulo R. Lozano às 18:00 horas do dia 29 de julho de 2011

Faixas fatais - 2

Fatal é aquilo que mata. Arma fatal, queda fatal... Há alguns anos editores não permitiam matérias onde os repórteres escrevessem “vítima fatal”. Mortos não matam. Mas o jargão pegou e a precisão linguística ficou no passado. O povo faz o uso, diz o ditado.  

O mesmo aconteceu com as faixas de segurança no Brasil e não é de hoje. De “segurança” tornaram-se “fatais”. Faixas que matam? Sim. Conforme postagem anterior, o desrespeito generalizado dos motoristas por preferências de circulação aos pedestres é algo inadmissível, um “terrível desvio de conduta coletivo que se consolidou com o tempo por absoluta falta de enforcement, incompetência e irresponsabilidade das autoridades de trânsito e seus superiores até o nível mais alto, os eleitos pelo povo!”. Como no caso da “vítima fatal”, o povo motorizado criou um uso, um costume, um hábito arraigado: de dentro de seus poderosos casulos de aço, passaram a entender que é o pedestre quem tem de parar ou se desviar dos veículos cruzando uma faixa, com exceção nem sempre obedecida das travessias onde há sinal especifico para pedestres. Motoristas em momentos “pedestre” não estranham quando outros motoristas avançam sobre eles sobre faixas de segurança. A lei virou letra morta. Por quê? Porque jamais foi “enforçada” como deveria ter sido, ininterruptamente, desde que há trânsito no Brasil (finalmente apelei ao neologismo). E pessoas morrem por isso, muitas, incluindo as mais vulneráveis, crianças, idosos e portadores de deficiências.  

Um motorista atropelou um pedestre que estava atravessando uma rua sobre a faixa bem pintada (!), conforme seu [do pedestre] direito legal; o motorista foi identificado e indiciado (!!); o caso foi a julgamento (!!!). É um princípio básico em direito que o réu não pode alegar desconhecimento da lei como justificativa por não tê-la obedecido. “Senhor juiz eu vinha pela avenida, o cruzamento tinha sinal, estava verde para mim, então eu avancei e virei à direita, mas tinha um pedestre na faixa da rua transversal e ele não esperou eu passar, se tivesse parado na avenida podia levar uma batida por trás, pois os carros vêm correndo, eu não sabia que era obrigado a parar, ninguém para , porque só eu?... etc.”. Boas desculpas? Não. A obrigação do juiz é para com a lei. Esse réu tem que e vai ser condenado, se a crime culposo ou doloso isso é outra questão. Quanto às penas (em geral ridículas no Brasil) isso também é outra coisa.

Por outro lado, autoridades de trânsito (incluindo as eleitas) não podem de modo algum se valer desse princípio. É uma situação de fato que, com exceção de Brasília (ver postagem anterior) 99,9% dos motoristas brasileiros têm uma percepção errada das regras de trânsito quanto às preferências dos pedestres. Jogar a culpa nos motoristas e não fazer nada é, em minha opinião, atitude criminosa dessas autoridades, passível de severa ação do ministério público. Mas até este se omite, nunca vi procuradores apontando procrastinações e prevaricações de autoridades quanto aos problemas de trânsito.

Boa parte da mídia também caiu na armadilha. É comum se ler ou ouvir reportagens alegando que os pedestres não atravessam na faixa. Ora, atravessar no local mais perigoso? (repetindo, quando não há sinal específico). A única "vantagem" é que se um pedestre é atropelado na faixa ele não é considerado "culpado".   

Há solução para o problema? Sim. Começo a descrever em próxima postagem.     

 Escrito por Paulo R. Lozano às 8:00 horas do dia 29 de julho de 2011

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Faixas fatais - 1


Nesta postagem sigo com um tema mais específico. Se há algo que revela em toda a sua plenitude a incivilidade do trânsito brasileiro é o eterno problema do desrespeito às travessias de pedestres. É provável que o tema requeira duas ou três postagens (por enquanto).

Comecei este blog no dia 26 de maio de 2011. No dia 03 eu havia testemunhado um atropelamento numa faixa exclusiva de pedestres com o semáforo vermelho para os veículos. Esse foi o tema da primeira postagem do blog. No fim de semana vi, surpreso pela coincidência, extensa reportagem na “Vejinha” com o título: O desafio da FAIXA DE PEDESTRES.  Boa reportagem dessa excelente revista que leio quase todas as semanas. Todavia, em relação à linha deste blog, devo mencionar dois aspectos, não propriamente críticas, mas fatos que comprovam o que tenho dito em postagens anteriores: (i); Entendo a razão de Veja ter explorado o tema na Vejinha local, uma vez que estava comentando ações de autoridades locais, porém a incivilidade no trânsito é um enorme problema nacional. Quantos turistas estrangeiros serão atropelados no Brasil durante a Copa? (ver postagem de  19/07/2011).  (ii) Coberturas esporádicas de problemas no trânsito pela mídia (não lhes nego a importância) têm sido insuficientes para mobilizar a população e mais ainda as autoridades. Tanto isso é verdade que a própria reportagem da Vejinha cita um bom exemplo vindo de Brasília, onde um jornal, o Correio Brasiliense patrocinou longa e insistente campanha contra os desmandos nas faixas, em reportagens de primeira página e vários editoriais. Só assim as autoridades sentiram alguma pressão e deram prioridade política ao problema. Em Brasília o problema diminuiu, mas se as autoridades baixarem a guarda no enforcement os abusos voltarão. Essa é a natureza humana, infelizmente.  

Voltemos então às faixas de segurança. A melhor definição que conheço sobre o que é uma faixa de segurança é: “uma extensão da calçada na rua”. Em outras palavras, rua com faixa pintada deixa de ser rua e passa a ser calçada, por onde veículos podem passar com cuidado; ou deveria ser. Mas há motoristas que não respeitam nem calçadas! Retornarei a esse tema.

Por que no Brasil as faixas, há décadas, não passam de simples “sinalizadores horizontais”? Em grande parte a resposta está descrita em postagens anteriores, (a) absoluta ausência de enforcement; (b) irresponsabilidade das autoridades responsáveis pelo enforcement. Acrescento mais uma, importante: desatualização das autoridades de trânsito sobre gestão técnica [de trânsito]. Se nas maiores cidades é assim, imaginem nas pequenas. 

Já citei a curiosa atitude dos brasileiros que dirigem no exterior e que em poucos minutos se adaptam às regras, inclusive parando antes da faixa quando um pedestre “ameaça” atravessá-la; citei também o exemplo inverso, dos estrangeiros que vêm morar aqui e em poucas semanas passam a dirigir como os brasileiros, ou seja, caçando pedestres nas faixas. Isso tudo sem falar das motocicletas.

Aí, as autoridades dizem que o pedestre é mal educado, não atravessa nas faixas. Se for assim eu sou mal educado. Sempre que possível, em ruas sem semáforos para pedestres, atravesso o mais longe possível dos cruzamentos, quando vejo distância segura dos veículos mais próximos vindo em minha direção. Já escapei por pouco de vários atropelamentos em faixas e creio que não sou o único.

Por que pedestres muitas vezes evitam faixas? Vejamos:

·         Cruzamentos com semáforos com sinais para pedestres: pedestres não têm segurança 100%; os tempos de travessia são insuficientes e o tempo de espera é muito longo; se o sinal de pedestres começa a piscar antes de alguém completar a travessia, veículos avançam imediatamente, em desrespeito explícito ao CTB; alta porcentagem de motociclistas ignora as faixas (primeira postagem neste blog); mas há também abusos por parte de  pedestres e contra isso provavelmente jamais alguém viu uma autoridade de trânsito parar, advertir ou multar um no Brasil. Eu não vi. Mas esse não é o maior problema.

·         Cruzamentos com semáforos sem sinais para pedestres: terrivelmente perigosos; motoristas com sinal verde à frente, virando para a direita ou para a esquerda (manobras nem sempre permitidas) avançam sem a menor preocupação com pedestres na faixa. Ao testar minha "preferência" em vários locais geralmente recebia impropérios de motoristas: “da vontade de matar o fdp”. Sem nenhum exagero. Ignorância? Não, esse é o “hábito” do motorista brasileiro, um terrível desvio de conduta coletivo que se consolidou com o tempo por absoluta falta de enforcement, incompetência e irresponsabilidade das autoridades de trânsito e seus superiores, até o nível mais alto, os eleitos pelo povo! As faixas perigosas são normalmente as da rua transversal à que está com o sinal aberto, mas há também quantidade incrível de veículos que avançam o sinal vermelho, principalmente logo após a mudança.

·         Cruzamentos sem semáforo: sem comentários

Continua.

Escrito por Paulo R. Lozano às 21:00 horas do dia 26 de julho de 2011

A velocidade é tão importante assim?

Nas postagens deste blog, até o momento, dei ênfase apenas a problemas sistêmicos do trânsito brasileiro. Ele é o que é e dá no que dá exatamente por estar um sistema estável, como ressaltei mais de uma vez. É claro que somente ações sistêmicas podem vir a alterar a estabilidade desse complicadíssimo sistema. Somente o Estado tem esse poder – e é nisso que tenho insistido. Embora mantendo o foco principal é minha intenção passar a dar ênfase progressivamente também a elementos individuais que afetam o sistema, de cunho mais prático ou técnico. O tema de hoje é desse tipo.

Como engenheiro não palestrante profissional, confesso que sempre tive dificuldades em convencer pessoas sobre certos aspectos da natureza que não são intuitivas. Como espécie, somos animais de deslocamento lento, não tanto quanto tartarugas, mas muito lentos quando comparados a aves, principalmente as de rapina. Guepardos correm cinco vezes mais rápido do que pessoas comuns. Até mesmo um hipopótamo alcança o mais veloz dos homens em terra.

Normalmente nossa percepção de causa e efeito é do tipo linear e proporcional a 1:1. Se subimos uma escada carregando uma mala pesando 10 kg, exercemos certo esforço. Se a mala pesasse 20 kg, o esforço seria o dobro. Em nossa percepção quase tudo segue essa regra.

Novamente apelo para “pesquisas” que tenho feito informalmente ao longo dos anos. Numa delas, venho perguntando a dezenas de pessoas, amigos, colegas de trabalho e outras, geralmente pessoas cultas e educadas, qual a percepção que elas têm da velocidade. “Dobrando a velocidade dobram os possíveis efeitos no caso de colisões ou tombos?” ou “alguém cai numa brincadeira quando corria a 8 km/hora, batendo num obstáculo e se lanhando todo; se estivesse correndo a 16 km/hora, você acredita que a probabilidade de ferimentos, em extensão e gravidade, seria o dobro”? Nessa pesquisa informal o índice de adesão ao SIM tem sido de 100%. Não que eu induzo a resposta, as pessoas percebem desse modo, é natural. Mas está errado.

Para os que duvidam e gostam de carros, peço que olhem os testes de veículos novos em suas coleções de revistas especializadas. Essas revistas testam as distâncias percorridas em frenagens de emergência a partir de velocidades distintas, 40 km/hora, 80 km/hora, 120 km/hora, cada uma tem seus critérios. Traçamos então gráficos relacionando distâncias com velocidades, uma curva para cada carro/teste. É claro que os resultados variam de veículo para veículo, mas um fato salta aos olhos nesses gráficos, cada vez que se dobra a velocidade a distância até  a parada aumenta quatro vezes!

E daí? Se um carro moderno para em 10 metros estando a 50 km/hora, qual é o problema de parar em 40 metros estando a 100 km/hora? Ou em 90 metros, estando a 150 km/hora? Ou em 160 metros estando a 200 km/hora?  

Bem, o problema é que não é só a distância de frenagem que varia com o quadrado da velocidade. A energia armazenada pelo veículo em movimento – incluindo seus ocupantes – é o que de fato varia nessa proporção, a distância até a parada é mera conseqüência desse fato.

Em rodagem normal, tudo bem, mas quando as coisas saem de controle... Entre uma batida a X km/hora e outra a 2X km/hora as conseqüências na segunda são quatro vezes maiores; ou piores. Deformações no veículo, probabilidades de lesões nos ocupantes, seriedade das lesões, tudo obedece a lei do quadrado da velocidade. Águias ou falcões sabem bem o risco que correm ao dar um vôo rasante em alta velocidade na tentativa de capturar uma lebre, o menor erro pode lhes ser fatal, mas nós não temos intuitivamente essa percepção.

Como não adianta discutir com leis da natureza, os engenheiros trataram de projetar carros cada vez mais seguros... para os ocupantes. Nas últimas décadas a evolução nas seguranças ativa e passiva dos automóveis foi fantástica. Na ativa, os carros se tornaram cada vez mais estáveis, com melhor dirigibilidade e freios. Sistemas eletrônicos, antes privilégio de carros de alto luxo, estão se tornando comum, tais como freios ABS e sistemas ativos de controle de estabilidade. Na passiva, cintos de segurança com pré-tensionamento, carrocerias deformáveis, célula de segurança, maior número de airbags e outros dispositivos hoje são comuns. Todavia, dirigindo carros cada vez mais silenciosos e estáveis os motoristas tendem a se sentir cada vez mais confiantes. Num carro de luxo numa boa auto-estrada, um passageiro de olhos fechados mal percebe que pode estar a 200 km/hora. Até o barulho de vento desapareceu.

Aí reside o perigo. A distância até a parada pode resultar no atropelamento de um pedestre ou não. Lembrem-se, estamos no Brasil. Em atropelamentos, carros mais seguros não fazem a menor diferença, a probabilidade de morte – do pedestre, é claro – é diretamente proporcional ao quadrado da velocidade do impacto. E se um motorista abusa da velocidade com a família dentro, por ter a impressão de ter o controle total do veículo, o trabalho dos engenheiros foi inútil. Não há engenharia que suplante a natureza.

As autoridades de trânsito enfatizam bastante os perigos da velocidade, porém raramente explicam bem por quê. Não é mais convincente quando se sabe?

Escrito por Paulo R. Lozano às 18:00 horas do dia 26 de julho de 2011

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Irresponsabilidade. De quem?

Com uma pausa de poucos dias volto ao ponto em que havia parado. Quem é irresponsável no trânsito brasileiro? Erra quem diz serem somente os motoristas.

É gritante a irresponsabilidade de autoridades – normalmente em níveis acima das diretas – que teriam legal e moralmente a obrigação de ASSEGURAR enforcement no trânsito. Em qualquer país do mundo sem enforcement amplo, firme e permanente abusos acontecem. E não encontro explicações para o porquê do conformismo da sociedade civil organizada com relação a esse fato. Esta, a sociedade civil organizada, incluindo a mídia, não tem dado a atenção devida ao massacre que ocorre todos os dias em nossas ruas e estradas e não tem notado que enorme parte do problema se deve à inexistência de enforcement. Ressalto a palavra inexistência porque o enforcement a que me refiro não significa mecanismos eletrônicos automáticos de fiscalização, pelo contrário.

Existem reações, sim, como já citei anteriormente, mas elas são esporádicas e insuficientes. Se há elementos na sociedade civil com poder suficiente de mobilização, apontando permanentemente as grandes falhas do sistema e omissões das autoridades, eles não estão conseguindo expor a dramaticidade da situação. Esses mesmos elementos caso existissem poderiam, por outro lado, apontar, aplaudir e até premiar bons exemplos. Consequentemente, as maiores autoridades não dão prioridade política ao problema e nem se sentem responsáveis pelas consequências.           

Em sendo assim, o sistema trânsito continuará estável e suas consequências idem.

Já citei que a aplicação pura e simples de mais fiscalização automática como tem sido feito é contraproducente, pois tem o condão de aumentar o grau de desconfiança da população com relação à verdadeira intenção das autoridades. Vem daí a percepção sobre a indústria da multa, a revolta, e a realimentação de abusos. Não há nenhum enforcement de percurso. Não há a presença importantíssima da autoridade fazendo o que deveria fazer. Não há percepção (por que será) de que as autoridades estão investindo o que podem e devem, permanentemente, na manutenção e melhorias técnicas dos sistemas viários e de sinalização e controle. Para quem conhece o trânsito de países civilizados, então, as diferenças são chocantes.         

Mas afinal, ninguém faz nada? Bem, quase. Já dissemos que o CTB municipalizou o trânsito. Nada mais natural, portanto, que secretários e autoridades nomeadas politicamente em agências municipais de trânsito queiram deixar sua marca ao fim de um ou dois anos no exercício do poder. Assim, vemos iniciativas isoladas aqui e ali, as quais raramente se mantêm com constância de propósito ao longo do tempo.

Exemplos são abundantes. Em São Paulo, por exemplo, já vimos vários “programas” de secretários de transporte e presidentes da CET, mas nunca de prefeitos! Algumas campanhas, mini-rotatórias nos cruzamentos, hoje quase abandonadas (mal implantadas e sinalizadas e, em muitos cruzamentos, as faixas de pedestres foram removidas), inviáveis “pistas cidadãs” para motocicletas, como na congestionadísssima Avenida Rebouças, e outras. O tema atual é a travessia de pedestres, importantíssimo, mas que somente o tempo revelará se será de fato iniciativa permanente e eficaz. Comentarei temas técnicos como esses em futuras postagens.

Estimativas referentes a acidentes de trânsito no Brasil desde 01/01//2011, incluindo atropelamentos:

Mortos: > 20.500; Feridos: > 205.000; Feridos muito graves: > 102.500

Quem são os irresponsáveis?



Escrito por Paulo R. Lozano às 08:00 horas do dia 25/07/2011

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Ignorando a responsabilidade legal 4

Eventuais leitores das postagens deste blog devem ter percebido que de início tenho procurado mostrar os principais problemas sistêmicos do trânsito brasileiro. Ainda não entrei em temas mais práticos ou técnicos. Isso não é tão difícil de fazer, basta comparar nossos sistemas com os vigentes em países de transito civilizado (e com as recomendações da OMS / ONU, sendo sugeridas desde 2004), os quais, consequentemente, desfrutam de índices de acidentes e suas catastróficas conseqüências bem menores do que no Brasil. Como costumava dizer o saudoso Paulo Francis, tenho repetido ad nauseam que se os resultados não são bons os sistemas que os geram também não são. A lógica não permite outra interpretação. Resultados “civilizados” em termos de mortos e feridos no trânsito, sem contar o espírito de guerra que paira hoje em nossas ruas e estradas (o cada um por si) deveriam ser umas cinco vezes melhores do são, e isso não é sonho, é perfeitamente factível, outros países realizaram essa tarefa. Já disse que melhorias de 20%, 40%, 60% em prazos de até dez anos ou mais são ridiculamente insuficientes.    

Afinal, o brasileiro não só tem a fama, mas realmente é um povo pacato e ordeiro. Quando confia e percebe que certas medidas propostas são importantes adere com maior facilidade do que povos de vários países civilizados. Vale a pena exemplificar, afinal de contas não temos razões para complexos de inferioridade. Americanos e ingleses foram e ainda são altamente resistentes ao uso obrigatório de cinto de segurança, os índices de utilização são menores do que no Brasil. A razão está numa arraigada crença sobre pretensa e ilimitada liberdade individual: “se eu quiser me matar no trânsito ninguém tem nada a ver com isto”. Evidentemente isso é uma falácia, pois ninguém é uma ilha. Pessoas nascem, crescem e vivem dentro de sociedades complexas e assim têm direitos e obrigações. Morrer ou ficar incapacitado em acidentes, dependente dos serviços sociais, não é um direito, ao contrário. Se o camarada sempre foi um eremita por convicção, aí sim pode pular de um penhasco no deserto.

Creio que as quarenta postagens anteriores deste blog já indicaram suficientemente porque o brasileiro, ordeiro de pacato no geral, vive nesse contínuo inferno no trânsito. O funcionamento do complexo “sistema trânsito” brasileiro está estável e continuará gerando resultados estáveis, ou seja, ruins. Ele é o que é e continuará sendo, a menos que venha a ser profundamente chacoalho, mas isso não acontecerá tão cedo, por várias razões, como venho procurando mostrar.

Nota: infelizmente, neste blog não poderei entrar em detalhes técnicos sobre conceitos estatísticos / matemáticos como a questão da estabilidade estatística, de fundamental importância para se entender porque dificilmente as coisas mudarão significativamente nos próximos anos.

A postagem de hoje é uma espécie de revisão, porém ainda dentro do item “enforcement altamente deficiente”, pois entre os elementos do sistema trânsito brasileiro este é de longe o mais falho e danoso. Junto com as considerações dos parágrafos anteriores, reforça o ponto principal: não é o povo, não são os motoristas os grandes responsáveis pela tragédia do trânsito brasileiro, como muitas autoridades não se cansam de repetir.

Assim sendo, reforça igualmente a proposta do blog: precisamos urgentemente de entidades dedicadas permanentemente à missão de instilar na sociedade brasileira uma percepção realista e profunda da tragédia que vivemos, de modo a forçar as autoridades a assumir finalmente suas responsabilidades: fazer com que a civilidade e segurança no trânsito entrem no rol das maiores prioridades políticas do país.

Autoridades federais e estaduais (principalmente) e municipais (em menor escala) são as maiores responsáveis pelo enforcement contínuo, eficaz e em larga escala visando a civilidade e segurança do trânsito. Não dando a imprescindível prioridade política a esse ponto, e chegando a ignorá-lo, estão relegando às favas direitos básicos dos cidadãos, ou seja, escondendo suas responsabilidades em baixo do tapete. Até quando? Até quando alguém comece a apontar o dedo.

Escrito por Paulo R. Lozano às 18:00 horas do dia 21/07/2011

terça-feira, 19 de julho de 2011

IGNORANDO A RESPONSABILIDADE LEGAL 3

A Copa do Mundo de 2014 se aproxima célere. Por enquanto percebo apenas preocupações (bastante associadas à burocracia e corrupção) com a construção ou reforma de estádios e aeroportos. Assim que as chaves estiverem definidas as pessoas começarão a organizar apostas em bolões. Legal, eu também aposto. Assim sendo, vou propor mais um, um no qual pode-se começar a apostar desde já: quantos turistas estrangeiros serão atropelados nas cidades sede da Copa? As apostas podem ser feitas por cidade, por fase, por...
Brincadeira? Não, pura realidade. Sem um mínimo de enforcement competente nosso trânsito continuará sendo o que é, altamente incivilizado e perigoso, principalmente para os inocentes mais vulneráveis: pedestres, principalmente crianças e idosos. E, potencialmente, para turistas estrangeiros que desconhecem as regras deste inacreditável jogo brasileiro, caça ao pedestre na faixa. Voltarei a esse tema em breve.
Uso a cidade de São Paulo como exemplo da situação geral da incivilidade do trânsito no Brasil. Sei que existem iniciativas isoladas em outros locais com relativo sucesso, mas a regra geral não tem sido quebrada: somos altamente incivilizados no trânsito.
A falta de enforcement [pilar 3] amplo e competente, acredito que já ficou claro, é o principal fator contribuinte. Atribuo pelo menos 70% de nossos sérios problemas de acidentes e caos no trânsito a ele. Não há perspectivas de melhorias rápidas e significantes. Para melhor entender porque, devemos usar comparações.
Vou comparar com os Estados Unidos por uma razão simples. Lá as leis de trânsito não são privilégio federal, os estados possuem grande autonomia para legislar, desdobrar as leis, aplicar engenharia de trânsito competente, praticar enforcement, e aplicar justiça. Assim, seria de se esperar grande dispersão nos resultados (alguns poderiam ser tão ruins como os do Brasil), mas isso não acontece. Ao contrário, os Estados competem por melhores resultados, em grande parte baseados em melhores práticas de enforcement.
O enforcement policial é feito pelas polícias locais, em geral sob o comando do “Sheriff” do condado (County) ou polícias municipais em cidades maiores. Qualquer policial, a pé ou em carro patrulha, pode e deve coibir qualquer tipo de infração às leis, seja jogar lixo na rua ou atravessar um sinal vermelho. Não cumprir essa obrigação é falta grave para o policial (prevaricação). O mesmo ocorre em outros países civilizados.
 O patrulhamento motorizado é a regra, com carros de polícia identificados ou não e motocicletas em certas circunstâncias. Se um policial deseja parar um veículo ele dirige por trás, liga as luzes piscantes (ao contrário do que se pratica no Brasil, onde as luzes estão sempre ligadas) e aciona brevemente a sirena. O motorista alertado deve encostar rapidamente em lugar seguro para o trânsito e permanecer no carro. Se o carro patrulha for do tipo não assinalado, o motorista tem o direito de solicitar a identidade do policial assim que abordado. Alguns estados permitem e outros não o “friendly warning”, uma simples advertência, quando a infração cometida não é grave. Na Europa, com turistas em carros alugados, isso também ocorre. Agora, no fim deste parágrafo, atente ao seguinte ponto: o patrulhamento não é específico para o trânsito, não há batalhões especiais de policiamento de trânsito, é simplesmente policiamento ostensivo; de tudo! Para tanto, os policiais são formados e permanentemente reciclados.
Há mais diferenças, mas para o propósito da postagem de hoje isso é suficiente. Comparemos com a situação brasileira:
1.       O problema do policiamento do Brasil é antigo, estrutural, cultural. Há décadas se discute atribuições das polícias civil, militar, municipal, o que seja. Espírito de corpo, jogos de poder, visões distorcidas pelos mais variados motivos predominam sobre a busca da eficiência em benefício do povo.
2.       No trânsito o poder de polícia continuou com os governos dos estados, apesar de a gestão ter sido municipalizada. Ora, quem são então os grandes responsáveis pela falta de enforcement, prefeitos ou governadores?   
3.       Por que dentro da mesma corporação, a policia militar, é preciso criar “batalhões específicos” para fiscalizar isso ou aquilo? (não respondam senhores secretários de segurança pública, conhecemos suas “razões” de cor). Integrações ocorrem somente em ocasiões especiais.
4.       Concluímos que no tocante ao enforcement o “sistema trânsito brasileiro” complicou-se tremendamente com o novo código. As responsabilidades se diluíram ainda mais.
Daí as frases de efeito nas Políticas de Trânsito que periodicamente são promulgadas, propondo objetivos, mas sem indicar como serão perseguidos, simplesmente porque ninguém sabe: Intensificar a fiscalização de trânsito”; “Combater a impunidade no trânsito”; “Intensificar a fiscalização de regularidade da documentação de condutor, do veículo e das condições veiculares”; “Disciplinar a circulação de ciclomotores, bicicletas e veículos de propulsão humana e de tração animal”; “Aprimorar a gestão de operação e de fiscalização de trânsito”; Intensificar a fiscalização sobre a circulação dos veículos de transporte de carga, de transporte de produtos perigosos e de transporte de passageiros” .
Palavras, palavras. Precisamos de ações concretas.
 
Estimativas referentes a acidentes de trânsito no Brasil desde 01/01//2011, incluindo atropelamentos:
Mortos: > 19.900; Feridos: > 199.000; Feridos muito graves: > 99.500
Escrito por Paulo R. Lozano às 8:00 horas do dia 19/07/2011

segunda-feira, 18 de julho de 2011

IGNORANDO A RESPONSABILIDADE LEGAL 2

Em 2001 o governo do Estado dissolveu o Comando de Policiamento de Trânsito de São Paulo, unidade da Polícia Militar. A justificativa do governo era o alto índice de criminalidade, “forçando” o Estado a desviar esses recursos para o combate ao crime.
Este foi em minha opinião um dos maiores erros do então governador Mario Covas, de quem sempre fui admirador. Se já não bastasse haver apenas um pequeno esquadrão dedicado ao policiamento ostensivo do trânsito, o que somente um PM pode fazer, ele foi simplesmente extirpado, deixando a população à mercê do pouco que a CET e os marronzinhos podiam fazer. E desde então a CET já vinha sendo sucateada.  
Conforme já explanei neste blog, o trânsito É onde a cidadania a civilidade devem ser praticadas, sem margens para desvios. O enforcement deveria ser implacável, como é nos países civilizados.
O CPTran de São Paulo foi timidamente recriado em maio de 2010 e mais de um ano depois ainda não ouvi dois silvos breves emitidos pelo apito de um único policial. Quais foram as consequências desse desatino?
O que já não era suficiente e eficiente se tornou nulo, de modo que no trânsito a população (pedestres/transporte coletivo) em geral e os motoristas criteriosos em particular se sentiram justificadamente abandonados pelo poder público. Oficializou-se a lei da selva. A lei do mais forte, do maior, do mais "esperto", dos agressivos, dos irresponsáveis, minorias, mas em quantidade suficiente para enlouquecer a maioria de cidadãos conscienciosos. Repetindo, a coibição dos abusos, que nunca foi das melhores, da noite para o dia passou simplesmente a não existir. Oficialmente! E nada aconteceu!
Com o fim das fiscalizações a frota irregular, não licenciada, mal conservada, perigosa, ultrapassou os 30%. Há quem estime estar próxima de 50%.
Em paralelo com essa infeliz medida cresceu a frota de motocicletas e com ela surgiram novos e graves problemas. Nenhuma fiscalização de infrações de percurso foi sequer cogitada. Abusos constantes por expressiva fração de pilotos se tornaram regra. Mortes e mais mortes estúpidas de jovens excessivamente arrojados e indisciplinados se tornaram comuns.
Na falta do policiamento ostensivo os municípios apelaram para a fiscalização automática. Além de barata na implantação e manutenção, traz expressivas receitas em multas; os sistemas podem ser terceirizados; as multas caem no caixa único dos municípios. Mediante todo tipo de artimanhas, essa montanha de dinheiro não tem sido aplicada em seus destinos legais.
Do modo similar, a fiscalização por agentes de trânsito não tem como coibir infrações e abusos de percurso, tais como alta velocidade, "costurar" e tantas outras, as maiores causas diretas de graves acidentes. Estacionamento proibido, rodízio municipal, parar em cima da faixa (alguém já viu um pedestre ser atropelado por um veículo parado?), essas fiscalizações (necessárias) pouco ou nada contribuem para realmente CIVILIZAR o trânsito.
A percepção resultante da esmagadora maioria dos motoristas conscientes só podia ser uma: estamos abandonados pelo poder público, é cada um por si. Ainda por cima, estamos sendo extorquidos. Pagamos impostos, taxas e mais taxas e as coisas só pioram, em todos os sentidos...
Cristalizou-se profunda desconfiança dos motoristas e proprietários de veículos contra os poderes públicos em tudo o que diz respeito ao trânsito. Bem, não só quanto ao trânsito.  
Seria bom se as autoridades de plantão prestassem atenção humildemente a essa triste realidade, pois enquanto essa desconfiança não for revertida não teremos bons resultados nos esforços para civilizar o trânsito. Infelizmente vejo o contrário: autoridades soberbas atribuindo aos motoristas, a todos eles, a responsabilidade pelos nosso incivilizadíssimo trânsito.    
Escrito por Paulo R. Lozano as 22:00 horas do dia 18/07/2011   

IGNORANDO A RESPONSABILIDADE LEGAL

Desde a entrada em vigor do novo Código de Trânsito Brasileiro no início de 1988, um dos três pilares que promovem um trânsito civilizado começou a ser – ainda mais – negligenciado: o enforcement (não mais colocarei essa palavra entre aspas). A situação foi se deteriorando progressivamente, ao ponto de se tornar, em minha visão, algo surreal, kafkaniano. Precisamos entender por quê.
O Código de Trânsito Brasileiro introduziu uma clara divisão de responsabilidades e uma teórica “parceria” entre órgãos federais, estaduais e municipais (adversários e inimigos políticos ignoram suas diferenças e se tornam parceiros em prol do benefício público?). Os municípios tiveram sua responsabilidade altamente ampliada na gestão das questões de trânsito. O município e não mais o Estado passou a ser o principal gestor do trânsito. Alegam as autoridades que nada mais justo, quando se considera que é neles que os cidadãos efetivamente moram, trabalham e se deslocam. Por isso, compete agora a órgãos executivos municipais de trânsito exercer nada menos que vinte e uma atribuições de gestão do trânsito.
Vejamos algumas delas:
Código de Trânsito Brasileiro - CTB
Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:
I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;
V - estabelecer, em conjunto com os órgãos de polícia ostensiva de trânsito, as diretrizes para o policiamento ostensivo de trânsito;
VI - executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito;
XIV - implantar as medidas da Política Nacional de Trânsito e do Programa Nacional de Trânsito;
§ 2º Para exercer as competências estabelecidas neste artigo, os Municípios deverão integrar-se ao Sistema Nacional de Trânsito, conforme previsto no art. 333 deste Código.
 Agora vejamos alguns pontos em que o CTB mais confundiu do que esclareceu, embora a intenção do legislador fosse boa:
O Código de Trânsito Brasileiro (e outras posturas federais) municipalizou a responsabilidade pela gestão do trânsito, mas:
1.       Não prevê explicitamente de onde os municípios obterão recursos adequados para poder cumprir essa seriíssima responsabilidade. Nada fala sobre a repartição dos impostos e taxas que, teoricamente, sustentam a gestão do trânsito, como o IPVA, os impostos sobre combustíveis, etc. Sabemos da situação de penúria da grande maioria dos municípios brasileiros, muitos dos quais são inviáveis. Mas aos municípios coube inequivocamente a arrecadação de multas sobre certas infrações. Alguém pode estranhar que muitos procurem, digamos assim, “maximizar” a arrecadação com esses tipos de multas?
2.       Os municípios ficaram responsáveis pela gestão do trânsito, mas para poder exercer essa obrigação eles antes têm mandatoriamente de cumprir uma série de exigências. Mas não há dispositivo legal que OBRIGUE os municípios a cumprir essas exigências, muito menos prazos para isso. Sem elas, eles não se integram ao Sistema Nacional de Trânsito! Não é a toa que hoje, 14 anos após o CTB, apenas pequena fração dos municípios brasileiros está (?) gerindo (evitei o termo fiscalizando) o trânsito. E nos outros? Nada.         
3.       Nenhuma entidade municipal tem poder de polícia! O poder de polícia no policiamento ostensivo continua com as polícias militares (a menos da polícia rodoviária federal), as quais respondem aos governos estaduais. Por isso citei, em postagem anterior, que considero os governadores de estado grandemente responsáveis pelos maus resultados de nosso trânsito.  
4.       Os municípios podem, teoricamente, executar “convênios” com a polícia militar (item V do Art. 24). Mas não há regras claras para esses convênios, principalmente quanto a como cobrir os custos.    
5.       Alguns municípios criaram Guardas Municipais e tentaram usar esse recurso na fiscalização do trânsito. Perderam na justiça. As Guardas Municipais devem se limitar a proteger o patrimônio do município.
6.       O CTB incentiva (pelo menos em palavras) os municípios a criar órgãos de trânsito. Esses seriam os órgãos executivos municipais de trânsito. Alguns já existiam antes do CTB, como o DET (não confundir com o DSV) em São Paulo. Além do DSV, a real autoridade de transito da cidade criou o CET Companhia de Engenharia de Tráfego. O CET possui agentes de trânsito (os marronzinhos). Eles não são policiais, não têm poder de polícia, não podem com dois silvos breves do apito obrigar um motorista a parar para ser fiscalizado quanto à documentação ou outras questões! Em termos de enforcement, o marronzinho só pode autuar à distância, e mesmo assim sobre algumas infrações. Notem a complicação, a CET autua e o DSV emite a multa com base nos dados da autuação. Mais ainda, legalmente somente agentes funcionários concursados podem ter essa autoridade!   
Acho que o leitor está começando a concluir para onde foi o enforcement do trânsito no Brasil. Na próxima postagem continuo com esse tema.
Escrito por Paulo R. Lozano às 8:00 horas do dia 18/07/2011    

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Dois silvos breves

Enquanto esperamos algo de diferente ser executado, o trânsito continua matando cerca de cem pessoas e ferindo mil por dia no Brasil. A ordem de grandeza é a mesma dos Estados Unidos, que possui população maior e frota muito maior, a qual roda em média bem mais do que a brasileira.
Vou esquecer temporariamente o tema da nova Política Nacional de Trânsito que está em gestação. Se ela terá ou não o condão de chacoalhar o sistema, se suas metas serão suficientemente agressivas e finalmente competentemente perseguidas, veremos.
Por enquanto vale perguntar: quais são as maiores diferenças entre os sistemas de trânsito do Brasil e de outros países, como os Estados Unidos. Resultados tão diferentes podem ser atribuídos apenas a condições econômicas ou educação dos motoristas?
A resposta é não. Mesmo na America Latina existem países com trânsito mais civilizado e apresentando consequentemente resultados bem melhores em segurança do que o brasileiro. Um exemplo interessante é a Costa Rica (e alguns países mais do Caribe).
Nesse momento eu recomendo a releitura de uma postagem do dia 04/06/2011 intitulada “Os pilares da civilidade”. São três pilares, conforme explicado: [1)]Institucional; [2] Evolução Funcional ou Sistêmica e; [3] Enforcement. Expliquei porque utilizo essa palavra inglesa, pois enforcement é bem mais do que simplesmente fiscalização. Não há no português tradução com o mesmo alcance. Por outro lado, não quero me meter a inventar neologismos.
Ora, não é preciso ser nenhum gênio para saber que nosso grande, enorme, gigantesco ponto fraco está no pilar enforcement. Esse é um traço, um marco cultural, que se estende a inúmeros aspectos do trato social brasileiro. O blog não é um espaço adequado para analisar essa anomalia, suas origens e desdobramentos, mas por ora basta haver concordância quanto à sua veracidade. Conforme já citei, nossos sistemas apresentam buracos também nos pilares [1] e [2], todavia, crítico realmente é o pilar [3].
Assim, comentarei apenas alguns aspectos do enforcement no Brasil que têm relação direta com os resultados da segurança no trânsito. Certos pontos merecem ser realçados. Como de hábito, recorrerei a casos particulares para tentar mostrar o geral.
Ao longo dos últimos anos tenho feito uma enquete com dezenas de motoristas mais jovens. Se você estivesse no meio do trânsito da cidade e ouvisse dois silvos breves de um apito, isso lhe cutucaria o cérebro? Chegaria a pensar que esses apitos poderiam ter alguma coisa a ver com você? Algo sério? Ou imaginaria simplesmente ser uma criança brincando com um apito... Minha enquete tem dado 100% de resultado negativo.
Código Brasileiro de Trânsito, Capítulo VII – Da sinalização do Trânsito; Artigo 87. Os sinais de trânsito classificam-se em: I, II..., V – sonoros. Artigo 89, prevalência da sinalização, em primeiro lugar prevalecem as ordens do agente de trânsito sobre as normas de circulação; Anexo II – Sinalização: Item 7. Sinais sonoros: dois silvos breves – pare indica parada obrigatória!
Pois é senhoras e senhores, no passado quando havia policiamento de tráfego na cidade de São Paulo se ouvia constantemente policiais usando seus apitos, emitindo de vez em quando dois silvos breves destinados ao condutor de um veículo em particular. Ao ouvir os silvos, todos os motoristas nas proximidades procuravam identificar a quem o policial estava se dirigindo. Na dúvida mais de um parava, pois não parar significa(va) se evadir e podia ter sérias consequências. Em seguida, o policial se dirigia ao veículo alvo, o qual geralmente havia cometido alguma infração ou apresentava condições problemáticas (lanterna queimada, por exemplo). Solicitava os documentos do condutor e do veículo, apreendia um ou ambos se fosse o caso, ou emitia uma multa, que o motorista infrator assinava. Era assim (a menos de algum jeitinho, aqui e ali).
 O que mudou nesses últimos vinte, trinta anos? Veremos em seguida.
Estimativas referentes a acidentes de trânsito no Brasil desde 01/01//2011, incluindo atropelamentos:
·          Mortos                                                   > 19.500
·          Feridos                                                   > 195.000
·          Feridos muito graves                           > 97.500

Escrito por Paulo R. Lozano às 20:00 horas do dia 13/07/2011