quinta-feira, 28 de julho de 2011

A velocidade é tão importante assim?

Nas postagens deste blog, até o momento, dei ênfase apenas a problemas sistêmicos do trânsito brasileiro. Ele é o que é e dá no que dá exatamente por estar um sistema estável, como ressaltei mais de uma vez. É claro que somente ações sistêmicas podem vir a alterar a estabilidade desse complicadíssimo sistema. Somente o Estado tem esse poder – e é nisso que tenho insistido. Embora mantendo o foco principal é minha intenção passar a dar ênfase progressivamente também a elementos individuais que afetam o sistema, de cunho mais prático ou técnico. O tema de hoje é desse tipo.

Como engenheiro não palestrante profissional, confesso que sempre tive dificuldades em convencer pessoas sobre certos aspectos da natureza que não são intuitivas. Como espécie, somos animais de deslocamento lento, não tanto quanto tartarugas, mas muito lentos quando comparados a aves, principalmente as de rapina. Guepardos correm cinco vezes mais rápido do que pessoas comuns. Até mesmo um hipopótamo alcança o mais veloz dos homens em terra.

Normalmente nossa percepção de causa e efeito é do tipo linear e proporcional a 1:1. Se subimos uma escada carregando uma mala pesando 10 kg, exercemos certo esforço. Se a mala pesasse 20 kg, o esforço seria o dobro. Em nossa percepção quase tudo segue essa regra.

Novamente apelo para “pesquisas” que tenho feito informalmente ao longo dos anos. Numa delas, venho perguntando a dezenas de pessoas, amigos, colegas de trabalho e outras, geralmente pessoas cultas e educadas, qual a percepção que elas têm da velocidade. “Dobrando a velocidade dobram os possíveis efeitos no caso de colisões ou tombos?” ou “alguém cai numa brincadeira quando corria a 8 km/hora, batendo num obstáculo e se lanhando todo; se estivesse correndo a 16 km/hora, você acredita que a probabilidade de ferimentos, em extensão e gravidade, seria o dobro”? Nessa pesquisa informal o índice de adesão ao SIM tem sido de 100%. Não que eu induzo a resposta, as pessoas percebem desse modo, é natural. Mas está errado.

Para os que duvidam e gostam de carros, peço que olhem os testes de veículos novos em suas coleções de revistas especializadas. Essas revistas testam as distâncias percorridas em frenagens de emergência a partir de velocidades distintas, 40 km/hora, 80 km/hora, 120 km/hora, cada uma tem seus critérios. Traçamos então gráficos relacionando distâncias com velocidades, uma curva para cada carro/teste. É claro que os resultados variam de veículo para veículo, mas um fato salta aos olhos nesses gráficos, cada vez que se dobra a velocidade a distância até  a parada aumenta quatro vezes!

E daí? Se um carro moderno para em 10 metros estando a 50 km/hora, qual é o problema de parar em 40 metros estando a 100 km/hora? Ou em 90 metros, estando a 150 km/hora? Ou em 160 metros estando a 200 km/hora?  

Bem, o problema é que não é só a distância de frenagem que varia com o quadrado da velocidade. A energia armazenada pelo veículo em movimento – incluindo seus ocupantes – é o que de fato varia nessa proporção, a distância até a parada é mera conseqüência desse fato.

Em rodagem normal, tudo bem, mas quando as coisas saem de controle... Entre uma batida a X km/hora e outra a 2X km/hora as conseqüências na segunda são quatro vezes maiores; ou piores. Deformações no veículo, probabilidades de lesões nos ocupantes, seriedade das lesões, tudo obedece a lei do quadrado da velocidade. Águias ou falcões sabem bem o risco que correm ao dar um vôo rasante em alta velocidade na tentativa de capturar uma lebre, o menor erro pode lhes ser fatal, mas nós não temos intuitivamente essa percepção.

Como não adianta discutir com leis da natureza, os engenheiros trataram de projetar carros cada vez mais seguros... para os ocupantes. Nas últimas décadas a evolução nas seguranças ativa e passiva dos automóveis foi fantástica. Na ativa, os carros se tornaram cada vez mais estáveis, com melhor dirigibilidade e freios. Sistemas eletrônicos, antes privilégio de carros de alto luxo, estão se tornando comum, tais como freios ABS e sistemas ativos de controle de estabilidade. Na passiva, cintos de segurança com pré-tensionamento, carrocerias deformáveis, célula de segurança, maior número de airbags e outros dispositivos hoje são comuns. Todavia, dirigindo carros cada vez mais silenciosos e estáveis os motoristas tendem a se sentir cada vez mais confiantes. Num carro de luxo numa boa auto-estrada, um passageiro de olhos fechados mal percebe que pode estar a 200 km/hora. Até o barulho de vento desapareceu.

Aí reside o perigo. A distância até a parada pode resultar no atropelamento de um pedestre ou não. Lembrem-se, estamos no Brasil. Em atropelamentos, carros mais seguros não fazem a menor diferença, a probabilidade de morte – do pedestre, é claro – é diretamente proporcional ao quadrado da velocidade do impacto. E se um motorista abusa da velocidade com a família dentro, por ter a impressão de ter o controle total do veículo, o trabalho dos engenheiros foi inútil. Não há engenharia que suplante a natureza.

As autoridades de trânsito enfatizam bastante os perigos da velocidade, porém raramente explicam bem por quê. Não é mais convincente quando se sabe?

Escrito por Paulo R. Lozano às 18:00 horas do dia 26 de julho de 2011

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