terça-feira, 19 de julho de 2011

IGNORANDO A RESPONSABILIDADE LEGAL 3

A Copa do Mundo de 2014 se aproxima célere. Por enquanto percebo apenas preocupações (bastante associadas à burocracia e corrupção) com a construção ou reforma de estádios e aeroportos. Assim que as chaves estiverem definidas as pessoas começarão a organizar apostas em bolões. Legal, eu também aposto. Assim sendo, vou propor mais um, um no qual pode-se começar a apostar desde já: quantos turistas estrangeiros serão atropelados nas cidades sede da Copa? As apostas podem ser feitas por cidade, por fase, por...
Brincadeira? Não, pura realidade. Sem um mínimo de enforcement competente nosso trânsito continuará sendo o que é, altamente incivilizado e perigoso, principalmente para os inocentes mais vulneráveis: pedestres, principalmente crianças e idosos. E, potencialmente, para turistas estrangeiros que desconhecem as regras deste inacreditável jogo brasileiro, caça ao pedestre na faixa. Voltarei a esse tema em breve.
Uso a cidade de São Paulo como exemplo da situação geral da incivilidade do trânsito no Brasil. Sei que existem iniciativas isoladas em outros locais com relativo sucesso, mas a regra geral não tem sido quebrada: somos altamente incivilizados no trânsito.
A falta de enforcement [pilar 3] amplo e competente, acredito que já ficou claro, é o principal fator contribuinte. Atribuo pelo menos 70% de nossos sérios problemas de acidentes e caos no trânsito a ele. Não há perspectivas de melhorias rápidas e significantes. Para melhor entender porque, devemos usar comparações.
Vou comparar com os Estados Unidos por uma razão simples. Lá as leis de trânsito não são privilégio federal, os estados possuem grande autonomia para legislar, desdobrar as leis, aplicar engenharia de trânsito competente, praticar enforcement, e aplicar justiça. Assim, seria de se esperar grande dispersão nos resultados (alguns poderiam ser tão ruins como os do Brasil), mas isso não acontece. Ao contrário, os Estados competem por melhores resultados, em grande parte baseados em melhores práticas de enforcement.
O enforcement policial é feito pelas polícias locais, em geral sob o comando do “Sheriff” do condado (County) ou polícias municipais em cidades maiores. Qualquer policial, a pé ou em carro patrulha, pode e deve coibir qualquer tipo de infração às leis, seja jogar lixo na rua ou atravessar um sinal vermelho. Não cumprir essa obrigação é falta grave para o policial (prevaricação). O mesmo ocorre em outros países civilizados.
 O patrulhamento motorizado é a regra, com carros de polícia identificados ou não e motocicletas em certas circunstâncias. Se um policial deseja parar um veículo ele dirige por trás, liga as luzes piscantes (ao contrário do que se pratica no Brasil, onde as luzes estão sempre ligadas) e aciona brevemente a sirena. O motorista alertado deve encostar rapidamente em lugar seguro para o trânsito e permanecer no carro. Se o carro patrulha for do tipo não assinalado, o motorista tem o direito de solicitar a identidade do policial assim que abordado. Alguns estados permitem e outros não o “friendly warning”, uma simples advertência, quando a infração cometida não é grave. Na Europa, com turistas em carros alugados, isso também ocorre. Agora, no fim deste parágrafo, atente ao seguinte ponto: o patrulhamento não é específico para o trânsito, não há batalhões especiais de policiamento de trânsito, é simplesmente policiamento ostensivo; de tudo! Para tanto, os policiais são formados e permanentemente reciclados.
Há mais diferenças, mas para o propósito da postagem de hoje isso é suficiente. Comparemos com a situação brasileira:
1.       O problema do policiamento do Brasil é antigo, estrutural, cultural. Há décadas se discute atribuições das polícias civil, militar, municipal, o que seja. Espírito de corpo, jogos de poder, visões distorcidas pelos mais variados motivos predominam sobre a busca da eficiência em benefício do povo.
2.       No trânsito o poder de polícia continuou com os governos dos estados, apesar de a gestão ter sido municipalizada. Ora, quem são então os grandes responsáveis pela falta de enforcement, prefeitos ou governadores?   
3.       Por que dentro da mesma corporação, a policia militar, é preciso criar “batalhões específicos” para fiscalizar isso ou aquilo? (não respondam senhores secretários de segurança pública, conhecemos suas “razões” de cor). Integrações ocorrem somente em ocasiões especiais.
4.       Concluímos que no tocante ao enforcement o “sistema trânsito brasileiro” complicou-se tremendamente com o novo código. As responsabilidades se diluíram ainda mais.
Daí as frases de efeito nas Políticas de Trânsito que periodicamente são promulgadas, propondo objetivos, mas sem indicar como serão perseguidos, simplesmente porque ninguém sabe: Intensificar a fiscalização de trânsito”; “Combater a impunidade no trânsito”; “Intensificar a fiscalização de regularidade da documentação de condutor, do veículo e das condições veiculares”; “Disciplinar a circulação de ciclomotores, bicicletas e veículos de propulsão humana e de tração animal”; “Aprimorar a gestão de operação e de fiscalização de trânsito”; Intensificar a fiscalização sobre a circulação dos veículos de transporte de carga, de transporte de produtos perigosos e de transporte de passageiros” .
Palavras, palavras. Precisamos de ações concretas.
 
Estimativas referentes a acidentes de trânsito no Brasil desde 01/01//2011, incluindo atropelamentos:
Mortos: > 19.900; Feridos: > 199.000; Feridos muito graves: > 99.500
Escrito por Paulo R. Lozano às 8:00 horas do dia 19/07/2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário