quinta-feira, 21 de julho de 2011

Ignorando a responsabilidade legal 4

Eventuais leitores das postagens deste blog devem ter percebido que de início tenho procurado mostrar os principais problemas sistêmicos do trânsito brasileiro. Ainda não entrei em temas mais práticos ou técnicos. Isso não é tão difícil de fazer, basta comparar nossos sistemas com os vigentes em países de transito civilizado (e com as recomendações da OMS / ONU, sendo sugeridas desde 2004), os quais, consequentemente, desfrutam de índices de acidentes e suas catastróficas conseqüências bem menores do que no Brasil. Como costumava dizer o saudoso Paulo Francis, tenho repetido ad nauseam que se os resultados não são bons os sistemas que os geram também não são. A lógica não permite outra interpretação. Resultados “civilizados” em termos de mortos e feridos no trânsito, sem contar o espírito de guerra que paira hoje em nossas ruas e estradas (o cada um por si) deveriam ser umas cinco vezes melhores do são, e isso não é sonho, é perfeitamente factível, outros países realizaram essa tarefa. Já disse que melhorias de 20%, 40%, 60% em prazos de até dez anos ou mais são ridiculamente insuficientes.    

Afinal, o brasileiro não só tem a fama, mas realmente é um povo pacato e ordeiro. Quando confia e percebe que certas medidas propostas são importantes adere com maior facilidade do que povos de vários países civilizados. Vale a pena exemplificar, afinal de contas não temos razões para complexos de inferioridade. Americanos e ingleses foram e ainda são altamente resistentes ao uso obrigatório de cinto de segurança, os índices de utilização são menores do que no Brasil. A razão está numa arraigada crença sobre pretensa e ilimitada liberdade individual: “se eu quiser me matar no trânsito ninguém tem nada a ver com isto”. Evidentemente isso é uma falácia, pois ninguém é uma ilha. Pessoas nascem, crescem e vivem dentro de sociedades complexas e assim têm direitos e obrigações. Morrer ou ficar incapacitado em acidentes, dependente dos serviços sociais, não é um direito, ao contrário. Se o camarada sempre foi um eremita por convicção, aí sim pode pular de um penhasco no deserto.

Creio que as quarenta postagens anteriores deste blog já indicaram suficientemente porque o brasileiro, ordeiro de pacato no geral, vive nesse contínuo inferno no trânsito. O funcionamento do complexo “sistema trânsito” brasileiro está estável e continuará gerando resultados estáveis, ou seja, ruins. Ele é o que é e continuará sendo, a menos que venha a ser profundamente chacoalho, mas isso não acontecerá tão cedo, por várias razões, como venho procurando mostrar.

Nota: infelizmente, neste blog não poderei entrar em detalhes técnicos sobre conceitos estatísticos / matemáticos como a questão da estabilidade estatística, de fundamental importância para se entender porque dificilmente as coisas mudarão significativamente nos próximos anos.

A postagem de hoje é uma espécie de revisão, porém ainda dentro do item “enforcement altamente deficiente”, pois entre os elementos do sistema trânsito brasileiro este é de longe o mais falho e danoso. Junto com as considerações dos parágrafos anteriores, reforça o ponto principal: não é o povo, não são os motoristas os grandes responsáveis pela tragédia do trânsito brasileiro, como muitas autoridades não se cansam de repetir.

Assim sendo, reforça igualmente a proposta do blog: precisamos urgentemente de entidades dedicadas permanentemente à missão de instilar na sociedade brasileira uma percepção realista e profunda da tragédia que vivemos, de modo a forçar as autoridades a assumir finalmente suas responsabilidades: fazer com que a civilidade e segurança no trânsito entrem no rol das maiores prioridades políticas do país.

Autoridades federais e estaduais (principalmente) e municipais (em menor escala) são as maiores responsáveis pelo enforcement contínuo, eficaz e em larga escala visando a civilidade e segurança do trânsito. Não dando a imprescindível prioridade política a esse ponto, e chegando a ignorá-lo, estão relegando às favas direitos básicos dos cidadãos, ou seja, escondendo suas responsabilidades em baixo do tapete. Até quando? Até quando alguém comece a apontar o dedo.

Escrito por Paulo R. Lozano às 18:00 horas do dia 21/07/2011

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