quarta-feira, 10 de abril de 2013


De boas intenções o inferno está cheio 3

Nesta semana o governo federal está em polvorosa. Leio uma manchete num jornal: Inflação (IPCA) fura teto da meta em 4 de 11 regiões. Isto significa que nessas regiões o índice ultrapassou 6,5% (em 12 meses), embora a META da inflação seja IPCA menor ou igual a 4,5% em 12 meses. Teoricamente há (ou havia) forte compromisso com as metas de inflação e há sem dúvida enorme aparato para medi-la. Deixo de lado os planos para controlá-la.

Em estatística um único número pouco significa. “Fulano deve receber 42% dos votos no primeiro turno, com margem de erro de 2% para mais e 2% para menos”. É assim que os institutos de pesquisa divulgam seus levantamentos, mas a rigor nem esse modo de reportar os resultados está completo, pois eles costumam não mencionar o índice de “certeza” utilizado nos cálculos. Mais correto seria afirmar: “com 90% de certeza (se esse foi o valor escolhido) Fulano deve receber 42%, mais 2% ou menos 2% dos votos, no primeiro turno”. O índice de certeza faz toda a diferença, pois quanto mais ele aumenta (se se deseja 95%, ou 99%, ou 99,9% de certeza de que a previsão está correta, incluindo a margem de erro), mais aumenta a margem de erro. Isso é inevitável, isso é matemática. Mas não é o caso da meta de inflação. Aqui não se trata da precisão com que a inflação é apurada. O valor 6,5% é uma tolerância acima da meta de 4,5%. Teoricamente, valores acima do teto de 6,5%, conforme estabelecido nas políticas econômicas do governo, são intoleráveis.

Mas nosso assunto não é inflação, para que tudo isso? Bem, apenas para mostrar que existem metas e metas... Concordo, inflação é algo importantíssimo! Mas 60 mil mortos e 350 mil incapacitados por ano não é uma questão banal qualquer neste país.

Pois bem, a Política Nacional de Trânsito de 2004 estabeleceu METAS para o futuro, no que foi chamado de horizontes 2006, 2010 e 2014. E não eram poucas: 28 até o final de 2006, 16 até o final de 2010 e 10 até o final de 2014. Algumas não são mensuráveis e se parecem mais com os objetivos do PNA, já mostrados. Para terminar esta discussão sobre as atuais políticas de trânsito devo comentar algumas metas.

Para o “horizonte 2006” tínhamos, entre outras:

3. Reduzir para dezessete mortes para cada 100.000 habitantes, até dezembro de 2006, tendo como referência o índice nacional de acidentes de 18 mortes para 100.000 habitantes. Já escrevi sobre isso. A referência era mais do que subestimada e o índice de 2012 deve estar por volta de 30 mortes por 100.000 habitantes ou mais.

6. Implantar o “Programa de Educação para a Cidadania no Trânsito” em mil municípios, até dezembro de 2006. Programa? Que programa?

10. Iniciar a implantação do programa de inspeção técnica veicular até dezembro de 2005, concluindo sua implantação até dezembro de 2006. Brasília é surreal. O modo como o governo federal foge de temas polêmicos, mesmo que importantíssimos, é inacreditável. Reformas política, tributária, trabalhista, outras... Por que não fugiria deste? Mesmo sendo OBRIGAÇÃO ESTABELECIDA POR LEI? A PNT seguiu a lei, o Artigo 104 do Código Brasileiro de Trânsito estipula que: “Os veículos em circulação terão suas condições de segurança, de controle de emissão de gases poluentes e de ruído avaliadas mediante inspeção, que será obrigatória, na forma e periodicidade estabelecidas pelo CONTRAN para os itens de segurança e pelo CONAMA para emissão de gases poluentes e ruído.” O prazo legal venceu em 2006 e nada, milhões de veículos em precárias condições de segurança estão circulando por aí, quebrando e congestionando as cidades e provocando acidentes direta e indiretamente. Caminhões, carretas, ônibus urbanos e rodoviários... O tema é polêmico, MAS É A LEI.

13. Implantar por intermédio do DENATRAN um sistema nacional eficaz de estatísticas de acidentes de trânsito, que contemple todas as unidades da federação e que represente 100% dos acidentes com vítimas registrados no país, até dezembro de 2006. Esse tema foi objeto de postagem recente. Vale lembrar que nesse ponto a lei também está sendo violada.

20. Fiscalizar 10% (dez por cento) da frota do país quanto às condições físicas e documentais do veículo em circulação, bem como as condições de habilitação dos respectivos condutores até dezembro de 2006. Esse item também é surreal e será desdobrado em futura postagem. É claro que a frota em circulação e os motoristas deveriam ser continuamente fiscalizados quanto aos pontos citados acima. Tornou-se META quando o governo estipulou uma porcentagem a ser cumprida até 2006! Mas, como na célebre história envolvendo Garrincha e Feola, o jogador perguntou se o técnico tinha combinado a tática com o adversário? FISCALIZAR COMO? QUEM IRIA FISCALIZAR? SOB ORIENTAÇÃO DE QUEM? Nada foi DEFINIDO nesse sentido. É altamente provável que mais de 30% da frota veicular brasileira esteja irregular. Nota: recorde-se que essa fiscalização é prerrogativa das Polícias Militares, Agentes de Transito não podem executá-la.   

22. Incentivar a elaboração de proposta de Projeto de Lei para criar base legal para medição de alcoolemia previsto no CTB, até junho de 2005. Esse item foi implantado com uma “pequena” demora de sete anos. Há sérias dúvidas se a fiscalização em todo o território nacional será eficaz.

24. Disciplinar a circulação de motocicletas na via pública, até dezembro de 2005. É ou não é de chorar? Sem mais comentários.

Sobre o “horizonte 2010” tínhamos, entre outras:

8. Reduzir o índice nacional de mortes para cada 100.000 habitantes para 14 (quatorze) mortes para cada 100.000 habitantes, até dezembro de 2010.  Mesmos comentários do primeiro item do horizonte 2006.

1. Implantar o Programa de Educação para a Cidadania no Trânsito em outros 2.000 (dois mil) Municípios, até dezembro de 2010. Mesmos comentários sobre o item 6 do horizonte 2006.

2. Implantar tecnologia de identificação automática em veículos novos, fabricados a partir de 2008. Ponto interessante, também procrastinado. Como praticamente não há fiscalização direta por policiais (a menos de em rodovias) essa foi a única saída divisada pelas autoridades para fiscalizar a meta 6: 6. Reduzir, para menos de 10%, a taxa de veículos não licenciados com inadimplência em taxas, IPVA e multas de trânsito, até dezembro de 2010. Ah!

11. Disciplinar a circulação de bicicletas em todas as vias públicas do país até 2010. Idem item 24 do horizonte 2006.

Sobre o “horizonte 2014” temos, entre outras:

1. Reduzir o índice de mortes no trânsito para 11 (onze) mortes para cada 100.000 habitantes até dezembro de 2014. Como visto, não obtivemos qualquer redução em mortes e feridos no trânsito. A falta de abordagem sistêmica para os problemas de trânsito não precisa mais ser adicionalmente realçada.  

2. Colocar no mercado brasileiro veículos novos nacionais com padrão de segurança - ativa e passiva - e ambiental em padrões observados internacionalmente, até dezembro de 2014. Embora as palavras “padrões observados internacionalmente” seja algo vago e subjetivo, é fato que a indústria brasileira produz veículos razoavelmente modernos e seguros, mas isso acontece por ação do mercado e não por força de regulamentações tupiniquins. Com relação à emissão de poluentes, como vem acontecendo desde o início do programa PROCONVE em 1986, mantém-se uma defasagem de uma ou duas etapas em relação aos níveis americanos e europeus, o que não é mau, mas, novamente, porque quem executa os planos é a iniciativa privada.

‘3. Implantar o Programa de Educação para a Cidadania no Trânsito em todos os Municípios, até dezembro de 2014. Não é preciso repetir que a Educação para o Trânsito ficou apenas nas palavras.

 
Essa é nossa realidade. Por parte do governo federal, o “grande indutor de mudanças”, nada mudou, nada está mudando, dificilmente algo mudará. Como esperar resultados diferentes?  

 

Escrito por Paulo R. Lozano em 10 de abril de 2013

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