terça-feira, 16 de abril de 2013


Dinheiro das multas de trânsito serve até para o café dos funcionários da CET

Meu plano para hoje era escrever sobre o CEDATT, um órgão Estadual (deixei momentaneamente Brasília de lado para entrar um pouco na parcela que cabe aos Estados no “Festival de Descaso na Gestão do Trânsito que Assola o País”), mas a frase do título desta postagem me fez mudar de ideia. Essa frase é a manchete na primeira página do caderno Metrópole do jornal o Estado de São Paulo, de 16 de abril de 2013, em reportagem assinada por Bruno Ribeiro.

Escrevi recentemente que utilizo nestas postagens, por princípio, apenas dados de domínio público, o que significa nos dias de hoje basicamente “Internet”. Considero obrigação de entidades públicas serem realmente transparentes, divulgando com frequência e clareza informações que permitam ao público avaliar como ela está cumprindo sua função e a que custo para a sociedade, sem camuflar nada. Mas poucas fazem isso, daí a enorme importância da nova Lei de Acesso à Informação.

Porém, um simples cidadão tem maiores dificuldades em obter informações de órgãos públicos mediante essa Lei do que a grande mídia, portanto valorizo muito reportagens como essa, muito embora, pessoalmente, eu já conhecesse parte dos fatos. A reportagem começa com uma frase significativa: “Diante das seguidas denúncias de falta de recursos na CET, o Estado realizou, na semana passada, com dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, um levantamento para saber o que foi feito, em 2012, com os quase R$ 900 milhões em multas que a cidade de São Paulo arrecadou. Quase um bilhão de Reais!”.

Em julho de 2011 escrevi algumas postagens sob o título genérico: ”Ignorando a Responsabilidade Legal” entre as quais, em postagem do dia 18, comecei uma análise sobre a “municipalização” da gestão do trânsito que o CTB instituiu, mostrando algumas idiossincrasias introduzidas. Vou recordar:

O Código de Trânsito Brasileiro introduziu uma clara divisão de responsabilidades e uma teórica “parceria” entre órgãos federais, estaduais e municipais. Os municípios tiveram sua responsabilidade altamente ampliada na gestão das questões de trânsito. O município e não mais o Estado passou a ser o principal gestor do trânsito. Alegam as autoridades que nada mais justo, quando se considera que é neles que os cidadãos efetivamente moram, trabalham e se deslocam. Por isso, compete agora a órgãos executivos municipais de trânsito exercer nada menos que vinte e uma atribuições de gestão do trânsito.

Vejamos algumas delas:

Código de Trânsito Brasileiro - CTB

Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios...:

I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;

V - estabelecer, em conjunto com os órgãos de polícia ostensiva de trânsito, as diretrizes para o policiamento ostensivo de trânsito;

VI - executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito;

XIV - implantar as medidas da Política Nacional de Trânsito e do Programa Nacional de Trânsito;

Depois comentei:

 Agora vejamos alguns pontos em que o CTB mais confundiu do que esclareceu:
O Código de Trânsito Brasileiro (e outras posturas federais) municipalizou a responsabilidade pela gestão do trânsito, mas:

Não prevê explicitamente de onde os municípios obterão recursos adequados para poder cumprir essa seriíssima responsabilidade... Alguém pode estranhar que muitos procurem, digamos assim, “maximizar” a arrecadação com esses tipos de multas?

Perante a situação descrita a mais elementar das lógicas permitia prever que os municípios iriam procurar financiar a gestão do trânsito com base nas multas de trânsito que passaram a ser destinadas aos seus cofres, mesmo que contra dispositivo expresso da Política Nacional de Trânsito, a morta viva. São Paulo não foi exceção.

Porém, São Paulo tomou uma medida drástica, depois copiada por outros municípios: TERCERIZOU A GESTÃO DO TRÂNSITO. Observe-se o Artigo 24 do CTB: Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios... cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;

A CET NÃO É um órgão municipal. É uma Sociedade por Ações de Economia Mista, na qual, pelos estatutos, a Prefeitura do Município de São Paulo manterá sempre a propriedade de ações que lhe assegurem a maioria do capital social. A CET é uma empresa. Por isso ela não pode nem mesmo lavrar multas. Nesse ponto ela meramente preenche formulários de autuação, com informações de infrações provenientes de instrumentos automáticos que controla, como lombadas eletrônicas, e dos Agentes de Trânsito. No fundo o papel de ambos é o mesmo. Os dados são depois encaminhados ao DSV, este sim um órgão municipal, onde os apontamentos são transformados em multas. Mas com esse subterfúgio a Prefeitura se enquadra (?) no Artigo 256 do CTB, que limita à “autoridades de trânsito” aplicar multas por infrações. Apenas servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar” podem lavrar multas, funcionários (regidos pela CLT) de empresas de economia mista não.

Mas a CET precisa ser remunerada para poder atuar, ou seja, ele precisa cobrir os custos de todos os tipos de despesas que uma empresa de grande porte incorre. Como qualquer empresa, a CET deve publicar balanços (essas coisas misteriosas que a gente não consegue decifrar), então, quem sabe se nos balanços da CET é possível obter alguma informação? Vejamos.  

O último balanço da CET compreende o mês de novembro de 2012, com dados do mês e acumulados do ano até esse mês. É possível extrapolar os totais do ano por projeção 11+1.

Quanto a empresa fatura por ano? O demonstrativo discrimina em 1- Receitas o valor de R$ 619,746 milhões até novembro, projetando 676,086 milhões no ano. Recitas provenientes de que? De “vendas de mercadorias, produtos e serviços”. Para quem? Boa pergunta. A CET “vendeu”, em milhões de Reais:

                                                                                              Nov/2012               Proj/2012               Cliente

·         Serviços de Engenharia de Tráfego                 521,416                  568,817                  PMSP

·         Exploração de Estac. Zona Azul                       58,069                    63,348                    Público

·         Eventos Diversos*                                            19,456                     21,225                    Organizadores

·         Outras Receitas                                                20,805                    22,696

Total venda de mercadorias, produtos e serviços   619,746                  676,086

*Grandes eventos que requerem intervenção de Agentes de Trânsito e outras ações.

 Se a “venda” de serviços de engenharia para a Prefeitura foi de R$ 568,817 milhões de reais e a Prefeitura arrecadou, como informa a reportagem do Estadão, quase R$ 900 milhões em multas no ano, o valor faturado pela CET corresponde a 63% do valor das multas, coerente com os 67,5% informados pelo jornal. O que a Prefeitura fez com a diferença?

É bom lembrar neste momento que é a Prefeitura quem decide “quanto serviço vai comprar da CET”, estando o valor a ser despendido definido no orçamento do ano em curso, em geral preparado no ano anterior. É bom lembrar também que esses “serviçinhos” se referem a praticamente TODA a gestão do trânsito dessa cidade monstro que é São Paulo. No entanto, a CET vive com ~ 60% do valor arrecadado com multas e mais alguns trocados provenientes de outras fontes. Admira-me que haja gente que aceite a presidência da CET (já tive amigos nesse cargo e sei como eles sofriam no dia a dia...).

E o IPVA? Seria interessante se o Estadão ou outro órgão da mídia, se valendo da mesma lei de Acesso à Informação questionasse o governo do Estado a fim de verificar se os valores arrecadados foram repassados devidamente. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário a arrecadação do IPVA no estado foi de 11,37 bilhões de Reais em 2012. A legislação diz que 50% do imposto ficam com o Estado e 50% com o município em que o veículo está registrado. A frota da cidade, segundo o DETRAN, é de 7,4 milhões de veículos ou 30% do total do Estado. Sendo assim, a cidade de São Paulo deve ter recebido por volta de 1,7 bilhão de reais, que somado ao valor das multas implica num total de 2,6 bilhões de reais! O Estado repassou o que devia? Se sim, o que a Prefeitura fez com esse dinheiro? Sabemos que o IPVA é um imposto e que impostos não podem ser vinculados e determinados fins, mas é mais do que justo imaginar que valores equivalentes deveriam estar sendo investidos na manutenção e melhoria da infraestrutura de transporte da cidade, preferencialmente na GESTÃO DO TRÂNSITO e MELHORIA DO EQUIPAMENTO URBANO, que se encontram em péssima situação, prejudicando indiscriminadamente os transportes coletivo e particular, em fluidez e segurança.

Resumindo, a Prefeitura não põe um tostão de sua arrecadação normal de impostos na gestão do trânsito, como se trânsito fosse um assunto de quinta categoria. Nesse momento vou imaginar um “faz de conta”. Faz de conta que por alguma razão, seja pela ação de alguém como Mahatma Gandhi incitando uma greve branca, ou por bruxarias da turma de Harry Potter, TODOS os motoristas da cidade deixem de cometer infrações de trânsito. A arrecadação de multas vai cair a zero. Pergunto: a gestão do trânsito deixa de ser necessária? Não será mais preciso executar manutenções no equipamento urbano, semáforos, sinalização, pintura de faixas e o resto? A Engenharia de Tráfico deixa de ser necessária? 

Essa é uma das razões pela qual eu tenho certeza que a Prefeitura de São Paulo (e muitas outras que agem do mesmo modo) está mais uma vez violando uma lei federal, o CTB: “A receita arrecadada com a cobrança de multas será aplicada exclusivamente em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito”. Isso não abrange todas as despesas de uma empresa de economia mista.

Há mais um ponto poderia ser averiguado utilizando-se a Lei de Acesso à Informação. O CTB estipula que 5% do valor de todas as multas arrecadadas no país seja repassado à União a fim de constituir o FUNSET, Fundo Nacional de Educação e Segurança de Trânsito. O tema foi regulamentado por leis e decretos complementares ao CTB desde 1998. Foi criada uma conta especifica para arrecadar os repasses dos estados e municípios, os quais nunca deixaram de ser feitos! Há 11 aplicações definidas para os recursos do FUNSET, a serem executadas pelo DENATRAN, todas da mais alta relevância para a segurança no trânsito. Quanto já foi arrecadado desde que o fundo começou a receber depósitos? Quanto foi aplicado? Em que? A boca pequena se sabe que praticamente todo o dinheiro do FUNSET sempre esteve CONTINGENCIADO. São bilhões e bilhões de Reais. As ações definidas em LEIS não são executadas, enquanto dezenas de milhares de brasileiros morrem todos os anos e centenas de milhares ficam mutilados. Se isso não é improbidade é total IRRESPONSABILIDADE administrativa. Sabemos quem são os / as responsáveis.  

 

Escrito por Paulo R. Lozano em 16 de abril de 2013

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