Dinheiro das
multas de trânsito serve até para o café dos funcionários da CET
Meu plano
para hoje era escrever sobre o CEDATT, um órgão Estadual (deixei
momentaneamente Brasília de lado para entrar um pouco na parcela que cabe aos
Estados no “Festival de Descaso na Gestão do Trânsito que Assola o País”), mas
a frase do título desta postagem me fez mudar de ideia. Essa frase é a manchete
na primeira página do caderno Metrópole do jornal o Estado de São Paulo, de 16
de abril de 2013, em reportagem assinada por Bruno Ribeiro.
Escrevi
recentemente que utilizo nestas postagens, por princípio, apenas dados de
domínio público, o que significa nos dias de hoje basicamente “Internet”. Considero
obrigação de entidades públicas serem realmente transparentes, divulgando com
frequência e clareza informações que permitam ao público avaliar como ela está
cumprindo sua função e a que custo para a sociedade, sem camuflar nada. Mas
poucas fazem isso, daí a enorme importância da nova Lei de Acesso à Informação.
Porém, um
simples cidadão tem maiores dificuldades em obter informações de órgãos
públicos mediante essa Lei do que a grande mídia, portanto valorizo muito reportagens
como essa, muito embora, pessoalmente, eu já conhecesse parte dos fatos. A
reportagem começa com uma frase significativa: “Diante
das seguidas denúncias de falta de recursos na CET, o Estado realizou, na semana passada, com dados obtidos por meio da
Lei de Acesso à Informação, um levantamento para saber o que foi feito, em
2012, com os quase R$ 900 milhões em multas que a cidade de São Paulo
arrecadou. Quase um bilhão de Reais!”.
Em julho de
2011 escrevi algumas postagens sob o título genérico: ”Ignorando a
Responsabilidade Legal” entre as quais, em postagem do dia 18, comecei uma
análise sobre a “municipalização” da gestão do trânsito que o CTB instituiu,
mostrando algumas idiossincrasias introduzidas. Vou recordar:
O Código de Trânsito
Brasileiro introduziu uma clara divisão de responsabilidades e uma teórica
“parceria” entre órgãos federais, estaduais e municipais. Os municípios tiveram
sua responsabilidade altamente ampliada na gestão das questões de trânsito. O
município e não mais o Estado passou a ser o principal gestor do trânsito.
Alegam as autoridades que nada mais justo, quando se considera que é neles que
os cidadãos efetivamente moram, trabalham e se deslocam. Por isso, compete
agora a órgãos executivos municipais de trânsito exercer nada menos que vinte
e uma atribuições de gestão do trânsito.
Vejamos algumas delas:
Código de
Trânsito Brasileiro - CTB
Art. 24.
Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios...:
I -
cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas
atribuições;
V -
estabelecer, em conjunto com os órgãos de polícia ostensiva de trânsito, as
diretrizes para o policiamento ostensivo de trânsito;
VI -
executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas
administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada
previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito;
XIV -
implantar as medidas da Política Nacional de Trânsito e do Programa Nacional de
Trânsito;
Depois comentei:
Agora vejamos alguns pontos em que o CTB mais
confundiu do que esclareceu:
O Código de
Trânsito Brasileiro (e outras posturas federais) municipalizou a
responsabilidade pela gestão do trânsito, mas:Não prevê explicitamente de onde os municípios obterão recursos adequados para poder cumprir essa seriíssima responsabilidade... Alguém pode estranhar que muitos procurem, digamos assim, “maximizar” a arrecadação com esses tipos de multas?
Perante a situação descrita a mais elementar das lógicas permitia
prever que os municípios iriam procurar financiar a gestão do trânsito com base
nas multas de trânsito que passaram a ser destinadas aos seus cofres, mesmo que
contra dispositivo expresso da Política Nacional de Trânsito, a morta viva. São
Paulo não foi exceção.
Porém, São Paulo tomou uma medida drástica, depois copiada
por outros municípios: TERCERIZOU A GESTÃO DO TRÂNSITO. Observe-se o Artigo 24
do CTB: Compete aos órgãos e
entidades executivos de trânsito dos Municípios... cumprir e fazer cumprir a
legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;
A CET NÃO
É um órgão municipal. É uma Sociedade por Ações de Economia Mista, na
qual, pelos estatutos, a Prefeitura do Município de São Paulo manterá sempre a
propriedade de ações que lhe assegurem a maioria do capital social. A CET é uma
empresa. Por isso ela não pode nem mesmo lavrar multas. Nesse ponto ela
meramente preenche formulários de autuação, com informações de infrações
provenientes de instrumentos automáticos que controla, como lombadas
eletrônicas, e dos Agentes de Trânsito. No fundo o papel de ambos é o mesmo. Os
dados são depois encaminhados ao DSV, este sim um órgão municipal, onde os
apontamentos são transformados em multas. Mas com esse
subterfúgio a Prefeitura se enquadra (?) no Artigo 256 do CTB, que limita à
“autoridades de trânsito” aplicar multas por infrações. Apenas “servidor
civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar”
podem lavrar multas, funcionários (regidos pela CLT) de empresas de economia
mista não.
Mas a CET precisa ser remunerada para poder atuar, ou seja,
ele precisa cobrir os custos de todos os tipos de despesas que uma empresa de
grande porte incorre. Como qualquer empresa, a CET deve publicar balanços
(essas coisas misteriosas que a gente não consegue decifrar), então, quem sabe
se nos balanços da CET é possível obter alguma informação? Vejamos.
O último balanço da CET compreende o mês de novembro de 2012,
com dados do mês e acumulados do ano até esse mês. É possível extrapolar os
totais do ano por projeção 11+1.
Quanto a empresa fatura por ano? O demonstrativo
discrimina em 1- Receitas o valor de R$ 619,746 milhões até novembro,
projetando 676,086 milhões no ano. Recitas provenientes de que? De “vendas de
mercadorias, produtos e serviços”. Para quem? Boa pergunta. A CET “vendeu”, em
milhões de Reais:
Nov/2012 Proj/2012 Cliente
·
Serviços de
Engenharia de Tráfego 521,416
568,817 PMSP
·
Exploração de Estac.
Zona Azul 58,069 63,348 Público
·
Eventos Diversos* 19,456 21,225 Organizadores
·
Outras Receitas 20,805 22,696
Total venda de mercadorias, produtos e serviços 619,746 676,086
*Grandes eventos que requerem intervenção de Agentes de
Trânsito e outras ações.
É bom lembrar neste momento que é a Prefeitura quem decide “quanto
serviço vai comprar da CET”, estando o valor a ser despendido definido no
orçamento do ano em curso, em geral preparado no ano anterior. É bom lembrar
também que esses “serviçinhos” se referem a praticamente TODA a gestão do
trânsito dessa cidade monstro que é São Paulo. No entanto, a CET vive com ~ 60%
do valor arrecadado com multas e mais alguns trocados provenientes de outras
fontes. Admira-me que haja gente que aceite a presidência da CET (já tive
amigos nesse cargo e sei como eles sofriam no dia a dia...).
E o IPVA? Seria interessante se o Estadão ou outro órgão da
mídia, se valendo da mesma lei de Acesso à Informação questionasse o governo do Estado a
fim de verificar se os valores arrecadados foram repassados devidamente.
Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário a arrecadação do IPVA
no estado foi de 11,37 bilhões de Reais em 2012. A legislação diz que
50% do imposto ficam com o Estado e 50% com o município em que o veículo está
registrado. A frota da cidade, segundo o DETRAN, é de 7,4 milhões de veículos
ou 30% do total do Estado. Sendo assim, a cidade de São Paulo deve ter recebido
por volta de 1,7 bilhão de reais, que somado ao valor das multas implica num
total de 2,6 bilhões de reais! O Estado repassou o que devia? Se sim, o que a
Prefeitura fez com esse dinheiro? Sabemos que o IPVA é um imposto e que
impostos não podem ser vinculados e determinados fins, mas é mais do que justo
imaginar que valores equivalentes deveriam estar sendo investidos na
manutenção e melhoria da infraestrutura de transporte da cidade, preferencialmente
na GESTÃO DO TRÂNSITO e MELHORIA DO EQUIPAMENTO URBANO, que se encontram em
péssima situação, prejudicando indiscriminadamente os transportes coletivo e
particular, em fluidez e segurança.
Resumindo, a Prefeitura não põe um tostão de sua arrecadação
normal de impostos na gestão do trânsito, como se trânsito fosse um assunto de
quinta categoria. Nesse momento vou imaginar um “faz de conta”. Faz de conta
que por alguma razão, seja pela ação de alguém como Mahatma Gandhi incitando
uma greve branca, ou por bruxarias da turma de Harry Potter, TODOS os
motoristas da cidade deixem de cometer infrações de trânsito. A arrecadação de
multas vai cair a zero. Pergunto: a gestão do trânsito deixa de ser necessária?
Não será mais preciso executar manutenções no equipamento urbano, semáforos,
sinalização, pintura de faixas e o resto? A Engenharia de Tráfico deixa de ser
necessária?
Essa é uma das razões pela qual eu tenho certeza que a
Prefeitura de São Paulo (e muitas outras que agem do mesmo modo) está mais uma
vez violando uma lei federal, o CTB: “A receita arrecadada com a
cobrança de multas será aplicada exclusivamente em sinalização, engenharia de
tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito”. Isso não abrange
todas as despesas de uma empresa de economia mista.
Há mais um ponto poderia ser averiguado utilizando-se a Lei de
Acesso à Informação. O CTB estipula que 5% do valor de todas as multas
arrecadadas no país seja repassado à União a fim de constituir o FUNSET, Fundo
Nacional de Educação e Segurança de Trânsito. O tema foi regulamentado por leis
e decretos complementares ao CTB desde 1998. Foi criada uma conta especifica para
arrecadar os repasses dos estados e municípios, os quais nunca deixaram de ser
feitos! Há 11 aplicações definidas para os recursos do FUNSET, a serem executadas
pelo DENATRAN, todas da mais alta relevância para a segurança no trânsito. Quanto
já foi arrecadado desde que o fundo começou a receber depósitos? Quanto foi aplicado?
Em que? A boca pequena se sabe que praticamente todo o dinheiro do FUNSET sempre
esteve CONTINGENCIADO. São bilhões e bilhões de Reais. As ações definidas em LEIS
não são executadas, enquanto dezenas de milhares de brasileiros morrem todos os
anos e centenas de milhares ficam mutilados. Se isso não é improbidade é total IRRESPONSABILIDADE
administrativa. Sabemos quem são os / as responsáveis.
Escrito por Paulo R. Lozano em 16 de abril de
2013
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