terça-feira, 2 de abril de 2013


Estatísticas (?)

Em algum lugar escrevi que vou intercalar postagens sobre temas mais específicos a fim de quebrar um pouco a ênfase que venho dando aos problemas sistêmicos do trânsito brasileiro. Esta é uma delas. Posteriormente voltarei à política (ou falta de) de trânsito.
Vou discorrer um pouco sobre números. Começo com o obvio, autoridades adoram falar sobre números absolutos. Vejamos notícia recente:

“As estradas federais registraram 108 mortes em decorrência de acidentes durante o feriado prolongado de Páscoa. O número é 10% menor do que os 120 óbitos registrados no mesmo período do ano passado. A Operação Semana Santa começou a 0h de quinta-feira (28) e terminou a meia-noite de domingo (31). Nesses quatro dias, foram contabilizados 2.429 acidentes --9% menos que os 2.674 registrados em 2012-- e 1.371 pessoas feridas, o que corresponde a uma redução de 20% diante dos 1.721 feriado do ano passado.”
O que esses números significam? NADA, ABSOLUTAMENTE NADA. Há anos autoridades têm vindo a público informar que o “número de acidentes xx” no período de “yy” foi  “ww” menor do que no período “zz”.

Números absolutos não têm o menor valor estatístico. Quem os apresenta sabendo disso quer enganar e quem os engole... Bem, considerando que somente 10% dos alunos do ensino médio têm conhecimentos “básicos” de matemática não posso culpar o povo, mas a mídia poderia ser mais inquisitiva. Repassar “press releases” é algo que meu neto de seis anos consegue fazer.
A informação acima se refere às estradas federais. Quem compila os dados é a Polícia Rodoviária Federal (PRF). Quem os divulga em sites oficiais é o DNIT, do Ministério dos Transportes. Vamos então ver algumas estatísticas da PRF sobre as grandes “melhoras” na segurança, que as autoridades alardeiam. Devo dizer que a menos de grande atraso em compilações anuais, até que as estatísticas da PRF são razoavelmente explícitas. Começo com o número absoluto de acidentes nas estradas federais:

 
O DNIT informa que em 2005 administrava 53.870 quilômetros de estradas asfaltadas simples e 3.491 duplicadas e que em 2010 administrava 56.485 km de estradas simples e 4.519 duplicadas.  
Não custa ver os números absolutos:

     ANO    ACIDENTES     C/MORTE   C/FERIDO
     2011     188.925               7.008             63.980
     2010     182.900               7.073             62.067
     2009     158.893               5.976             55.013
     2008     141.072               5.625             49.654
     2007     128.456               5.756             46.795
     2006     110.391               4.974             39.491
     2005     110.086               5.003             36.999
Vale notar que as estatísticas do Ministério da Saúde (baseadas em atestados de óbito assinados por médicos, legistas ou não) apontavam cerca de ~ 40.000 mortes em 2010, portanto, a acreditar nessas estatísticas, 18% das mortes no trânsito no Brasil ocorrem nas estradas federais! Em 2010 ocorreram três acidentes para cada quilômetro. Observem que a projeção para 2013 aponta para uns 240.000 acidentes. Em média 4% dos acidentes resultam em mortes NO LOCAL e 35% em feridos, com altos índices de gravidade.

Qualquer estatístico vendo o gráfico acima diria que “o sistema está estável”. Mas a quantidade não está aumentando? Claro, porém ano a ano a frota de veículos em circulação aumenta e a população também. Passo então para o indicador UNIVERSAL RELATIVO (consta em várias postagens anteriores) de trânsito, acidentes, mortes, feridos, etc., por cem mil habitantes.

 
Ah, agora sim, aí está a “grande melhora”.
Mas alguém pode alegar que este índice é cruel, pois no Brasil a frota de veículos vem aumentando mais rapidamente do que a população. É verdade, mas... O índice global de comparação é esse! Todavia, podemos usar outro índice, comparando as quantidades absolutas com a frota em circulação, número de mortos e feridos por 100.000 veículos. Primeiro as mortes:


Uma ligeira tendência de melhora? Talvez sim, talvez não, o sistema mostra estabilidade e temos poucos pontos no gráfico. E, como dito, são apontadas apenas as mortes que ocorrem nos locais dos acidentes. 

E agora os feridos, considerando que o índice de gravidade é alto:

 
A tendência negativa é mais nítida.
Comparando com países civilizados esses índices são indecentes. Em contraste, nossas autoridades varrem a sujeira para baixo do tapete e procuram de todas as formas mostrar números absolutos aparentemente favoráveis. Como disse o Marechal Bismark, números são como baionetas, pode-se fazer tudo com eles, menos se sentar em cima.  

 Escrito por Paulo R. Lozano em 02 de abril 2013
Nota: a base utilizada para a frota de veículos é a fornecida pelo DENATRAN. Como nessa postagem o tema é “estradas federais” utilizei a frota total de veículos de quatro rodas mais os comerciais, pois a maior parte dos acidentes com motonetas e motocicletas está concentrada nas zonas urbanas e as frotas desses veículos vêm crescendo desproporcionalmente.   

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