Leis secas e molhadas
O excelente
jornalista e professor Gaudêncio Torquato acertou no atacado, mas errou no
varejo. Em sua coluna no Estadão deste domingo (28/04/2013) ele utilizou um
exemplo específico visando ilustrar um problema genérico brasileiro: o desleixo
das autoridades é um dos maiores obstáculos à modernização da gestão pública, e
é mesmo. Mas o exemplo pinçado, embora ilustrativo, não é correto.
Gaudêncio se
revoltou com razão com a inacreditável displicência da direção da CET em
relação a um funcionário “marronzinho” que, dirigindo seu carro embriagado e
sem habilitação à mão bateu num ônibus, foi preso e libertado em seguida após
pagamento de fiança. “É problema particular dele, não estava em serviço, diz a
CET”. Revoltante.
Mas nosso
sistema institucional de trânsito é tão esquizofrênico que até alguém da
estatura de um Gaudêncio Torquato pode interpretar que um “marronzinho” é
agente de trânsito “responsável pela fiscalização de Lei Seca brasileira”. Mais
uma vez digo que não é. Os marronzinhos, legalmente, não podem ser considerados
nem mesmo “Agentes da Autoridade de Trânsito”, uma vez que o Código Brasileiro
de Trânsito em seu artigo 280 (repetido na Resolução 371 do Contran) estabelece
que “§ 4º O agente da
autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser
servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado
pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua
competência”. A CET é uma empresa de capital misto, sendo os marronzinhos,
portanto, funcionários de uma Companhia cujo principal acionista (a prefeitura
de São Paulo) está muito interessada em que seus empregados apontem infrações
(como fazem os dispositivos eletrônicos espalhados pelas ruas) para que o DSV
depois lavre multas.
Em cidades onde os Agentes de Trânsito são
funcionários públicos, civis, estatutários e celetistas, ainda assim estes não
possuem “poder de polícia”, não podem abordar veículos a fim de fiscalizar
documentações e outras irregularidades, inclusive a Lei Seca. Por isso essa lei
não vai pegar tão cedo ao longo do território nacional, pois somente policiais
militares podem exercer essa fiscalização e prefeitos e governadores não estão
muito interessados em fazer acordos nesse sentido. Como sempre, os governadores
alegam que a PM está ocupada demais com a delinquência.
Poucas cidades/estados no Brasil dispõem de
brigadas de trânsito da PM. Em 19 de agosto de 2011 escrevi a respeito da
reinstituição em 2010 do Comando
de Policiamento de Trânsito (CPTran) da Polícia Militar do Estado para, nas palavras do Secretário de
Segurança (Antonio Ferreira Pinto), “reforçar
o combate à criminalidade no trânsito e melhorar a fluidez e a fiscalização do
tráfego de veículos nas ruas da Capital”. O primeiro CPTran foi criado em
1970 e extinto em 2001. Na época, mais de dois mil policiais atuavam no setor.
O Comandante da PM adicionou: “essa atuação dos policiais aumenta a eficiência da fiscalização, já que
os PMs podem, entre outras coisas, interceptar, analisar documentos e verificar
as condições dos veículos”. E: “O complemento ao trabalho da CET vem da
possibilidade de a PM poder abordar veículos. É trabalho da polícia: abordar
veículos, ver se o condutor está embriagado, se o carro está em ordem, e se o
condutor está com a documentação correta”.
Na reinstituição foram alocados apenas 1.200
policiais para o CPTran. Lembro mais uma vez que somente a cidade de New York
conta com 40.000 policiais, dos quais 7.000 policiam prioritariamente o
trânsito. Eles também empregam Agentes de Trânsito (funcionários públicos, lotados nos departamentos de Polícia e DOT – Department of Transportation), os quais executam tarefas
auxiliares menores, como administrativas e fiscalização de estacionamento
irregular em ruas com parquímetros.
Pergunto aos paulistanos: vocês têm visto com
frequência os policiais do CPTran policiando o trânsito? Têm testemunhado
abordagens aleatórias de veículos em circulação, incluindo motocicletas, por
toda a cidade, em qualquer hora, de dia ou de noite? Ou têm visto apenas (para
aqueles que frequentam a noite) alguns bloqueios em locais boêmios?
Escrito por Paulo R. Lozano em 29 de abril de 2013
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