segunda-feira, 29 de abril de 2013


Leis secas e molhadas

 

O excelente jornalista e professor Gaudêncio Torquato acertou no atacado, mas errou no varejo. Em sua coluna no Estadão deste domingo (28/04/2013) ele utilizou um exemplo específico visando ilustrar um problema genérico brasileiro: o desleixo das autoridades é um dos maiores obstáculos à modernização da gestão pública, e é mesmo. Mas o exemplo pinçado, embora ilustrativo, não é correto.

Gaudêncio se revoltou com razão com a inacreditável displicência da direção da CET em relação a um funcionário “marronzinho” que, dirigindo seu carro embriagado e sem habilitação à mão bateu num ônibus, foi preso e libertado em seguida após pagamento de fiança. “É problema particular dele, não estava em serviço, diz a CET”. Revoltante.

Mas nosso sistema institucional de trânsito é tão esquizofrênico que até alguém da estatura de um Gaudêncio Torquato pode interpretar que um “marronzinho” é agente de trânsito “responsável pela fiscalização de Lei Seca brasileira”. Mais uma vez digo que não é. Os marronzinhos, legalmente, não podem ser considerados nem mesmo “Agentes da Autoridade de Trânsito”, uma vez que o Código Brasileiro de Trânsito em seu artigo 280 (repetido na Resolução 371 do Contran) estabelece que “§ 4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência”. A CET é uma empresa de capital misto, sendo os marronzinhos, portanto, funcionários de uma Companhia cujo principal acionista (a prefeitura de São Paulo) está muito interessada em que seus empregados apontem infrações (como fazem os dispositivos eletrônicos espalhados pelas ruas) para que o DSV depois lavre multas.

Em cidades onde os Agentes de Trânsito são funcionários públicos, civis, estatutários e celetistas, ainda assim estes não possuem “poder de polícia”, não podem abordar veículos a fim de fiscalizar documentações e outras irregularidades, inclusive a Lei Seca. Por isso essa lei não vai pegar tão cedo ao longo do território nacional, pois somente policiais militares podem exercer essa fiscalização e prefeitos e governadores não estão muito interessados em fazer acordos nesse sentido. Como sempre, os governadores alegam que a PM está ocupada demais com a delinquência.

Poucas cidades/estados no Brasil dispõem de brigadas de trânsito da PM. Em 19 de agosto de 2011 escrevi a respeito da reinstituição em 2010 do Comando de Policiamento de Trânsito (CPTran) da Polícia Militar do Estado para, nas palavras do Secretário de Segurança (Antonio Ferreira Pinto), “reforçar o combate à criminalidade no trânsito e melhorar a fluidez e a fiscalização do tráfego de veículos nas ruas da Capital”. O primeiro CPTran foi criado em 1970 e extinto em 2001. Na época, mais de dois mil policiais atuavam no setor.

O Comandante da PM adicionou: “essa atuação dos policiais aumenta a eficiência da fiscalização, já que os PMs podem, entre outras coisas, interceptar, analisar documentos e verificar as condições dos veículos”.  E: “O complemento ao trabalho da CET vem da possibilidade de a PM poder abordar veículos. É trabalho da polícia: abordar veículos, ver se o condutor está embriagado, se o carro está em ordem, e se o condutor está com a documentação correta”.

Na reinstituição foram alocados apenas 1.200 policiais para o CPTran. Lembro mais uma vez que somente a cidade de New York conta com 40.000 policiais, dos quais 7.000 policiam prioritariamente o trânsito. Eles também empregam Agentes de Trânsito (funcionários públicos, lotados nos departamentos de  Polícia e DOT – Department of Transportation), os quais executam tarefas auxiliares menores, como administrativas e fiscalização de estacionamento irregular em ruas com parquímetros.

Pergunto aos paulistanos: vocês têm visto com frequência os policiais do CPTran policiando o trânsito? Têm testemunhado abordagens aleatórias de veículos em circulação, incluindo motocicletas, por toda a cidade, em qualquer hora, de dia ou de noite? Ou têm visto apenas (para aqueles que frequentam a noite) alguns bloqueios em locais boêmios?

 

Escrito por Paulo R. Lozano em 29 de abril de 2013

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