sexta-feira, 26 de abril de 2013


Por que o policiamento de trânsito efetuado por policiais desapareceu das ruas?

 

Conforme afirmei na postagem anterior, temos um sério problema político institucional, por isso volto a Brasília. A fim de entendê-lo é necessário revisitar o CTB (Código Brasileiro de Trânsito) e mais alguns documentos oficiais.

Assim começa o CTB:

“LEI Nº 9.503, DE SETEMBRO DE 1997

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA (era Fernando Henrique Cardoso)

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei”

Seguem-se 340 Artigos divididos em 20 Capítulos, mais dois Anexos. Leis complementares foram aprovadas posteriormente. O capítulo mais prolixo é o XV, que trata das infrações, indo do artigo 161 ao 255. No momento desejo ressaltar o capítulo oitavo, em que pelo menos o título é longo:

CAPÍTULO VIII

DA ENGENHARIA DE TRÁFEGO, DA OPERAÇÃO, DA FISCALIZAÇÃO E DO POLICIAMENTO OSTENSIVO DE TRÂNSITO (arts. 91 a 95)”. (grifo meu)

Acho extraordinário que esse Capítulo do CTB, que deveria disciplinar temas de tamanha importância contenha apenas cinco artigos. Minto, na verdade são quatro, porque o 92 foi vetado. Mais extraordinário ainda é que nenhum desses artigos sequer menciona o tema policiamento. O 91 diz que o CONTRAN estabelecerá as normas e regulamentos a serem adotados em todo o território nacional quando da implementação das soluções adotadas pela Engenharia de Tráfego e os artigos 93, 94 e 95 tratam de temas menores, como critérios para aprovação de edificações que possam gerar tráfego, obstáculos à livre circulação em vias e calçadas e controle de eventos.  Só.

Sempre me perguntei: por que o Congresso Nacional fugiu da questão do policiamento de trânsito? Há apenas menções vagas sobre o assunto em outros capítulos e anexos. Por exemplo, no artigo 280, do capítulo XVIII (Do Processo Administrativo), vemos: “§ 4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência”. Note-se que essa norma está se referindo a quem tem competência para lavrar autos de infração e não às responsabilidades gerais sobre policiamento ostensivo ou dissimulado (como complementarmente deveria existir). Ou ainda, no Anexo I do CTB, há um “dicionário” definindo o significado de algumas palavras, tais como Acostamento, Automóvel, Bicicleta, etc. Uma das palavras incluídas é Fiscalização, definida como sendo: - ato de controlar o cumprimento das normas estabelecidas na legislação de trânsito, por meio do poder de polícia administrativa de trânsito, no âmbito de circunscrição dos órgãos e entidades executivos de trânsito e de acordo com as competências definidas neste Código. Do mesmo modo, essa informação não está definindo responsabilidades legais sobre policiamento de trânsito (quem, o que, quando, como, quanto...).

Todavia, resumindo a ópera, o CTB em muitos pontos “municipalizou” o trânsito, mas não concedeu (nem poderia sem uma PEC) poder de polícia aos prefeitos.  Constitucionalmente a Segurança Pública (e portanto o poder de polícia) está nas mãos dos governadores. Acredito que o Congresso não descobriu a maneira, ou não quis entrar na seara de como enquadrar as Polícias Militares no policiamento de trânsito municipal. Assim, resolveu deixar como está para ver como é que fica. Sabemos no que deu.    

Então, uns DOZE ANOS DEPOIS DA PROMULGAÇÃO DO CTB, o CONTRAN, com a Resolução No. 371 de 10 de dezembro de 2010, resolveu:  ”Aprovar o Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito – MBFT, Volume I – Infrações de competência municipal, incluindo as concorrentes dos órgãos e entidades estaduais de trânsito e rodoviários, a ser publicado pelo órgão máximo executivo de trânsito da União.”
 
 Outra resolução CONTRAN define quais infrações são de competência municipal, estadual, ou de ambos, para efeitos de fiscalização e, consequentemente, ARRECADAÇÃO DE MULTAS.

Sobre a Resolução 371, começo repetindo alguns parágrafos do Prefácio:

·         “Uma das ações adotadas para garantir a segurança no trânsito é a fiscalização, definida no Anexo I do CTB como o”: (segue-se a definição vista acima do vocabulário do CTB). Na falto de artigo legal no capítulo VIII o CONTRAN se valeu do vocabulário do anexo.

·         “Essa fiscalização é exercida por agentes de trânsito dos órgãos e entidades executivos e rodoviários de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da Polícia Rodoviária Federal e, mediante convênio, da Polícia Militar”. Aqui começa uma questão no mínimo curiosa, que foi a oficialização desse “agente de trânsito” como figura de primeira grandeza no universo da fiscalização municipal. Não há LEI definindo o que é e quais são os poderes de um agente de trânsito, mas tanto esse tema já foi parar na justiça que já há consenso sobre o que ele NÃO É.  Ele não é policial. Não pode abordar veículos, portanto não tem competência para fiscalizar infrações que demandam abordagem, tal como se a documentação do veículo e/ou do motorista está em ordem, ou verificar se o motorista está dirigindo embriagado. Em postagem anterior mostrei que pelo menos quinze sérias infrações de trânsito só são fiscalizáveis mediante abordagens, sendo algumas gravíssimas. Mas mantenho o que disse mais de uma vez, os agentes de trânsito que vejo em ação todos os dias são verdadeiros heróis.

·         “O papel do agente é fundamental para o trânsito seguro, pois, além das atribuições referentes à sua operação e fiscalização, exerce, ainda, um papel muito importante na educação de todos que se utilizam do espaço público, uma vez que a ele cabe informar, orientar e sensibilizar as pessoas acerca dos procedimentos preventivos e seguros”.   Como um agente que não tem poder de abordar motoristas nem pedestres perante infrações, pode exercer um papel muito importante na educação de TODOS os que usam o espaço público?

 
Na próxima postagem vou descrever como essa Resolução CONTRAN define o que é o Agente de Trânsito.


Escrito por Paulo R. Lozano em 26 de abril de 2013

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