Por que o policiamento de trânsito efetuado por policiais desapareceu
das ruas?
Conforme
afirmei na postagem anterior, temos um sério problema político institucional,
por isso volto a Brasília. A fim de entendê-lo é necessário revisitar o CTB
(Código Brasileiro de Trânsito) e mais alguns documentos oficiais.
Assim começa
o CTB:
“LEI Nº 9.503, DE SETEMBRO DE 1997
O PRESIDENTE
DA REPÚBLICA (era Fernando
Henrique Cardoso)
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei”
Seguem-se
340 Artigos divididos em 20 Capítulos, mais dois Anexos. Leis complementares
foram aprovadas posteriormente. O capítulo mais prolixo é o XV, que trata das
infrações, indo do artigo 161 ao 255. No momento desejo ressaltar o capítulo
oitavo, em que pelo menos o título é longo:
“CAPÍTULO VIII
DA
ENGENHARIA DE TRÁFEGO, DA OPERAÇÃO, DA FISCALIZAÇÃO E DO POLICIAMENTO
OSTENSIVO DE TRÂNSITO (arts. 91 a 95)”. (grifo meu)
Acho extraordinário que esse Capítulo do CTB, que
deveria disciplinar temas de tamanha importância contenha apenas cinco artigos.
Minto, na verdade são quatro, porque o 92 foi vetado. Mais extraordinário ainda
é que nenhum desses artigos sequer menciona o tema policiamento. O 91 diz que o CONTRAN
estabelecerá as normas e regulamentos a serem adotados em todo o território
nacional quando da implementação das soluções adotadas pela Engenharia de
Tráfego
e os artigos 93, 94 e 95 tratam de temas menores, como critérios para aprovação
de edificações que possam gerar tráfego, obstáculos à livre circulação em vias
e calçadas e controle de eventos. Só.
Sempre me perguntei: por que o
Congresso Nacional fugiu da questão do policiamento de trânsito? Há apenas
menções vagas sobre o assunto em outros capítulos e anexos. Por exemplo, no
artigo 280, do capítulo XVIII (Do Processo Administrativo), vemos: “§ 4º O agente da
autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser
servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado
pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua
competência”. Note-se que essa norma está se referindo a quem tem competência para
lavrar autos de infração e não às responsabilidades gerais sobre policiamento
ostensivo ou dissimulado (como complementarmente deveria existir). Ou ainda, no
Anexo I do CTB, há um “dicionário” definindo o significado de algumas palavras,
tais como Acostamento, Automóvel,
Bicicleta, etc. Uma das palavras incluídas é “Fiscalização”, definida como sendo: - ato de controlar o cumprimento das normas estabelecidas na
legislação de trânsito, por meio do poder de polícia administrativa de
trânsito, no âmbito de circunscrição dos órgãos e entidades executivos de
trânsito e de acordo com as competências definidas neste Código. Do mesmo modo, essa informação não está definindo responsabilidades legais sobre
policiamento de trânsito (quem, o que, quando, como, quanto...).
Todavia, resumindo a ópera, o CTB em muitos pontos
“municipalizou” o trânsito, mas não concedeu (nem poderia sem uma PEC) poder de polícia aos
prefeitos. Constitucionalmente a Segurança Pública (e
portanto o poder de polícia) está nas mãos dos governadores. Acredito que o Congresso
não descobriu a maneira, ou não quis entrar na seara de como enquadrar as Polícias
Militares no policiamento de trânsito municipal. Assim, resolveu deixar como está para ver como é que fica. Sabemos no que deu.
Então, uns DOZE ANOS
DEPOIS DA PROMULGAÇÃO DO CTB, o CONTRAN, com a Resolução No. 371 de 10 de
dezembro de 2010, resolveu: ”Aprovar o Manual Brasileiro de Fiscalização de
Trânsito – MBFT, Volume I – Infrações de competência municipal, incluindo as concorrentes dos
órgãos e entidades estaduais de trânsito e rodoviários, a ser publicado pelo
órgão máximo executivo de trânsito da União.”
Outra resolução CONTRAN define quais
infrações são de competência municipal, estadual, ou de ambos, para efeitos de
fiscalização e, consequentemente, ARRECADAÇÃO DE MULTAS.
Sobre a Resolução 371, começo
repetindo alguns parágrafos do Prefácio:
·
“Uma
das ações adotadas para garantir a segurança no trânsito é a fiscalização,
definida no Anexo I do CTB como o”: (segue-se
a definição vista acima do vocabulário do CTB). Na falto de artigo legal no
capítulo VIII o CONTRAN se valeu do vocabulário do anexo.
·
“Essa
fiscalização é exercida por agentes de trânsito dos órgãos e entidades
executivos e rodoviários de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios, da Polícia Rodoviária Federal e, mediante convênio, da
Polícia Militar”. Aqui começa uma questão no mínimo curiosa, que foi a
oficialização desse “agente de trânsito” como figura de primeira grandeza no
universo da fiscalização municipal. Não há LEI definindo o que é e quais são os
poderes de um agente de trânsito, mas tanto esse tema já foi parar na justiça
que já há consenso sobre o que ele NÃO É.
Ele não é policial. Não pode abordar veículos, portanto não tem
competência para fiscalizar infrações que demandam abordagem, tal como se a
documentação do veículo e/ou do motorista está em ordem, ou verificar se o motorista está dirigindo embriagado. Em postagem anterior
mostrei que pelo menos quinze sérias infrações de trânsito só são fiscalizáveis
mediante abordagens, sendo algumas gravíssimas. Mas mantenho o que disse mais
de uma vez, os agentes de trânsito que vejo em ação todos os dias são
verdadeiros heróis.
·
“O
papel do agente é fundamental para o trânsito seguro, pois, além das
atribuições referentes à sua operação e fiscalização, exerce, ainda, um papel
muito importante na educação de todos que se utilizam do espaço público, uma
vez que a ele cabe informar, orientar e sensibilizar as pessoas acerca dos
procedimentos preventivos e seguros”. Como um agente que não tem poder
de abordar motoristas nem pedestres perante infrações, pode exercer um papel
muito importante na educação de TODOS os que usam o espaço público?
Escrito por Paulo R. Lozano em 26 de abril de 2013
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