segunda-feira, 29 de abril de 2013


Fiscalização de trânsito  2

 

Não quero parecer simplista. Creio que já mostrei várias vezes neste Site o quanto um sistema trânsito como o brasileiro é complexo e como, a fim de ser realmente aperfeiçoado, exige entendimento amplo e tratamentos sistêmicos complexos. Por outro lado, sem precisar ir muito a fundo existem alguns poucos pontos altamente relevantes nos quais falhamos lamentavelmente e se fossem atacados com prioridade veríamos resultados positivos rapidamente. O principal é o nosso péssimo sistema de “enforcement” das leis.  Discorri sobre isso nas primeiras postagens: “enforcement”, palavra inglesa para a qual não conheço tradução adequada em português é por si só um sistema (ou subsistema, se preferirem) que abrange fiscalização intensa e aplicação severa de penalidades quando de desobediências da lei.

Mostrei na postagem de 26 de abril que nossa lei maior de trânsito, o CTB é falho em não definir categoricamente responsabilidades por “enforcement” no trânsito, principalmente no quesito policiamento em todas as situações possíveis. Percebam que não usei a palavra fiscalização, policiar é muito mais do que fiscalizar.

O Capítulo I (Disposições Preliminares) o CTB dispõe sobre várias competências. Alguns artigos são similares, especificando em sequência:

Art. XX. Compete ao /aos ... (Segue-se a denominação de alguma entidade do Sistema Nacional de Trânsito)

I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;

Por exemplo:

 
Art. 20. Compete à Polícia Rodoviária Federal, no âmbito das rodovias e estradas federais:

I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;

II - realizar o patrulhamento ostensivo, executando operações relacionadas com a segurança pública, com o objetivo de preservar a ordem, incolumidade das pessoas, o patrimônio da União e o de terceiros;

 
Está perfeitamente clara a competência pelo policiamento em estradas federais, bem como, em outro artigo, em estradas estaduais. Mas vejamos outro exemplo:

 

Art. 23. Compete às Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal:

III - executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio firmado, como agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou executivos rodoviários, concomitantemente com os demais agentes credenciados;

 QUANDO E CONFORME CONVÊNIO FIRMADO... A única entidade com poder de polícia nos estados só pode agir mediante convênio firmado com alguma “Autoridade de Trânsito” responsável pela “Circunscrição Local” e, mesmo assim, concomitantemente com demais agentes credenciados.


Vejamos agora o artigo que mais nos interessa:

 

Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:

 

Seguem-se 21 incisos, dos quais analisarei três:

 

I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;

Este primeiro é padrão. A questão é como fazer tudo isso.
 

V - estabelecer, em conjunto com os órgãos de polícia ostensiva de trânsito, as diretrizes para o policiamento ostensivo de trânsito;


Aqui começam as dificuldades. “Estabelecer em conjunto com os órgãos de polícia ostensiva de trânsito...”. E se esse órgão não existir? PM existe nos estados, mas unidades de polícia ostensiva de trânsito nem sempre. Estados podem criar e descriar tais órgãos, como vimos em postagens anteriores. Quando existem, normalmente se restringem a atuação em grandes centros urbanos. Por outro lado, o que significa “estabelecer... as diretrizes para o policiamento ostensivo de trânsito?” Alguém conhece as tais diretrizes vigentes em sua cidade? Eu não.

Há mais um item a ser analisado:


VI - executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito;
 

Confesso minha total confusão com relação ao entendimento desse item e afirmo que o Manual de Fiscalização do Contran não ajuda a interpretá-lo. OK, o município (desde que já inscrito no SNT) executa a fiscalização de trânsito. Como a PM nunca se reporta diretamente à prefeitura, o município se vale primeiro de dois expedientes: “fiscalizações automáticas” (radares fixos, pardais, câmeras fotográficas automáticas, etc.) e/ou de Agentes de Trânsito, que em princípio deveriam estar lotados em órgãos de trânsito municipais. Por outro lado, o município “pode” fazer convênios com a PM (neste caso o município não precisa já estar cadastrado no Sistema Nacional de Trânsito). O diabo mora nos detalhes e aqui o detalhe é esse “pode”.


O fato é que podemos ir direto aos finalmentes, por esse sistema institucional fragmentado e confuso uma fiscalização policial de trânsito intensiva e eficaz praticamente inexiste nas cidades brasileiras.

Sem um policiamento ostensivo (e discreto) intensivo e eficaz a incivilidade no trânsito se manterá para sempre.

De nada adianta o CTB e a Resolução Contran 371 definirem o que é um AGENTE DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO - pessoa, civil ou policial militar, credenciada pela autoridade de trânsito para o exercício das atividades de fiscalização, operação, policiamento ostensivo de trânsito ou patrulhamento. No mundo civilizado tal definição é desnecessária, existe polícia e nada mais.

 

Escrito por Paulo R. Lozano em 29 de abril de 2013

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